Cinema: “Joy Division”, o documentário
“Joy Division”, de Grant Gee – Cotação 4/5
Na temporada em que o mundo redescobriu Ian Curtis, dois longas ilustram a trajetória do mártir pós-punk: “Control”, de Anton Corbijn, aposta no preto e branco tendo como base o livro de Deborah Curtis, viúva do cantor. “Joy Division”, de Grant Gee, finca-se apenas no preto ouvindo todos os demais “envolvidos”, menos Deborah (embora seu livro seja citado em vários trechos do filme). Enquanto o primeiro filme dramatiza a história do vocalista, o segundo tenta documentar o período, num esforço interessante de contar a história da banda.
Grant Gee, que tem no currículo no excelente “Meeting People Is Easy” (documentário que flagra os traumas do Radiohead pós “Ok Computer”), coloca seus “personagens” na parede e os deixa falar, falar e falar. Optando por esse formato convencional de documentário, Gee acaba por hiperbolizar a história da banda, que por si própria tomou dimensões estratosféricas após o suicídio de Ian Curtis, em maio de 1980, às vésperas da primeira turnê norte-americana do grupo.
Esta nova mitificação do mito serve para colocar várias peças em seus devidos lugares, principalmente entre os três integrantes do Joy Division: Peter Hook, Bernard Sumner e Stephen Morris abrem o coração para o cineasta em um mea-culpa composto por “50% de tristeza, 50% de raiva” (palavras do baterista) em relação ao ato final do amigo. “Nós só fomos prestar atenção às letras quando Deborah as publicou em um livro. Pensamos: era disso que ele estava falando?”, diz um entrevistado.
Sumner fala pausadamente; Morris fala desajeitamente, rindo – aparentemente de nervoso – nas lembranças mais dolorosas; Hook é um tosco que virou baixista e faz questão de deixar isso bem claro, mas é responsável por uma das declarações mais fortes do documentário: “A única coisa que me arrependo em minha vida foi não ter ido ao funeral”. Boa parte do valor do documentário está nas declarações destes três homens que evitaram durante anos falar sobre o assunto.
Gee, ainda, conseguiu reunir peças importantes para recontar a história de uma das bandas mais importantes de Manchester: o jornalista e empresário Tony Wilson, o designer Peter Saville, o fotógrafo Anton Corbijn, o músico Pete Shelley (Buzzcocks) e a jornalista (e amante/namorada) de Ian Curtis, Annik Honoré, entre outros nomes. Também reuniu um acervo de imagens raras da época de registros de shows em vários lugares, cuja baixa qualidade apenas aguça a curiosidade do espectador.
Não espere, no entanto, descobrir algum fato novo em “Joy Division”. O documentário se presta muito mais a imortalizar o mito com declarações oficiais – as primeiras – do que esmiuçar a história. Quase todos os temas abarcados já foram dramatizados em filmes como “A Festa Nunca Termina” e “Control” além do livro “Touching From a Distance”, de Deborah, e os motivos que cercam o suicídio continuam nublados (depressão x coração dividido x epilepsia), embora Gee (e seus entrevistados) acredite numa junção de vários fatores enquanto Corbijn, em “Control”, pareceu focar apenas no desastre romântico do vocalista.
São dois filmes imperfeitos, mas que juntos (e com a companhia de “A Festa Nunca Termina”) jogam luz sob um dos grandes poetas do rock britânico, e embora a fotografia e as boas atuações credenciem “Control”, Grant Gee pula a frente por flagrar os personagens reais dessa epopéia recontando conquistas e dramas. Funciona como a versão oficial de um dos momentos marcantes da história da música pop e é perfeito tanto para jovens que estão descobrindo o Joy Division agora tanto quanto para fãs de anos e anos que, pela primeira vez, vão poder ver os próprios personagens remexendo o baú da memória. Pena que o personagem principal não esteja vivo para contar a sua versão. Pena mesmo.
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