Titãs e Sonic Youth nas telonas
“A Vida Até Parece Uma Festa”, de Branco Mello e Oscar Rodrigues Alves
Cotação: 1/5
Uma das principais formações de rock do país, o Titãs chega às telonas (via Mostra RJ e SP – estréia oficial apenas em janeiro) com um documentário caseiro que procura contar a trajetoria da banda através de imagens de programas de TV e registros que Branco Mello começou a fazer quando comprou sua primeira câmera VHS em 1986. Dividido a quatro mãos entre o titã e o diretor Oscar Rodrigues Alves, “A Vida Até Parece Uma Festa” tropeça enquanto cinema, mas fãs vão adorar.
Os melhores momentos do filme são quase que exclusivamente retirados de programas de televisão em imagens de (90%) péssima qualidade. Mesmo assim é hilário ver o grupo pulando do Barros de Alencar para o Qual é a Música de Silvio Santos, gastando adrenalina no Cassino do Chacrinha, divertindo-se no Programa do Bolinha e Perdidos na Noite, programa do Faustão na Band. E o raro flagra do Trio Mamão (Bellotto, Mello e Fromer) e as Mamonetes em um programa da TV Tupi é histórico.
Porém, se forem retiradas as imagens de TV, pouca coisa relevante sobra em “A Vida Até Parece Uma Festa”. A edição caótica também não ajuda. Não há um fio condutor que dirija a história, e sim idas e vindas que só não vão confundir quem realmente é fã da banda. As cenas extensas são outro ponto negativo. Exemplo: a cena seguinte após o caso da prisão de Arnaldo e Belloto com drogas é ilustrada com uma colagem da música “Polícia” em diversos lugares que poderia ser muuuuuito mais curta. Outra, com a banda enlameada na Chapada das Guimarães, também poderia ser cortada pela metade.
Para fazer a ligação entre alguns trechos carentes de imagens de arquivo, Alves filma o que restou da banda no ônibus de turnê a caminho de algum show, o que poderia ter sido um ótimo vértice para a história, mas é usado raramente e poderia valorizar passagens interessantes como uma em que a banda vota para escolher quais canções vão entrar num álbum (com Nando Reis frustrado diante da câmera), outra em que Charles Gavin leva um esporro do produtor Liminha ou, ainda, uma terceira, mais recente, com Arnaldo quase caindo da cadeira ao passar uma canção em casa com outros titãs.
Os pontos primordiais da história da banda ganham espaço na tela – a saída de Arnaldo Antunes e Nando Reis; a morte de Marcelo Frommer; o começo, meio e momento atual da banda; a vida na estrada – mas poderiam ser melhor explorados. No fim fica a impressão que “A Vida Até Parece Uma Festa” foi feito exclusivamente para fãs com mais foco na história musical do que no cinema. Até por isso destaca o roteiro capenga. Há bons momentos no documentário, mas uma banda do porte e trajetória do Titãs merecia muito mais. A gente não quer só comida.
******************
“Sonic Youth: Sleeping Nights Awake”, de Projeto Moonshine
Cotação: 3/5
Imagine a cena: sete estudantes do segundo grau têm uma “tarefa” para o fim de semana: registrar a passagem da turnê “Rither Ripped”, do Sonic Youth, por sua cidade, a pequena Reno, no estado de Nevada, Estados Unidos. O trabalho faz parte do Projeto Moonshine (http://www.projectmoonshine.org), uma organização sem fins lucrativos que visa ensinar cinema a adolescentes para que eles possam documentar importantes eventos em suas comunidades. “Sonic Youth: Sleeping Nights Awake” foi o primeiro longa do grupo, e o Projeto se saiu muito bem.
Não há nada de revolucionário no método de filmagem e roteiro de “Sonic Youth: Sleeping Nights Awake”, pressuposto correto para um grupo iniciante na arte de cinematografia. O grupo parte do básico nos registros e captações de imagens: acompanha a banda de sua chegada em Reno até a partida com reveladoras entrevistas com membros da equipe técnica e com os próprios músicos até imagens dos shows (com a integra de canções como: “Tom Violence”, “Shaking Hell”, “Mote”, “Incinerate” e “Kool Thing”).
A edição é primorosa e valoriza imensamente o resultado final. Com sete câmeras nas mãos de estudantes, o Projeto mixa várias imagens (todas em PB) estilosas que muitas vezes começam e/ou terminam desfocadas, opção que casa à perfeição com a pouca experiência do grupo de estudo e também com a sonoridade do Sonic Youth. Outro ponto alto é a relação dos integrantes – principalmente Thurston Moore – com a filmagem, agindo numa naturalidade raras vezes vista em um documentário.
“Já faz 17 anos desde a última vez que tocamos aqui, não lembro o nome do lugar”, diz Thurston em certo momento do show. Um fã, no meio da platéia, grita o nome do local, e Thurston emenda: “Esse ai. Obrigado por terem nos trazido de volta”. E começa o massacre com “Kool Thing”. O Projeto entrevista uma garota cujo pai tem o nome do grupo tatuado na perna. Minutos depois o encontra para que ele mostre a tatuagem para ás câmeras. O descompromisso toma conta e contagia.
Kim Gordon fala sobre a dificuldade de cantar, a vida na estrada e filhos, um deles trabalhando na turnê, na banca de camisetas da banda. Lee Ranaldo tenta explicar como a banda dura tanto e o ex-baixista do Pavement, Mark Ibold, fala sobre a adaptação ao grupo. Mas os melhores momentos são de Thurston, que parece não levar à sério o documentário. “Vocês são estudantes da high school? Legal. Querem Hersheys?”, pergunta no camarim. “Só tem dois. Vocês vão ter que dividir”, diz o guitarrista já de mochila nas costas enquanto Kim comenta: “Vou levar um pouco de comida para o ônibus”.
Um dos momentos reveladores do longa, porém, parte de um dos membros da equipe técnica. O entrevistador pergunta: “Como você sabe que eles estão felizes no palco, que a noite está sendo boa?”. O rapaz hesita, mas responde: “Eu sei quando eles não estão felizes. Por exemplo: na turnê do álbum ‘Sonic Nurse’, ainda com o Jim O’Rourke na banda, o clima não estava bom… então eles tocavam versões de 20 minutos de uma música, só microfonia, nenhum movimento. Eles estavam jogando sobre o público todas as suas frustrações”, diz, explicando por tabela a frustrante apresentação no Claro Que é Rock, em 2005, após a primeira passagem antológica, no Free Jazz, em 2000.
O intimismo e a espontaneidade valorizam “Sonic Youth: Sleeping Nights Awake”, um documentário jovem que flagra uma das bandas mais importantes do cenário independente mundial. Apesar de ter por base a execução ao vivo das canções do grupo – as entrevistas surgem entre uma música e outra, o documentário soa interessante também para aquele público que não conhece e/ou nem é fã do Sonic Youth, mas tenha curiosidade pelos bastidores de uma banda de rock em turnê, num registro que merece ser visto.
Leia também:
– “Sonic Nurse” exibe as cicatrizes do Sonic Youth, por Marcelo Costa (aqui)
– “Murray Street”, do Sonic Youth, faixa a faixa, por Marcelo Costa (aqui)
– Claro Que é Rock em São Paulo, por Marcelo Costa (aqui)
0 comentário
Faça um comentário