Mostra de SP: “Ninho Vazio”
“Ninho Vazio”, de Daniel Burman – Cotação: 2/5
Em seu sexto filme, o argentino Daniel Burman (de “Esperando o Messias” e “O Abraço Partido”) aproxima-se tematicamente do cinema do canadense Denys Arcand. Há muitas similaridades entre “Ninho Vazio”, do argentino, com “A Época da Inocência”, do canadense, sendo que os principais se apóiam no desagradável personagem principal dos dois filmes e na junção de ficção e sonho.
O texto de Burman é muita vezes corrosivo e diverte em várias passagens, mas o vai e vem da história não convence, embora o tema seja caro a todos nós. Leonardo, o personagem principal, é um dramaturgo famoso que percebe que seus três filhos deixando a casa para estudar no exterior, o ninho está ficando vazio e ele está se distanciando de sua mulher, a bela Martha.
Ao mesmo tempo em que percebe essas pequenas coisas que sinalizam sua crise de meia-idade, Leonardo passa um bom tempo no mundo ficcional dos sonhos apaixonado por um jovem dentista e filosofando coisas da vida com o marido de uma amiga de sua mulher. São essas passagens que rendem os melhores momentos da trama (com o tal amigo afiado no discurso) e também os mais constrangedores (os momentos de dança).
O mal-humor do personagem principal o distancia do público (o espectador chega, em certo momento, a esperar a traição da mulher como uma resposta justificável para as atitudes distantes do marido), embora sua natureza serena pareça pedir colo. O cinema humanista de Daniel Burman brinda o espectador com belos achados de texto e imagens, mas não se fecha em um grande filme. Nesse ponto, Arcand, se saiu melhor.
Leia também:
– “A Era da Inocência”, de Denys Arcand, por Marcelo Costa (aqui)
– “O Abraço Partido”, de Daniel Burman, por Marcelo Costa (aqui)
outubro 19, 2008 No Comments
Mudhoney em São Paulo
Na porta do clube Clash, em São Paulo, na noite de sexta-feira, um tumulto de camisas de flanela e cabeludos fazia parecer que estávamos todos fazendo parte de uma locação do filme “Singles”, de Cameron Crowe (com muito menos garotas do que na película). Dentro do Clash, a sensação se amplificava e a máquina do tempo musical parecia ter jogado todo mundo nos primeiros meses de 1992. The grunge is not dead, baby.
Poucas horas antes, na região do ABC paulista, terminava de forma trágica o mais longo cárcere privado acontecido no estado de São Paulo: Lindemberg atirara na cabeça de sua ex-namorada, Eloá, e da amiga dela, Nayara. O caso vinha sendo acompanhado por todo o país e lembra uma das primeiras coberturas nacionais feitas nos EUA (retratada por Woody Allen em “A Era do Rádio”) de uma menina que caíra num fosso, e não sobreviveu ao resgate numa “vitória” da tragédia sobre a fé.
Algumas pessoas podem argumentar que não conheciam Eloá (assim como não conhecem os pedintes na rua) e que tem mil outros problemas seus para resolver, um gesto meio umbiguista que podem funcionar tanto como proteção quanto como egoísmo, cada um com a máscara que melhor lhe cabe. Em São Paulo, de duas a três horas após a tragédia, Ana Carolina, Ed Motta, Beth Carvalho e Mudhoney tentavam entreter seus públicos tocando a vida para frente.
O que diferencia o Mudhoney dos outros artistas que tocavam no mesmo horário em São Paulo é que uma das principais formações de Seattle leva ao palco uma usina de barulho com o poder de expurgar demônios. Diante de um mundo tão violento, diante de crimes brutais, diante da fome e da miséria, admiro aqueles que consigam sair de casa e cantar: “Há quem acredite em milagres / Há quem cometa maldades / Há quem não saiba dizer a verdade (…) / Eu não sei parar de te olhar”. Mesmo.
A passagem dos norte-americanos pelo Brasil visava divulgar o novo (e ótimo) “The Lucky Ones”, oitavo disco de inéditas do combo liderado por Mark Arm, que abriu o show pontualmente às 22h com três porradas, incluindo a excelente “I’m Now”. O som, no entanto, não colaborava. Era possível ouvir tudo com perfeição, mas o volume estava baixo demais para quem já havia presenciado a destruição rocker que o Mudhoney promoveu no Olympia, alguns anos atrás.
O público, hipnotizado, estava pouco ligando para o volume. Bastou Mark Arm assumir a guitarra base e soltar o riff da esporrenta “Suck You Dry” que todos foram ao delírio. Corpos flutuavam sobre cabeças enquanto a bateria de Dan Petters fazia da canção um dragster desgovernado descendo a rua Augusta a 300km por hora. Outro clássico, “Sweet Young Thing Ain’t Sweet No More”, foi recebido com flashes de celulares e mãos levadas ao alto louvando o metal.
“Touch Me I’m Sick” surgiu em uma versão mais limpa com o público cantando toda a letra assim como fez em “Hate The Police”, que encerrou o show. No bis, após a tempestuosa “Here Comes Sickness”, Mark Arm pedia encarecidamente para a galera maneirar no pogo e na porrada. “Tem gente se machucando aqui na frente, por favor, cuidado. Nós não estamos mais em 1992”, dizia o vocalista. Quase errado. Dentro do Clash, na noite de (quinta e) sexta, era 1992. Lá fora, na violenta São Paulo, já estávamos em 2008. O mundo não nos deixa esquecer…
Fotos: Liliane Callegari (http://www.flickr.com/photos/lilianecallegari/)
Leia também:
– Duas vezes Mudhoney, por Marcelo Costa (aqui)
outubro 19, 2008 No Comments