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Posts from — fevereiro 2008

Música: “Greatest Hits”, Morrissey

Entre coletâneas de A sides (sucessos), B sides (raridades) e álbuns ao vivo, Morrissey soma sete discos (este “Greatest Hits” incluso) em uma discografia solo que totaliza apenas oito álbuns. Isto posto, não deixa de soar picaretagem do velho bardo dos Smiths impingir ao fã mais uma seleção de seus maiores sucessos, mesmo que o grosso do repertório seja retirado de seus últimos dois álbuns (que serviram para apresenta-lo a um público maior do que aquele que Morrissey vivenciou quando cantava ao lado de Johnny Marr) e lembrando que tanto “Everyday Is Like Sunday” quanto “Suedehead” já apareceram em uma coletânea do velho Mozz três vezes cada uma!!!

A imprensa gringa alerta que o cantor estava sem dinheiro para gravar o novo disco, e por isso decidiu lançar mais uma coletânea de sucessos, o que soa ainda mais picareta. “You Are The Quarry” (2004) e “Ringleader Of The Tormentors” (2006) venderam juntos aproximadamente 2 milhões de exemplares, e mesmo que Morrissey tivesse gastado sua fortuna comprando edições raras de livros de Oscar Wilde, alguns trocados iriam sobrar para enfurnar sua banda em um estúdio qualquer e lançar mais um grande álbum de inéditas. E olha que estou deixando de lado os shows “sold out” que o bardo vem amontoando pelo caminho. Dinheiro não deve ser problema para Stephen Patrick Morrissey, vamos combinar.

No entanto, apesar da picaretagem, o homem sabe muito bem como satisfazer seu público, e isso é inegável. As artimanhas de “Greatest Hits” são poderosas. Ao tracking list de 15 canções (quatro de “You Are The Quarry”, quatro de “Ringleader Of The Tormentors”, mais “Redondo Beach” – cover de Patti Smith retirada do ao vivo “Live At Ears Court” – e as inevitáveis “Everyday Is Like Sunday”, “Suedehead” e “The More You Ignore Me, The Closer I Get”), Morrissey apresenta duas poderosas canções inéditas, e inclui em uma versão luxuosa do álbum um CD bônus com oito canções gravadas ao vivo no Hollywood Bowl, em Los Angeles, em agosto de 2007. Mais: nas três diferentes versões do novo single “That’s How People Grow Up” surgem mais faixas ao vivo (entre elas, “The Boy With The Thorn In His Side” ao vivo em Omaha).

As faixas ao vivo são aquilo de sempre: uma banda afiada, grandes canções e o vocal de Morrissey cantando como se estivesse distribuindo filetes de seu coração partido para um público apaixonado. “The Last Of The Famous International Playboys” (que abre o CD bônus da coletânea) aparece em uma versão arrasadora. “The National From Disco” surge inferior à demolidora versão do álbum “Beethoven Was Deaf”. Antes de uma linda versão de “Let Me Kiss You” ele agradece – humildemente – ao público que superlotou os mais de 17 mil lugares do lendário Hollywood Bowl para vê-lo após 15 anos sem pisar naquele palco. O CD bônus ainda traz versões acachapantes de “I Will See You in Far Off Places”, “Life is a Pigsty” (duas das melhores canções de “Ringleader Of The Tormentors”) “Irish Blood, English Heart” e “First of the Gang to Die”.

A cereja no bolo, porém, são as duas faixas inéditas. “All You Need Is Me” é rápida e suja, com um baixo carregado de distorção disputando a atenção com a voz de Morrissey. Na letra, o bardo desfila uma relação de amor e ódio cujo verso final resume tudo: “Você não gosta de mim, mas você me ama / De qualquer forma você está enganado / Você vai sentir saudades quando eu tiver ido embora”. Morrissey é especialista em retratar o amor doentio. “Você revira os olhos para o céu / Zomba horrorizado, Mas continua aqui / Tudo o que você precisa sou eu // Há tanta destruição por todo o mundo / E tudo o que você consegue fazer é / Reclamar de mim // Você bate a cabeça contra a parede / E diz estar farto de tudo / E ainda assim, permanece / Tudo o que você precisa sou eu”. Cruel como só Morrissey consegue ser.

Comparada com o vasto acervo de canções arrebatadoras de Morrissey, “All You Need Is Me” é bem mediana, e fica ainda mais apagada se comparada ao poderoso single “That’s How People Grow Up”. Um vocal feminino fantasmagórico abre a canção. As guitarras são sujas e o baixo acompanha. Quando a voz de Morrissey entra, ela mastiga as palavras com delicadeza e estica o “loooove” no final das frases com muito charme. O refrão é pop e grandioso com um teclado fazendo a cama para que a melodia vocal deite-se e sorria enquanto espeta: “É assim que as pessoas crescem, yeah, é assim que as pessoas crescem”. Só por essa música, “Greatest Hits” (apesar da picaretagem) merece uma segunda chance, um olhar menos punitivo. Morrissey deve estar rindo enquanto bebe mais uma cerveja direto da lata. Ele conseguiu, mais uma vez, dobrar o coração de seus fãs, colocá-lo no bolso como um lenço de papel e deixar ali para quando tiver necessidade de enxugar o suor do rosto. Poucos conseguem fazer isso tão bem. Poucos;

A letra de “That’s How People Grow Up”, uma das melhores de Morrissey nos últimos anos, você pode ler abaixo. A edição especial de “Greatest Hits” não tem previsão de lançamento no Brasil.

“É Assim Que As Pessoas Crescem”

Eu estava desperdiçando meu tempo
Tentando me apaixonar
A decepção veio até mim e me chutou
Me encheu de hematomas e me feriu

Mas é assim que as pessoas crescem
É assim que as pessoas crescem

Eu estava desperdiçando meu tempo
Procurando por amor
Alguém deve olhar para mim
E ver que há alguém dos seus sonhos

Eu estava desperdiçando meu tempo
Esperando por amor
Pelo amor que nunca vem
De alguém que não existe

É assim que as pessoas crescem
É assim que as pessoas crescem

Me deixe viver antes que eu morra
Oh, eu não, a mim não

Eu estava desperdiçando minha vida
Pensando o tempo todo sobre mim mesmo
Alguém em seu leito de morte disse:
“Existem outros infortúnios também”

Eu estava dirigindo meu carro
Eu bati e quebrei minha coluna
Então, sim, há coisas piores na vida
Do que nunca ser o querido de alguém

É assim que as pessoas crescem
É assim que as pessoas crescem

Quanto a mim, tudo bem
Por enquanto, de qualquer maneira

fevereiro 18, 2008   No Comments

Escócia, lá vamos nós

Sabe o “Dark Side of Moon”? Então, ele ganhou uma versão em ritmo de carimbó. Isso mesmo. O projeto, idealizado por Luiz Félix, da banda paraense La Pupunã, pode ser conferido no álbum “Charque Side of Moon”, disponível para download gratuito no El Cabong. A boa dica é do chapa Adriano Mello e vale a conferida. Enquanto o download do disco vai sendo feito, dá uma passada nos comentários da página… Aqui.

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Com base na lista de Melhores do Ano do Scream & Yell, o ótimo Música Social compilou para download em um post os dez álbuns de 2007. Se faltou você ouvir algum dos dez grandes álbuns do ano passado, segundo o S&Y, divirta-se aqui.

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Em janeiro do ano passado o Scream publicava uma longa entrevista que o camarada Leo Vinhas havia feito com Mario Bortolotto, e um dos assuntos em pauta foi a adaptação para o cinema de “Nossa Vida Não Vale Um Chevrolet”, dirigida por Reinaldo Pinheiro, com o título “Minha Vida Não Cabe Num Opala”. Bem, o filme acaba de estrear no Festival de Berlim, e a trilha bacana reúne várias bandas curitibanas queridas por este jornalista, incluindo OAEOZ, que já teve single lançado por este site. A Dri Perin fez um texto para o Jornal do Estado (PR). Confere aqui.

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Comprei nesta manhã meus tickets para assistir a duas noites do T In The Park, na Escócia, nos dias 12 e 13 de julho. No line-up, R.E.M., Raconteurs, Primal Scream, Kaiser Chiefs e mais alguns outros. Agora estou na fissura de comprar os convites do Benicassim, na Espanha, que acontece exatamente na semana seguinte, e tem… My Bloody Valentine e Spiritualized… mas preciso organizar a agenda, planejar a viagem, consultar o saldo já em vermelho da conta bancária, e encontrar a melhor maneira de aproveitar um mês inteiro no Velho Mundo. Europa, lá vamos nós.

fevereiro 16, 2008   No Comments

Cinema: “Sangue Negro”

“Sangue Negro”, de Paul Thomas Anderson – Cotação 5/5

Quando você estiver preparando-se para adentrar a sala de cinema para assistir a “Sangue Negro”, quinto longa do cineasta Paul Thomas Anderson, faça uma limpeza em sua memória e esqueça todo e qualquer filme que você tenha visto nos últimos meses. Na verdade, o ideal é que você entre na sala encarando “Sangue Negro” como o primeiro filme de sua vida, e todos os demais a partir de então soaram menores, incompletos, mero entretenimento para os olhos enquanto seus dentes mastigam pipoca aguardando o final provável em que o mocinho se dá bem.

Peço esse exame de consciência, pois acredito que poucos dos leitores que visitam este espaço puderam assistir a filmes clássicos dentro de uma sala de cinema. Uma coisa é você ver “Laranja Mecânica” na sala de sua casa, e mesmo que você tenha um senhor home theater, nunca conseguirá chegar perto – um milésimo que seja – da experiência que foi, para o público, ter assistido ao filme em uma sala escura, na época de seu lançamento. Outros filmes clássicos concorrem a tal avaliação, mas quantos filmes definitivos tivemos nos últimos 20 anos?

Arrisco-me a citar um: “Magnólia”. Outro: “Sangue Negro”. Oito anos separam o primeiro do segundo, e o que aconteceu com o mundo neste tempo? Muita coisa, mas vou citar apenas três, as três relacionadas aos Estados Unidos da América: houve um violento atentado ás Torres Gêmeas, mais uma guerra manchando de sangue as páginas de História e uma reeleição forjada. Três fatos correlacionados que permitem imaginar que, mesmo sendo muito otimista, o mundo não melhorou absolutamente nada nestes oito anos. Pode-se até dizer o contrário.

“Magnólia” era uma obra que exaltava o perdão, mas o perdão só surgia na tela após o espectador estar fustigado até a alma pela culpa dos personagens que observava. Isso era oito anos atrás. Agora, não há perdão. Não há perdão em “Sangue Negro”. Nem uma chuva de sapos poderia salvar o personagem Daniel Plainview, porém, a grande “piada” proposta por Upton Sinclair – autor do livro “Oil” (que serve de base para o roteiro) – e comprada por Paul Thomas Anderson é: Daniel Plainview não precisa do perdão. A parcela católica do mundo afundada no exercício da culpa nunca irá conseguir entender isso, mas não tem jeito, nem todo mundo precisa do perdão divino.

Daniel Plainview (Daniel Day Lewis excepcional) é um mineirador em busca de fortuna e poder. A seqüência inicial de “Sangue Negro” – de fotografia belíssima e praticamente nenhum som fora o da introdução gótica e épica que abre o filme de forma acachapante – exibe um homem de personalidade forte, que não se deixa abater por ninguém e por nenhuma adversidade. Ela procura por pedras preciosas e elas saem de cena quando o petróleo começa a brotar do solo pátrio. Plainview passa a ser um explorador voraz e um negociante impiedoso que oferece seus serviços como se estivesse oferecendo ajuda e faz tudo o que precisa ser feito para ter aquilo que queria em suas mãos.

Melhor frisar a última frase do parágrafo anterior: Plainview faz tudo o que precisa ser feito para ter aquilo que quer em suas mãos. Tudo. “Sangue Negro” foge do padrão pré-fabricado dos roteiros hollywoodianos: não há grandes reviravoltas na história, mas sim um crescendo mortífero que joga o espectador nos braços de Daniel Plainview, e ele só o solta na arrepiante, grandiosa, épica e sensacional cena final, não a toa, a grande cena de todo o filme. Até lá você terá que suportar e entender (se for possível) o que move nosso homem: o prazer pela competição, o ódio contra tudo e todos (todos!) e o desejo de isolamento total e completo.

Não há charme, nem sedução. Não há paz, nem perdão. Haverá petróleo. Haverá sangue. Negro e vermelho. Haverá dinheiro. Daniel Plainview personifica o predador e com ele – parodiando outra obra de arte no cinema em 2007 – os fracos não têm vez. Como pode se esperar de uma pessoa tão destrutiva, o grande foco de destruição é ele mesmo, e o trecho final reitera essa premissa. Tanto que após todo o desenlace da trama, a sensação de vazio é algo tão forte que poderia engolir o mundo. Duas vezes. Sem charme, nem sedução. Não há nenhuma atração em “Sangue Negro” além do inevitável prazer cinematográfico, porém, a dualidade insiste em questionar: porque sofremos tanto? Provavelmente – uma resposta vazia, como o filme – sofremos para aprender, mas tudo isso é ralo demais, escapa pelos dedos com oxigênio, como sangue e petróleo.

É impossível imaginar um próximo passo para Paul Thomas Anderson. “Sangue Negro” é um cinema tão perfeito em seus detalhes que suscita a clássica pergunta: o que fazer após atingir a perfeição? Essa resposta fica em segundo plano no momento já que “There Will Be Blood” (titulo original do filme) chega aos cinemas brasileiros na próxima sexta-feira, e o agora é mais urgente que o futuro. Você tem alguns dias para limpar o cache de sua memória e dedicar-se completamente ao filme, à trilha estupenda do Radiohead Jonny Greenwood, à atuação espetacular de Daniel Day Lewis e ao ótimo Paul Dano (que interpreta um jovem pastor em uma nova Igreja). Sobretudo, você tem tempo para imaginar – antes de ver o filme – que “Sangue Negro” está em outro patamar de cinema, alguns degraus acima da média comum que preenche as salas de exibição: o das obras-primas. Isso talvez faça o filme descer mais fácil… mas não impede o gosto amargo nos lábios de nossa alma.

fevereiro 11, 2008   No Comments

Wado e o “Terceiro Mundo Festivo”

Meu primeiro contato com “Terceiro Mundo Festivo”, quarto álbum do cantor e compositor Wado, se deu no final de agosto de 2006. Ainda acompanhado pelo grupo Realismo Fantástico, Wado se apresentou ao vivo no Studio SP, em São Paulo, tocando algumas canções novas e, principalmente, entortando as velhas com alfinetas de eletrônica que marcavam seu retorno aos samplers e beats via mpc. Em um bate papo na época ele avisava: “‘Terceiro Mundo Festivo’ trata do uso da eletrônica pelo terceiro mundo, de como as adversidades formularam uns métodos e sonoridades específicas”.

Após um longo período de gestação, mudanças de capitais – Wado saiu de São Paulo, foi para o Rio, montou o Fino Coletivo com um galera estilosa, deixou o grupo após o lançamento do bom CD homônimo e voltou para Maceió, onde reside novamente – e experimentações sonoras, “Terceiro Mundo Festivo” finalmente chega em formato MP3 com download gratuito no site do artista. “O disco é independente e poderá ser downloadeado sem restrições. Fora isso prensei (uma tiragem) em SMD, mídia que tem o preço final pro consumidor a R$ 5?, contou em papo com Lucas Santtana, que lançou um álbum também livre para download.

O download livre é algo que Wado vem defendendo já faz um bom tempo. Seus três álbuns anteriores (”Manifesto da Arte Periférica”, “Cinema Auditivo” e “A Farsa do Samba Nublado”) já estão liberados faz mais de dois anos. “Terceiro Mundo Festivo” se junta à esta discografia particular acrescentando ainda mais flagrantes do modo totalmente peculiar do compositor enxergar a música composta longe demais das capitais, manifesto das periferias de um imenso Brasil sem nome, lenço e nem documento, mas que respira música que, antigamente, nascia de batidinhas em caixinhas de fósforo, e agora surge em estúdios caseiros, com microfones baratos e pouco conhecimento técnico, mas com muita urgência, energia e gana.

Para adentrar ao território deste “Terceiro Mundo Festivo” é preciso se desamarrar de expectativas. “A Farsa do Samba Nublado”, álbum anterior, arranhava a perfeição amparado em sambas tortos, violão encharcado de wah-wah e muita melancolia. Quase não há violões presentes em “Terceiro Mundo Festivo” (o instrumento está lá no fundo, distante, escondido na mixagem). A estética sonora que Wado começara a apresentar desde aquele no show no Studio SP, em agosto de 2006, e que foi se adaptando e fortalecendo durante um ano e meio, é centrada em uma nova formação de banda com baixo, bateria, programações e teclados, mais um cello aqui, uma flauta transversal ali, para dar um charme.

O disco abre com “Pendurado”, faixa que fala sobre liberdade, destino e morte: “Olha ali sou eu, pendurado no fio desencapado do poste de alta tensão”, canta Wado sobre uma base de bateria seca, vocalizações femininas (Cris Braun, Jan Aline e Mirian Abs) e clima ensolarado. A liberdade volta a ser citada no delicioso samba eletrônico “Fortalece Aí”, que se ampara em Martinho da Vila e Rui Monteiro enquanto o refrão pede de forma urgente: “Fortalece Aí, meu coração, daquela força, meu coração”. Um cello pontua o final da canção de forma comovente.

Duas canções já vinham se destacando nas apresentações ao vivo de Wado de dois anos pra cá: a pornográfica “Teta” e a politizada “Reforma Agrária do Ar”. A primeira – do irresistível refrão: “Está guardado pra você amor… aceite, aceite / Está guardado pra você amor… o leite” – permanece sinuosa e dançante, com um q de funk carioca. Já “Reforma Agrária do Ar”, que versa sobre a concessão das rádios públicas, abre com uma voz atolada em efeitos, recupera o vocoder, tem clima de reggaeton no refrão empolgante e crava: “Grita pra acontecer, urge de urgência, assim irá prevalecer a reforma agrária do ar / É contra o artista mudo / é contra o ouvinte surdo / é contra o latifúndio das ondas do rádio”.

O samba torto – com inflexões afoxé e reggaeton – ainda inspira o romantismo de “Leva” (diz o refrão: “Eu canto e peço a todo santo: me leva onde você espera”), da ótima “Recado” (que abre provocando: “Ela adora me fazer chorar / Que palavras eu devo usar? / Uma que encaixe em seu quadril”) e a empolgante “Faz Me Rir”, uma das canções do álbum que mais remetem a coisas que Wado já fez anteriormente (e que soa como um híbrido da urgência de “Manifesto da Arte Periférica” com pitadas da melancolia de “A Farsa do Samba Nublado”).

Duas canções saltam aos ouvidos e batem forte no lado esquerdo do peito. “Melhor” traz um violoncelo jogando confetes sobre um mantra eletrônico de baixo, bateria e teclado. Na letra, o personagem tenta formar um novo eu que agrade ao seu par. “Eu quis mudar pra você ver / Que nem sempre é tão difícil a gente perceber / Se estou melhor, quem vai saber? / Se o que eu fiz foi para agradar você”. O refrão é algo que gruda na primeira audição e vai te acompanhar por dias a fio: “Olha meu novo sapato / Estou de fato tentando me adequar / ao seu cabelo, ao seu modelo”. Uma pérola pop.

Já “Fita Bruta” é uma daquelas canções que já nascem clássicas. Versa sobre os mecanismos da indústria (como se fosse uma “Cadê Teu Suin?”, do Los Hermanos, vista por outro ângulo) e aprofunda a crítica – de forma genérica – ao próprio autor, que se censura na hora da criação. Não à toa, usa palavrões e explicita formas de sedução necessárias para se sobreviver no showbusiness: “Ficamos na fita bruta que algum filho da puta decupou / Não entramos na comédia e é preciso fazer média com o maldito diretor / (…) Não entramos na novela, nem precisa acender vela que o roteiro já fechou / Me disseram que é uma bosta, mas que todo mundo gosta do mocinho sofredor / E esta é a maior censura, essa que não tem cura, que nasce dentro do autor”.

Quem vem acompanhando a carreira deste catarinense (de nascimento, alagoano de coração) não irá ficar surpreso com a qualidade de “Terceiro Mundo Festivo”. O disco soa como uma continuação de “Manifesto da Arte Periférica” – sem negar olhares para “Cinema Auditivo” e “A Farsa do Samba Nublado”, este último, principalmente, nas letras – e abre muitas possibilidades para a música brasileira, desde sua sonoridade bem resolvida (o disco foi todo gravado em Maceió) até sua forma de distribuição gratuita. Neste momento de transição pelo qual a indústria da música está passando, Wado resume de forma perfeita a situação: “Perdemos os talheres e voltamos a comer com as mãos. Temos de nos educar, pois assim fica feio. Acho que todo trabalho deve ser remunerado, e acredito que aos poucos isso vai se restabelecer” (aspas do papo do compositor com Lucas Santtana).

“Terceiro Mundo Festivo” – assim como os três álbuns anteriores do compositor – está liberado para download no endereço oficial de Wado e surge com o primeiro grande lançamento da música nacional em 2008. A Internet apagou as fronteiras existentes em mapas entre as grandes capitais mundiais, está derrubando a toda poderosa indústria da música (a tendência é que mais e mais discos cheguem ao público sem passar por grandes conglomerados de entretenimento) e, apesar dos poucos recursos, as novas tecnologias estão permitindo o lançamento de álbuns de qualidade fora dos grandes centros. Periferia, você sabe, é periferia em qualquer lugar. “Terceiro Mundo Festivo” respira o sol de Maceió, namora os blocos africanos de Salvador, seduz São Paulo e Rio de Janeiro e faz festa no coração de todas as capitanias hereditárias para além (e avante) do meridiano de Tordesilhas. É um disco de inspiração terceiro-mundista e vocação cosmopolita, como são os de M.I.A., Timbaland, De Leve, Ali e Vieux Farka Toure, entre muitos outros. A inteligência a favor da arte derrubando fronteiras. Desde já, um dos grandes discos nacionais de 2008.

fevereiro 11, 2008   No Comments

Cinema: Juno

“Juno”, de Jason Reitman – cotação 3,8/5

Juno MacGuff tem 16 anos. Não se engane pelo nome: Juno é uma menina (na mitologia romana, Juno era a mulher de Zeus). Uma menina estranha para os padrões “normais” (reforçando: entre aspas) da sociedade: ela gosta de Stooges, Patti Smith e Mott The Hoople (artistas que surgiram em média 16 anos antes dela ter nascido) enquanto as paradas de sucesso apontam Britney Spears, Spice Girls e Garth Brooks; já teve uma banda com alguns amigos da escola; usa camisetas largadas enquanto sua melhor amiga brinca de cheerleader; e está grávida.

Ok, gravidez adolescente não é algo tão estranho assim; se fosse, a discussão em torno do aborto não seria tão grande quanto é. Discussões a parte, a gravidez adolescente já rendeu comédias fofas como “Mais ou Menos Grávida”, em que a ruivinha Molly Ringwald engravida do namorado e a visita da cegonha bagunça os planos do jovem casal, mas tudo acaba bem. O tema também rende filmes densos e pesados como o recente “4 Meses, 3 Semanas, 2 dias”, em que a opção pelo aborto e todo desenrolar da história ficará marcado eternamente na memória de uma adolescente grávida e de sua melhor amiga.

Porém, embora suscitem verossimilhança, tanto a ruivinha que fica grávida, casa com o namorado, sofre, mas se dá bem (com o filho e o marido) no final quanto a romena que faz o traumático aborto auxiliada pela amiga parecem menores diante do tratamento ao tema realizado por “Juno”. Os méritos são vários. O roteiro da ex-strip-teaser Brooke Busey (que assina como Diablo Cody) é esperto o bastante para não cair em clichês; a direção correta de Jason Reitman (que parece ter gosto por temas tabus; Reitman estreou com o genial “Obrigado por Fumar”) desenha personagens comuns vivendo situações comuns, e isso aproxima a trama do espectador; a trilha assinada Kimya Dawson (Moldy Peaches) dá aquele sotaque indie adolescente ao filme; e, por fim, Ellen Page encanta e conquista com sua atuação consagradora.

O roteiro foge do óbvio partindo de uma nova premissa: Juno sabe que não tem estrutura nenhuma para criar um filho, porém não tem nenhuma coragem de encarar um aborto (a cena no hospital, em que a atendente a oferece camisinhas com gosto de amora, é impagável). A saída: encontrar um casal que tope adotar o bebê. Com essa idéia em mente, Junto e sua melhor amiga saem à procura do casal perfeito. A direção de Reitman insere cores à trama (perceba a profusão de cores no cartaz; o filme é exatamente assim). Em sua busca pelas situações comuns, Jason Reitman quase não erra em “Juno”. Uma cena capital mostra bem isso: na hora que Juno vai contar ao pai sobre a gravidez, a forma com que ele e a madrasta reagem é totalmente provável. Lembre-se: ele deu o nome de Juno á filha. O diálogo depois que a filha deixa a sala é impagável.

– Você achava que era isso? – pergunta o pai para a madrasta;
– Eu achei que ela estivesse viciada em drogas… – diz a madrasta.

A trilha de Kimya Dawson (de enorme sucesso nos EUA) une Cat Power, Belle and Sebastian e Moldy Peaches com Velvet Underground, Buddy Holly e Sonic Youth (representado por “Superstar”, versão para o original dos Carpenters). O filme respira música, e há até um certo excesso de canções na trama, embora um dos grandes momentos da história resida em uma tirada sensacional – raivosa e certeira – de Juno com relação ao Sonic Youth. Por fim, a estrela Ellen Page. Ela tem apenas 20 anos, atua desde os 10, e conseguiu com Juno criar um personagem tão cativante que é quase impossível não se apaixonar por ele. Ellen Page brilha e faz todos os demais atores circularem ao seu redor. Mais: é extremamente convincente nas cenas em que carrega uma barriga falsa de oito meses (note em seu caminhar), o que torna realmente merecida sua indicação ao Oscar.

Roteiro esperto, direção correta, trilha sonora certeira e uma atriz encantadora: com esses quatro ingredientes, “Juno” vem arrebatando corações, vendendo centenas de milhares de CDs e conquistando nas bilheterias mais de 15 vezes aquilo que custou (US$ 7,5 milhões de custo, US$ 113 milhões nas bilheterias até a semana passada), e por mais que a histeria, as cifras milionárias e suas quatro indicações ao Oscar possam transformar a película em um hype nos cinemas abarrotados de bobagens sem conteúdo, Juno (precocemente madura e exageradamente espirituosa – tal qual os personagens da série Dawsons Creek, lembra?) é a personagem carismática do grande filme indie da temporada: fofo, estranho e charmoso. Quer saber: Juno está certa. Sonic Youth é barulho. Mesmo.

fevereiro 10, 2008   No Comments

Fernanda Takai ao vivo em São Paulo

Estou sentado na primeira fila do charmoso teatro do Sesc Pinheiros. Ao meu lado, uma senhora que aparenta ter mais de 60 anos. Já passou da metade do show, e ela não abriu a boca para cantar nenhuma das canções, muitas delas hits do cancioneiro nacional. Ao final de “Insensatez”, porém, ela se vira para mim e lança a pergunta: “Todas essas músicas estão no CD?”. Respondo que sim, explicando que apenas as versões em inglês não entraram. “São muito boas”, diz ela encerrando o papo e voltando-se para o palco.

No palco, Fernanda Takai, a vocalista do Pato Fu (que fez questão de frisar que a banda é sua prioridade, é onde ela quer estar), apresenta as canções de seu excelente primeiro disco solo, “Onde Brilhem Os Olhos Seus”, que reúne um repertório de canções interpretadas por Nara Leão. É a noite de estréia, e Fernanda está radiante e falante, saltitando entre o nervosismo do debute de uma turnê e a felicidade da recepção do público, que esgotou os ingressos para as duas apresentações. “A gente nunca sabe como será a noite de estréia, mas eu fiquei muito feliz quando soube que os ingressos estavam sendo bem vendidos… e bem esgotados”, comentou em certo momento.

A banda que a acompanha traz os Pato Fus Lulu Camargo (teclados) e John Ulhoa (”violão, guitarra, marido, bom pai”), mais Thiago Braga (baixista do LAB) e Mariá Portugal (bateria e zabumba, integrante das bandas Trash Pour 4 e Dona Zica). Mariá, por sinal, é um dos grandes destaques da formação. Baterista de “mão pesada”, a garota ataca seu kit mostrando versatilidade, indo dos extremos da delicadeza até as marcações mais pesadas (e são essas últimas que dão o tom de grande parte da apresentação).

O repertório apresenta as treze canções do álbum, mais algumas surpresas, “já que o disco é curtinho, tem pouco mais de 30 minutos”, explica a cantora. A produção é magnífica. A iluminação é extremamente delicada e as luzes flutuam dando charme ao espetáculo. Projeções estampam fotos de Fernanda na decoração do fundo de palco. E se levarmos em conta que o projeto tomou fôlego após Fernanda interpretar Nara em um desfile da grife de Ronaldo Fraga no SPFW, natural que ela esteja deslumbrante na noite de estréia (de preto, vestido, meias e sapatilhas).

Todo esse cuidado com a produção aconchega o repertório, que funciona a perfeição no palco. O show começa com de “Ta-Hi”, samba de Joubert de Carvalho (1930) gravado primeiramente por Carmen Miranda. Seguem-se “Luz Negra”, “Lindonéia” e “Diz Que Fui Por Aí” (uma das melhores do álbum e do show). A primeira canção “extra” foi “There Must Be an Angel (Playing with My Heart)”, do Eurythmics, totalmente no clima da noite. Após “Estrada do Sol”, Fernanda arremata: “Como apresentamos uma música do Tom Jobim com a Dolores Duran, agora a gente vai tocar uma música do Duran Duran”. Segue-se “Ordinary World” em versão fofa, fofa.

No show, Fernanda Takai amplia os acertos do álbum. O repertório junta muitas canções quase que de “domínio público”, cujas versões mais famosas já fizeram casa no imaginário popular. Porém, os ótimos arranjos de John e Lulu, somados a interpretação delicada e particular de Fernanda (e, no show, acrescidos da pontuação marcante da bateria de Mariá e do baixo estiloso de Thiago) conseguem transcender o passado, que ao invés de se transformar em obstáculo, acaba por servir como trampolim para o presente, explorando a musicalidade do quinteto.

“Com Açúcar, Com Afeto”, “Trevo de Quatro Folhas”, “Seja o Meu Céu” e “Odeon” rendem belos momentos na noite, que ainda traz versões para “Ben”, de Michael Jackson, “Esconda o Pranto Num Sorriso”, de Evaldo Braga, “O Divã”, de Roberto Carlos (excelente) e a contagiante “A Dança do Carimbó”, de Eliana Pittman. Ao final desta última, empolgada, a senhora que assiste ao show ao meu lado intima: “Ninguém levanta? Levanta e aplaude!”. Seguem-se mais de dois minutos de aplausos incessantes com todos de pé no teatro do Sesc Pinheiros coroando a estréia. Com grande parte do público dançando na frente do palco, “Kobune”, versão em japonês estilo Pizzicato Five de “O Barquinho”, fecha a noite em clima descontraído, e deixa a certeza que Fernanda Takai tem uma bela carreira solo pela frente.

fevereiro 9, 2008   No Comments

Ficamos na fita bruta…

“Terceiro Mundo Festivo”, quarto álbum de Wado, já pode ser baixado gratuitamente no endereço oficial do músico. Eu tenho muito o que falar sobre esse disco, mas enquanto eu tento me desamarrar das loucuras do dia-a-dia e ficar livre para escrever, que tal você ir lá e pegar “Terceiro Mundo Festivo”, que necessitou de uma audição e meia para tornar-se querido por aqui. Faixas como “Melhor”, “Fortalece Aí”, “Reforma Agrária do Ar” e a sensacional “Fita Bruta” estão no repeat aqui.

http://wado.com.br/

fevereiro 7, 2008   No Comments

Você descobre que está…

trabalhando demais quando, depois de cinco dias intensos de cobertura de carnaval, acorda às 10h30 da quarta-feira de cinzas em meio a um “grande pesadelo”:

Estou na redação, aquela correria, quando alguém chega:

– Pessoa 1: Marcelo, Marcelo, o MSN vendeu todas as suas ações para um conglomerado asiático que está tirando do ar todo o seu conteúdo…

– Pessoa 2: Não consigo entrar no MSN, não consigo entrar no MSN…

No meu computador, tento acessar o MSN em vão. Vou para a página deles, e sou encaminhado para outra, cuja paisagem remete ao Himalaia. É algo assustador (no sonho; terrivelmente engraçado agora), pois cada clique que dou, a página do MSN começa a carregar e, em seguida, aparece a paisagem do Himalia com palavras e frases em uma língua que não consigo entender.

A redação está uma balburdia, penso no iCQ como alternativa (ao mesmo tempo me pergunto: o ICQ ainda existe?) e no meio da piração lembro que o MSN também detém o Hotmail, e a essa altura todos os meus e-mails foram para o espaço sideral virtual. Começo a teclar calmamente o endereço quando… o telefone toca e eu acordo.

Acho que preciso de uma folga.

fevereiro 6, 2008   No Comments

Chazinhos não acalmam

“Igual”, os Gianoukas Papoulas

Música: Miranda/Rocha

Os erros não ensinam
Vitórias não empolgam
Pancadas não consertam
Afagos não consolam

Eu sei eu já tentei
e continuo igual
O mesmo coração
A mesma digital

As drogas não ajudam
Venenos não dissolvem
Chazinhos não acalmam
Remédios não resolvem

Eu sei eu já tentei
e nada em mim mudou
A mesma timidez
gritando quem eu sou

Os livros não explicam
Exemplos não envolvem
Conselhos não adiantam
Palavras não comovem

Eu sei eu já tentei
e agora tanto faz
Quando eu envelhecer eu vou ser uma criança
que já viveu demais

fevereiro 3, 2008   No Comments

Cenas da vida em São Paulo, Parte 6

O ônibus desce vagamente a Rua Augusta em direção aos Jardins. O tempo é mezzo frio e aquela famosa garoa paulistana marca presença. O trânsito não chega a ser caótico, mas é lento. O céu cinza lembra dias tristes.

O rapaz está indo ao cinema assistir a repescagem dos filmes da Mostra Internacional de São Paulo, finda um dia antes com a primeira exibição oficial de “Onde os Fracos Não Tem Vez”, dos Irmãos Coen, na América do Sul.

Pela janela do ônibus, o rapaz observa a movimentação de pessoas na Augusta. O ônibus atravessa a Paulista, passa pelo Conjunto Nacional e pára no sinal da Alameda Santos. Garoa e o transito é lento.

O veículo, lotado, atravessa vagarosamente a Alameda Santos e desce a Augusta devagar quase parando. O rapaz olha para fora e percebe um homem descendo a calçada. O homem pára em frente ao Habibs, em frente a três pessoas recostadas em uma pilastra. Ele faz um gesto característico de quem está pedindo cigarros para a mulher da ponta. Ela meneia a cabeça negativamente.

O ônibus desce vagamente, o que permite ao rapaz acompanhar a cena com calma. O homem insiste no pedido de cigarro, e um amigo ao lado da mulher à salva cedendo um bastonete nicotinoso ao pedinte. Ele pega, leva aos lábios, e faz outro gesto, pedindo fogo. O amigo da mulher acende, o pedinte agradece e deixa os três em paz.

Com o cigarro nos lábios, o pedinte desce a Augusta dando uma tragada tão forte que parece preencher todos os espaços de seu pulmão com nicotina. A calçada está movimentada. Aproximadamente dez passos após pedir o cigarro, o pedinte cruza um senhora vindo na direção contrária e… lhe desfere uma forte cotovelada. Sem mais nem menos.

A senhora cambaleia, mas não cai. Ela aparenta ter mais de 50 anos, enquanto o pedinte deve ter uns 30. Dentro do ônibus, o sangue do rapaz ferve. O ônibus acelera e pára no ponto. O rapaz desce do ônibus procurando o pedinte. Enxerga apenas a senhora, já recomposta, que parece tentar entender o que aconteceu, auxiliada por duas pessoas que também viram a cena.

O rapaz sobe a rua em sua direção, atônito. Antes, porém, cruza o pedinte, que está sendo devidamente “acariciado” por dois policiais. Eles o levam para uma entrada de caixa eletrônico, e a última imagem que o rapaz vê é o cigarro voando amassado e beijando a calçada da Rua Augusta. Ele dá meia-volta e não consegue parar de pensar no quanto “Onde os Fracos Não Tem Vez” é real.

fevereiro 1, 2008   No Comments