Voll-Damm, Reina Sofia e Thyssen-Bornemisza
Eu tinha terminado o penúltimo e-mail dizendo que eu iria beber em homenagem a “La Maja Desnuda”, certo. Fiz bem. Encontrei a Voll-Damm, que pelo rótulo acho que é espanhola, de Barcelona, e patrocina o festival de jazz da cidade. O rótulo ainda diz que ela ganhou o prêmio de melhor cerveza strong lager do mundo em 2007 no World Beer Awards. 7,2%. Bebi duas latinhas e comecei a sorrir à toa.
Comprei mais duas, um pacote com umas 200 gramas de salame, pao e fui pro albergue fazer um lanche. Passo pela cozinha e ouco um “uai, sô”. Dois mineiros apaixonados por música sertaneja papeavam por lá. Fizemos amizade, chegou um casal carioca, e veio o convite dos mineiros: “A gente vai encontrar umas belgas na Plaza do Sol depois cair pra balada. Vamo ae?”. Era só o que eu estava esperando.
Encontramos as belgas, e o irmao de uma delas, na Plaza do Sol, ficamos quase uma hora papeando, quando um guia reuniu a turma para o lance todo, que funcionava mais ou menos assim: voce paga 10 euros, e eles te levam em três bares/baladas, e em cada um voce ganha uma bebida. Por fim, te jogam em uma balada balada mesmo, e te deixam lá fervendo. Achei cool e fico devendo fotos pois minha digital é daquelas grandes demais pra balada.
Nesta hora a turma de brasileiros já tinha aumentado, com uma garota que mora em Berlim, e mais um casal, que acabou se separando em seguida. Chegamos no primeiro bar, ganhamos uma sangria e um vale bebida: dois cocktais por 10 euros. Sacumé brasileiro, né: dispensamos o vale e achamos em frente a parada um bar que vendia Mahou, uma das minhas cervejas Top 5, por 1 euro a latinha de 500 ml. Comecou o estrago.
No primeiro bar, assim que entramos comecou a rolar “Take Me Out”, do Franz, e suspirei aliviado. Na sequencia veio “Song 2”, e quando comecou “Wonderwall” percebi que o DJ era qualquer coisa. E foi dai pra baixo, com Fergie, Black Eyed Peas e o escambau. Lembrei da Laura falando para o Rob: “E ai, você gostou da pessoas, né. Vai lá olhar a colecao de discos deles” (risos). Turma legal, clima bom, música ruim, relaxei.
No segundo bar ganhamos um shot de Tequila, que sempre me derruba. Assim, o bar estava lotado, ou entao ficou lotado assim que chegou a turma da caminhada. Só turistas, inclusive alguns espanhóis de outras regioes (num esquema “Paulista vai a baile funk no Rio”, manja). A coisa toda comecou a ferver. Morenas comecaram a dancar até o chao para ingleses e alemaes sedentos. Comecei a achar estranho.
O casal carioca, que tinha provado cogumelo em Amsterda (“Eles vendem numa bandejinha, junto com os baseados. Tem cinco categorias diferentes. Provamos o mexicano, mais fraquinho, e rimos a tarde toda”, comentaram tanto que até deu vontade), já estava altinho. A garota de Berlim tinha sumido. Os mineiros nem chegaram a vir. Quando deu duas da manha, tomei o rumo de casa.
Ainda encontrei os mineiros na Plaza de Sol, mas a cama estava me chamando. Acordei cedinho com uma pontadinha de ressaca, pensando: “Entrego a Rainha Sofia por uma coca-cola!”. Sai para um café com o já tradicional mixto com jamon, queso e huevo (tô viciando nisso) e uma coca de 200ml, que eu matei sem respirar. Depois sentei no sol vendo cachorrinhos espriguicarem, antes de ver o “Guernica”.
O Reina Sofia impressionou. Como colecao, gostei muito mais do Sofia do que do Prado. Porém, o Reina Sofia é uma desordem. Nas primeiras salas, a posicao da luz é tao errada que atrapalha a visao dos quadros. E, o que mais me incomodou, nao há um isolamente acústico entre vídeos e telas. Tive que ver o “Guernica” ouvindo o áudio do filme “Canciones Para Despues de Una Guerra”, de Basilio Martín Patino, exposto duas salas depois.
Fiquei extremamente contrariado e mesmo que seja intencional, é uma intencao pra lá de idiota. Você nao consegue “mergulhar” no quadro com uma barulheira daquelas. Bem, desabafo feito. A colecao do Reina Sofia é especializada na arte espanhola do século XX e XXI, mas traz boas surpresas de fora também. A divisao das salas obedece um esquema temático e cronológico, o que funciona muito bem.
Nas salas 1 e 2, retratos e paisagens; nas salas 3, 4 e 5, cubismo; na sala 6, 7, 8 e 9, o contexto de “Guernica”, e nas seguintes, Surrealismo. Adorei “Muchacha en la Ventana” (aqui), “Autoretrato Cubista” (aqui) , “Gran Arlequín y Pequeña Botella de Ron” (aqui) e “El Gran Masturbador” (aqui), todos de Salvador Dali, “La Fabrica Dormida”, de Daniel Vazquez Dias (aqui), “La Chimenea”, de Diego Rivera, e “Valencia”, foto de Cartier-Bresson (aqui).
O museu ainda conta com obras de Magritte, Miró, Le Corbusier e muitos outros, mas nao tem jeito, “Guernica” faz voce esquecer tudo a sua volta. A enorme tela ocupa a sala 6 do Reina Sofia. Nao existe uma linha no chao que delimite o quao perto voce pode chegar, entao toda hora soa o alarme (mais um defeito do museu) com pessoas a mais de dois metros da obra. Mesmo com todos os problemas estruturais do museu, a obra reluz e encanta.
“Guernica” mede 350 por 782cm e foi pintado por Picasso entre maio e junho de 1937, especialmente para a Exposição Internacional de Paris. Em abril de 1937, no auge da guerra civil espanhola, os alemaes bombardearam a cidade de Guernica em apoio as forcas nacionalistas do ditador Francisco Franco. O ataque e a destruicao da cidade basca causou revolta internacional, e Picasso desenhou o quadro buscando retratar a dor e a barbarie da guerra.
Nas duas salas anexas a sala 6 em que está “Guernica”, esbocos permitem que o visitante acompanhe o árduo trabalho de Picasso em compor o quadro antes (ele fez oito versoes até chegar a versao final) e depois (existem vários postscriptum). Pequenas (e belíssimas) telas retratam a agônia do cavalo , que tomou a posicao central do quadro na versao final. A mae desesperada segurando o bebê morto também recebeu vários estudos, assim como o soldado morto com o punhal quebrado nas maos.
Se fiquei três horas dentro do Reino Sofia, uma hora e meia, fácil, “gastei” com “Guernica”. E, ok, uns 25 minutos com Bunuel. Peguei numa sala o trecho final de “Lage D’or” e os 16 minutos de “Un Chien Andalou” na seqüência, afinal, (re)ver Bunuel em telao é uma oportunidade rara que nao pode ser desperdicada. Nunca. Para fechar o roteiro de museus fodacos de Madri, só faltava bater cartao no Thyssen-Bornemisza, entao comprei mais uma coca-cola e vamo que vamo.
O Thyssen é o mais variado dos três museus, contendo desde pinturas medievais até pop-art. Isso facilita demais a visita, pois vou te contar que após três salas de cubismo e surrealismo você já está vendo tudo torto, quebrado e disforme. Cansa a visao apesar da beleza das obras. No Thyssen, porém, há muito retrato, paisagem e natureza morta, coisas que nao me conquistam tanto. Porém, sempre tem coisas que valem a pena.
Na minha listinha de preferidos, “La Matanza de Los Inocentes”, de Valkenborch (aqui), “Retrato de Una Joven”, de Bordone (aqui), “El Rapto de Europa”, de Vouet (aqui), “Venus Y Marte”, de Saraceni (aqui), “Vendedora Veneciana de Cebollas”, de Sargent (aqui), “La Casa Gris”, de Chagall (imagem acima), “Sueño causado por el vuelo de una abeja alrededor de una granada un segundo antes del despertar”, de Dali (aqui) e “Portrait of George Dyer in a Mirror”, de Bacon (aqui).
O Thyssen nao é tao lotado quanto o Prado e nem tampouco baguncado como o Reina Sofia. E apesar de conter obras de Picasso, Magritte, Monet, Renoir, Degas e Van Gogh, a minha tela preferida, aquela que fiquei uns bons quinze minutos sentado apreciando foi…”Quarto de Hotel”, de Hopper (abaixo), uma delicada tela de 1931 que flagra a melancolia e a solidao de uma jovem sozinha em um quarto. Bem, tenho que arrumar as malas e, meia-noite, ir para o aeroporto. Agora, só de Paris. Nada de lágrimas ao deixar a Espanha, espero…
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