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Quer ser jornalista na área de música?

Em 1995, quando o André Forastieri escreveu esse primeiro texto para sua coluna Ondas Curtas, no Folhateen, o mundo era outro. Não havia internet e essa liberdade de se escrever sobre música que povoa zilhões de blogs (alguns, dispensáveis, mas muitos sensacionais) ainda era um sonho para todo garoto que sonhava escrever sobre discos, artistas e aquela música que não saia de sua cabeça. O cenário é outro, mas muita gente ainda têm o sonho de trabalhar escrevendo sobre música. Assim, se alguém perguntasse pra mim, hoje, eu diria: desiste.

Desiste do jornalismo musical como profissão. Faça como eu, que o usa como hobby. Escreva por prazer, e não para pagar as contas. Quando a gente trabalha (ou melhor, consegue trabalhar, pois a área é concorrida – e costuma não pagar bem) com jornalismo musical é preciso ver shows que a gente não quer e escrever sobre discos que a gente não quer ouvir. Melhor escrever em um blog ou montar o seu próprio site do que ficar indo ver show do Fresno. Porém, nada mais gratificante do que ter um texto em um grande veículo, com milhares de pessoas lendo sobre aquilo que você está pensando sobre música.

Na verdade, e sempre, você tem que procurar fazer aquilo que gosta, seja em um blog desconhecido, seja na Rolling Stone, na Folha de São Paulo ou na TV Globo. A sua felicidade – profissional ou não – só depende de você. Estes dois textos abaixo (o do Àlvaro, publicado também no Folhatten, mas na “Escuta Aqui”, coluna que substiutiu a do Forastieri) expõe uma série de conselhos bacanas que não devem ser levados ao pé da letra (discordar é, sempre, saudável), mas servem para nortear as idéias de muito jovem que está começando agora. Os do Forastieri serviram para ajudar a definir a minha persona profissional. E eu queria dividir isso com você.

Ps. Você não vai desistir, né?

Ps 2. O texto do Forasta, retirado dos arquivos da Folha, está na integra, sem os costumeiros cortes feitos para encaixa-lo no espaço do jornal (que muda muito entre a pauta do editor e o fechamento). Eu tinha a “original” em um recorte da época, junto com dezenas de outros recortes que se perderam em alguma das minhas mudanças…

Jornalismo musical pode viver só com duas regrinhas básicas
ANDRÉ FORASTIERI
Especial para Folha
29/05/1995

Sei que um monte de gente que lê esta coluna trabalha na área musical. Não só músicos, mas também gente de gravadora, de rádio, de casa noturna, de TV e tal. E sei que tem um monte de gente que lê esta coluna e gostaria de trabalhar na área musical. Sei mais ou menos o que fazer para conseguir se descolar em rádio, gravadora etc. Agora, o que sei direitinho é como trabalhar na minha área, jornalismo, e, especificamente, jornalismo musical (que na verdade só ocupa uns 15% do meu tempo atualmente). Se você quer entrar no mundo glamuroso do jornalismo musical, preste atenção. Tenho só duas regrinhas simples.

Regra número um: tem que saber escrever. Não adianta gostar de um monte de música ou tocar direitinho o solo de Steve Howe em “Gates of Delirium”, se você não sabe escrever.

Saber escrever depende de você conhecer português e a técnica básica de jornalismo (que é baba). Ter um mínimo de cultura geral, que vá um pouco além da discografia dos Smiths, também não atrapalha em nada. Repare, saber escrever não é ter um grande estilo, pessoal e intransferível. O estilo é uma coisa que nasce das imitações baratas que a gente faz dos textos que a gente admira. Eventualmente, isso vai se misturando com o que a gente é, e sendo filtrado pelos lugares onde você trabalha.

Eu, por exemplo, escrevo direto e rápido, porque aprendi o ofício em jornal. Depois trabalhei em revista e soltei a franga no coloquial e na conversa mole. Ninguém me tira da cabeça que um bom texto sobre rock tem que ser parecido com o papo que você tem com os amigos no bar, depois de um show. Tem gente que teve formações diferentes. Daí, escreve diferente. Saber escrever também não tem a ver com ter uma opinião. Opinião todo mundo tem e não vale picas. Você precisa ter uma opinião e saber expô-la de maneira que outras pessoas queiram pagar para conhecê-la.

Regra número dois: você não pode ter medo. Nem de meter a cara, nem medo de trabalhar. A maioria das pessoas que eu conheço, que vivem de escrever sobre essas coisas pop começou metendo a cara. Não tem editor que dispense um bom texto. Mas antes é preciso você fazer o editor ler o seu texto, e editores são pessoas ocupadas. Mete o pé na porta. O máximo que pode acontecer é você levar um não.

Medo de trabalho também é desemprego na certa. Jornalista trabalha pra caramba. Não tem fim-de-semana, hora para sair ou para entrar. Tem um mundo de coisa de fazer o tempo inteiro. E como epílogo, lembro que ter um pouco de caráter também nunca atrapalhou ninguém.

Como você vê, não é tão complicado assim trabalhar na imprensa musical. O que você ganha com isso? Não muito. Você entra em show sem pagar e ganha montes de CDs. Viaja a trabalho para entrevistar uns e outros. É convidado para festas e lançamentos de discos. E, claro, conhece um monte de artistas. Às vezes, até fica amigo de um monte de artistas. Se isso acontecer, está na hora de pedir demissão e mudar de carreira. Ninguém tem coragem de falar mal dos amigos. Ou, invertendo, não tem carreira que valha a perda de um amigo de verdade.

A grana também pega. Tirando meia dúzia de grandes veículos, o salário na imprensa é uma bobagem. Se o teu negócio é ganhar dinheiro a sério, vale mais a pena fazer dez outras coisas, do que ser jornalista. E lembre-se que escrever sobre rock não é exatamente uma carreira. Tem poucas coisas mais rídiculas do que um velhote pai de família que vive de escrever sobre a nova bandinha que despontou nos confins do Missouri. Por isso, os jornais e revistas costuma ter o bom senso de substituir críticos coroas por garotos cheios de gás. Como, talvez, você.

ANDRÉ FORASTIERI, 29, é editor da revista “General”

Sete dicas para quem quer ser crítico de música
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
Colunista da Folha
28 de julho de 2003

Na falta de coisa melhor para fazer na vida, existe gente que almeja ser crítico de música! E muitos leitores com essa aspiração escrevem para “Escuta Aqui” pedindo dicas. Sempre relutei em fazer esse tipo de “manual do crítico” porque, primeiro, nunca fui nem sou crítico de música em tempo integral e, segundo, desconfio de fórmulas prontas. Mas os pedidos são muitos, então hoje vão alguns toques.

1) Ouça música desesperadamente. Você não precisa ser músico, saber diferenciar um ré de um mi. Mas precisa ter conhecimentos históricos, entender de onde vem o tipo de música sobre o qual você escreve e como as coisas evoluíram até hoje. Só conhecer a discografia completa do Weezer não basta.

2) Leia livros e revistas desesperadamente. Você quer criar um estilo, certo? Então precisa ler montanhas de revistas e livros, de todos os gêneros, para chegar a um jeito próprio de escrever. Não adianta só ler “Escuta Aqui” e a coluna do Lúcio Ribeiro na Folha Online. Assim, acaba virando clone. Mais um.

3) Aprenda inglês. Cerca de 99,99% do que conta no chamado “mundo das artes” acontece em inglês. Se você não sabe a língua direito, arrume outra coisa para fazer. Ser crítico de música não dá.

4) Aceite sua insignificância. Ninguém saudável compra ou deixa de comprar um CD por causa de uma crítica. Em geral, críticas de música são lidas por nerds, músicos e outros críticos de música. O leitor normal -aquele que tem uma vida, família, amigos etc.- está pouco se lixando para o que o crítico pensa.

5) Não fique amigo de músicos. Bandas -principalmente as mais novas- sofrem muito. Dão shows sem ganhar nada, não conseguem divulgação etc. etc. Gravar um disco é mais difícil ainda. Só que é melhor não se envolver com isso, senão você vai ficar com pena dos músicos e fazer sua crítica com base nesse contexto e não na simples audição do CD. Os caras da banda podem ser gente boa, batalhadores e honestos, a baixista pode ser uma gostosa, mas, se fizeram um disco ruim, é isso o que você tem de dizer.

6) Pratique a crítica destrutiva. Enfie uma coisa na cabeça: você e os músicos ou você e as gravadoras não estão no mesmo barco. E você não tem papel algum na construção de nenhum tipo de cena. No Brasil, a prática do compadrio e da “brodagem” é corrente entre jornalistas, músicos e gravadoras. Todo mundo é amiguinho e se ajuda mutuamente. Gente talentosa perde tempo escrevendo só sobre o que gosta ou finge que gosta. Fuja dessa.

7) Prepare-se para a realidade de uma redação. Pense naquele cara -ou moça- inteligente, moderno, que passa o dia escutando música e, de vez em quando, escreve sobre um CD que lhe chamou a atenção. Agora esqueça isso. As críticas assinadas são uma parte muito pequena do que o jornalista faz na redação, o que inclui diagramar páginas, escrever títulos, bolar legendas de fotos, escrever matérias não-assinadas, preparar notinhas, reescrever textos dos outros, ser esculachado pelo chefe etc. Tem mais coisa, mas o espaço acabou.

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR, 40, é editor-chefe do “Fantástico” em São Paulo

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