Grito Rock 2008 amplia território
Enquanto Ivete Sangalo, Ana Carolina, Kid Abelha e Jota Quest lideram as paradas de sucesso em todo o país, uma geração de novos artistas batalha fora da grande mídia apostando em trabalhos autorais. A grande diferença de outros tempos é que, agora, não há uma região especifica fomentando esse cenário, mas sim todo o Brasil, do Acre até Porto Alegre, passando por Goiânia, Cuiabá, Porto Velho e dezenas de outras cidades que, juntas, vão integrar o segundo Grito Rock Nacional. Ou melhor: o primeiro Grito Rock América do Sul, já que Argentina, Uruguai e Bolívia integram a versão 2008 do projeto.
Exatamente no meio de carnaval, um exército de bandas estará empunhando instrumentos em 44 cidades brasileiras e três estrangeiras (Montevidéu, Buenos Aires e Santa Cruz de La Sierra) exibindo uma organização que impressiona e, sobretudo, abre novas possibilidades para a música brasileira. Foi se o tempo em que as bandas surgiam imaginando vender milhões de discos, sonhavam em aparecer no Faustão e pensavam em tocar nas rádios AM e FM. O cenário mudou radicalmente, e as perspectivas precisaram ser revistas.
“Esse mercado médio já esqueceu do Faustão faz tempo”, diz Pablo Capilé, responsável pela área de planejamento do Espaço Cubo, produtora que organiza o Festival Calango, em Cuiabá, e que apostou na articulação nacional dos festivais independentes. “Esse novo modelo de negócio na música está formando os circuitos médios, que dão autonomia para as bandas e a possibilidade de investir em um novo modelo de carreira”, explica em conversa por MSN. Para Capilé, um novo cenário está se formando fortalecido por festivais, associações, casas de shows e, claro, boas bandas.
De certa forma, essa visão é avalizada pela votação de Melhores do Ano do site independente Scream and Yell, que reuniu 91 pessoas que lidam com cultura (prioritariamente música) no país e apontou nomes como Vanguart (Cuiabá), Terminal Guadalupe (Curitiba), Hurtmold (São Paulo), Violins (Goiânia) e Superguidis (Porto Alegre) entre os nomes de maior destaque em 2007. O fato – interessante – é que nenhum destes cinco nomes frequenta o Top 100 das paradas de sucesso que abre esse texto.
Isso poderia ser um problema alguns anos atrás, quando o cenário independente não se sustentava, quando as bandas não conseguiam espaço para tocar, quando alguns festivais lutavam bravamente (e isoladamente) em lugares longínquos como Goiânia e Recife. Agora a história é outra e o Grito Rock 2008 tem um papel fundamental nessa movimentação. No meio do carnaval, 44 cidades brasileiras vão abrigar festivais independentes de música. A lista completa pode ser conferida no site oficial do evento. Abaixo, Pablo Capilé conta mais novidades sobre o projeto, fala da movimentação no circuito independente e afirma: “A tendência é que tudo isso cresça cada vez mais”.
Grito Rock 2008. Esse já é o segundo ou o terceiro? Ou perdi os outros?
Na verdade este é o sexto em Cuiabá, e o segundo realizado em parceria com o Circuito Fora do Eixo, cuja ação inclui dezenas de cidades.
Como se deu esse contato e formou-se essa rede que engloba praticamente o país inteiro?
Na verdade, começamos o Grito aqui em Cuiabá em 2003, e nos anos seguintes demos continuidade a ação sempre a ampliando. Em 2003 foi um dia somente; 2004 dois dias; 2005 três dias; 2006 quatro dias, e 2007 e 2008 cinco dias. Em 2005 começou a surgir uma movimentação bem bacana na cena independente nacional, pautada principalmente no associativismo, e como conseqüência disso nasceram o Circuito Fora do Eixo e a Abrafin, Associação Brasileira dos Festivais Independentes. O Circuito Fora do Eixo consistia em integrar cidades distantes do eixo tradicional de produção fonográfica, potencializando assim a circulação de bandas e produtores, a distribuição de produtos e a produção de conteúdo. Com isso, em 2006 fizemos a primeira reunião do Circuito Fora do Eixo, justamente no Grito Rock Cuiabá, e nesta reunião foi elaborado o planejamento estratégico do circuito e definidas as primeiras ações. Para começar trabalhamos para que as bandas e os produtores circulassem mais, fazendo com que bandas do Acre tocassem em outros estados, bandas cuiabanas, rondonienses, belenenses, goianas, uberlandenses e etc… E durante o ano fizemos várias delas circularem, dai surgem bandas como o Vanguart, o Los Porongas, o Madame Saatan, o Macaco Bong, o Porcas Borboletas, bandas que começaram a despontar após o surgimento do Circuito e da premissa de circulação.
E isso resultou em um Grito Rock nacional no ano passado. Quais foram os números de 2007 e como está indo a coisa toda pra esse ano?
A união de tudo isso resultou no Grito do ano passado, onde 20 cidades que já participavam do circuito organizaram em conjunto o Grito Rock Brasil 2007. Em 2007, 20 cidades realizaram a ação, 300 bandas se apresentaram, 150 mil panfletos foram distribuídos, 20 equipes de sonorização contratadas, 500 seguranças, 130 vídeos produzidos, turnês realizadas, e mais de 50 mil pessoas acompanharam o evento. Além disso, o evento gerou quase R$ 2 milhões de mídia espontânea, já que além das mídias independentes, as mídias tradicionais também publicaram bastante, revistas de grande circulação. Todas as cidades conseguiram grandes matérias em jornais locais. Tudo isso chancelou o evento a tal ponto que conseguimos dobrar o numero de cidades para 2008, e incluir também outros países da América do Sul.
Quantas cidades já confirmaram para este ano?
47. 44 brasileiras e 3 gringas, sendo que no sul, norte, sudeste e centro oeste todos os estados estarão participando. No nordeste saímos de um estado em 2007 para 4 em 2008. O nordeste, devido a distância, está sendo o mais difícil de se consolidar a integração.
Três gringas? Estamos ultrapassando fronteiras?
Sim, estamos. Grito Rock Montevidéu, Grito Rock Buenos Aires e Grito Rock Santa Cruz de la Sierra. Seguindo também uma das premissas do Circuito e da Abrafin de articulação com os paises sul-americanos.
O legal é que isso abre portas para as bandas brasileiras nestes países…
Sem dúvida, e duas delas estarão se apresentando, Autoramas em Montevidéu e Macaco Bong em Buenos Aires.
Como alguém faz para colocar a sua cidade no Grito Rock? Quais os passos?
O Grito Rock funciona como um software livre: temos um código fonte em Cuiabá e esse código é readaptado por outras cidades conforme as realidades locais. O primeiro passo é a participação no Circuito Fora do Eixo, e depois disso cada cidade apresenta uma proposta de organização do evento que passa pelo conselho gestor do circuito e em dois dias a resposta é dada.
De um cara que tem experiência no negócio, como é montar um festival?
Festivais são o topo da cadeia produtiva das cenas locais, então precisamos nos ater sempre a diversos fatores, a começar por um bom planejamento, baseado em uma planilha de custos muito bem amarrada e interligada ao conceito do evento, sem falar na inter-relação com a iniciativa privada e com o poder publico, sempre na busca de alcançar a excelência de produção. Além das questões estruturais é sempre muito prazeroso trabalhar e montar a grade de programações e acompanhar a interface com o publico, que é a grande força motriz dessa história toda. E hoje, com a Abrafin, os festivais ganham ainda mais força, ampliando seu leque de atuação, e se estabelecendo definitivamente como a nova cara da música brasileira.
Como você analisa essa movimentação toda no cenário independente?
Estamos vivendo um momento muitíssimo promissor no cenário independente nacional, com festivais se consolidando, casas de shows surgindo, mídias independentes cada vez mais acessadas, bandas rodando o país e consolidando uma carreira, lançando CDs, recebendo cachês honestos, etc… Visualizando assim a efetivação de um mercado médio, onde o sucesso é pagar as contas e o artista é igual pedreiro, auto-produtor, gerente da sua carreira. A iniciativa privada tem investido cada vez mais, o poder público idem, e os produtores tem trocado tecnologia e se qualificado cada vez mais nesse mercado.
O fortalecimento dessa cena (e o Grito Rock é vital nisso) abre novas possibilidades para a música independente nacional. Olhamos a parada de sucessos e não vemos nada interessante. Você não acha que está na hora de esquecermos a ilusão das grandes gravadoras, de aparecer no Domingão no Faustão, de vender milhões de discos, e nos voltarmos para a nossa realidade, trabalharmos na construção de um circuito?
Cara, mas esse é o x da questão. Esse mercado médio já esqueceu do Faustão faz tempo. Ninguém mais tem como meta vender esses milhões e estourar nas paradas de sucesso das rádios jabás. Esse é o grande diferencial. Esse novo modelo de negócio na música está formando os circuitos médios, que dão autonomia para as bandas e a possibilidade de investir em um novo modelo de carreira. Lançando CDs todos os anos, tocando em festivais, e depois voltando para tocar nas casas de shows e em eventos menores. Tocando em web-radios, se divulgando nas mídias independentes. Tudo isso já é um mercado em franca ascensão e não dá mais pra não ser notado. Alguns festivais já tem orçamentos de mais de um milhão de reais. Só na Abrafin somos 30 festivais que fazem girar alguns milhões de reais por ano, sem falar nos outros elos desse mercado. Esta sendo lançada agora também uma associação brasileira de casas de shows, que já conta inicialmente com 10 casas, e que pretende incluir mais uma dezena de casas ate o fim do ano.
Muito boa essa notícia das casas de shows!
Temos também uma série de sites e blogs muito acessados, o Scream & Yell é um bom exemplo, o Senhor F, o Futuro da Música, e mais um montão que acessamos diariamente e que tem formado opinião de produtores, bandas e também do público. Além disso temos uma série de bandas despontando: Vanguart, Macaco Bong, Los Porongas, Superguidis, Trilobit, Madame Saatan, Porcas Borboletas, entre outras. Elas surgem dessa nova lógica e ocupam cada vez mais espaços no cenário. Não está vendendo milhões porque a lógica da grande indústria já esta falida, e os caras estão perdidinhos, sem saber como reverter esse quadro. Então veja bem: Associação brasileira de festivais, associação brasileira de casas de shows, mídias independentes, selos independentes, isso tudo vai formando a coluna dorsal desse circuito, e isso é um fato.
Exatamente!
Não tem ninguém aqui com discurso pseudo-socialista nem nada. Estamos apenas trabalhando por um mercado que é mais compatível com a nova realidade da música no país, e que se baseie em suportes construídos localmente, que quando integrados nacionalmente se transformam em uma cadeia produtiva muito promissora. Que se baseia na economia solidária, nas trocas solidárias, na democratização do acesso, na relação com o poder público e com a iniciativa privada, com a desmistificação do mito do artista em prol da autogestão de uma carreira, algo que já acontece em outros países e que cada vez mais toma forma no Brasil. Há algum tempo atrás a cena de Cuiabá não existia no mapa. Hoje tem produzido algumas das boas idéias e de boas bandas do país, o Acre a mesma coisa, Belém a mesma coisa, Goiânia nem se fala, Londrina, Uberlândia, estados do nordeste, e tudo isso proporcionado pelo estimulo que a organização de um mercado médio traz para todos os envolvidos. Para você ter uma idéia, todas as capitais do país hoje em dia possuem coletivos altamente produtivos que organizam dezenas de eventos anuais além dos grandes festivais, e que também tem seus selos, suas casas de shows, seus blogs e sites, se relacionam com o poder público, organizam turnês e etc…
Então é possível vislumbrar que uma banda consiga sobreviver de música sem estar na grande mídia. Caminhamos pra isso, não?
Sem sombra de dúvida: é possível. Algumas já conseguem sobreviver nessa lógica, e o Autoramas é um belo exemplo, o Vanguart outro, o Los Porongas outro. Já tem uma galera sobrevivendo única e exclusivamente da música, e a tendência é que isso cresça cada vez mais. Das centenas de bandas que estão no circuito poucas já sobrevivem só da música, mas isso é normal, o crescimento tem sido gradativo. E esse número vai aumentar cada vez mais. Tomemos os festivais como exemplo: alguns deles já são organizados faz mais de 10 anos, e com a criação da Abrafin, todos tem conseguido parcerias que auxiliam na estruturação destes eventos, tem cervejarias bancando todo o calendário, e a Petrobras acaba de lançar um edital para apoio aos festivais. Isso faz com que novos festivais comecem a surgir também estimulados pelo case de sucesso dos anteriores. E com as bandas não está sendo diferente. Muitas delas tem se dedicado cada vez mais a carreira e isso é o passo fundamental para sobreviver da música, entender a nova realidade e saber investir estrategicamente em todos os elos da cadeia produtiva. A mesma coisa com as casas de shows, o sucesso de uma estimula o surgimento de outra e só esse ano várias cidades já estão planejando o lançamento de suas casas. A tendência é que tudo isso cresça cada vez mais.
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