Jonas Sá e a nova música pop brasileira
Arnaldo Antunes e Jorge Mautner escreveram textos elogiosos a seu respeito. Toda a jovem galera que anda batalhando para transformar a nova MPB em algo maior está envolvida neste projeto, gente da Orquestra Imperial (inclua-se os ex-Los Hermanos Rodrigo Amarante e Bubu), do trio +2 (Domenico e Moreno), do novíssimo e já badalado DoAmor (formado por dois terços da banda que acompanhou Caetano Veloso no elogiado “Cê”), e nomes respeitados como Lucas Santtana, Rubinho Jacobina e Thalma de Freitas. Como diria um amigo, Jonas Sá não é bolinho não.
“Anormal”, seu álbum de estréia, chega cercado de expectativas, seja pela longa lista de amigos que participa do álbum, pelos elogios de famosos ou por estar sendo bancado por um novo projeto de uma gravadora com portas abertas na TV Globo. Tudo isso poderia não servir para nada se Jonas Sá não tivesse jeito pra coisa toda, mas “Anormal”, um álbum feito ao longo de seis anos, necessita apenas de uma audição para exibir seu frescor pop que pode contaminar milhares de pessoas ao redor desse imenso Brasil.
No entanto, vários parênteses precisam ser abertos para explicar algumas coisas que ficaram semi-explicitas nos dois parágrafos anteriores, e que podem levar a conclusões apressadas e confusas. O primeiro ponto é que esta nova MPB chega cheia de novas idéias que ousam ultrapassar fronteiras. Desta forma, “Anormal” é tão Jorge Ben quanto é Beck; é tão Cassiano quanto Talking Heads; é tão Lulu Santos quanto Of Montreal. É Brasil, mas é internacional. E ao juntar MPB com rock e outros suingues e barulhos, “Anormal” soa pop da melhor qualidade, um disco para agradar ao Zé da esquina e ao DJ antenado da balada mais bacana.
O apuro técnico da produção e da mixagem impressionam. Todos os sons do disco transbordam pelas caixas de som com uma clareza raramente vista do lado debaixo do Equador, o que torna imprescindível sua audição via fones de ouvido. Teclados, metais, cordas, vozes, bateria, percussões, baixo, guitarras, muitas guitarras (acústica, slide, noise, aquática, fuzz, pica pau, etc…), banjo, barulhinhos: todos os sons – embaralhados de forma coesa nos bons arranjos – são jogados no colo do ouvinte, para seu deleite. Em poucos discos no Brasil o som soa tão cristalino – e tão bem gravado/mixado – quanto em “Anormal”.
A faixa título, que abre o CD, é um bom exemplo. A linha de baixo disputa a atenção do ouvinte com a voz. O violão preenche o ambiente enquanto mais de seis guitarras diferentes pontuam o arranjo durante os três minutos e meio da canção. Isso sem falar no banjo, na viola, nos violinos, nos violoncellos, nos teclados Rhodes e no moog. Essa proliferação de instrumentos e sons pode parecer grandiloqüente, mas, acredite, resulta numa mistura perfeita que gruda na cabeça, impressiona e serve como excelente entrada para o mundo de Jonas Sá. Ele canta: “Todo mundo pensa que ele é anormal / Com as suas plumas e seu chapéu fenomenal”. Para o final da canção, uma tempestade de barulho que pode derrubar paredes.
Há em Jonas Sá uma paixão pela esquisitice. Apesar de soar pop, suas canções não trazem versos fáceis como, por exemplo, os de Lulu Santos. A parte final de “Tenha Um Bom Dia” é puro chiclete, mas antes Jonas dispara: “Vá viver sua vida, vá à merda”. A próxima, “Sayonara” é sensacional, muito por mérito do diálogo perfeito das guitarras com o baixo e de seu refrão totalmente excêntrico: “Então… você não vai tentar fazer essa ginástica diária de loucura, não”. A baladinha com sotaque soul “Real Love, Real Player”, apesar do título em inglês, é toda cantada em português. Mas duas canções do álbum são apresentadas na língua de Stevie Wonder: “Looking For Joy” (com a voz à frente e batidinha de samba) e “Behind My Mind”. A estranheza de “Melhor Assim” é uma vozinha distorcida ali pelo meio. “Vs (Versus)” ultrapassa os cinco minutos. “Comunicação” lembra Blur. “Mega” e “Entre Nós 2? tem trechos que navegam nas águas de Tim Maia. E todas elas poderiam tocar na novela das oito, no Domingão do Faustão e serem sucessos em rádio.
É aqui que entra o Som Livre Apresenta, projeto criado pelo atual presidente da Som Livre, Leo Ganem, que pretende apostar em artistas novos com trabalhos autorais, aproximando-os da caixinha que diverte enquanto emburrece. A notícia é boa. Como o mercado nacional está completamente falido, como as paradas de sucesso não abrem espaço para o novo e o diferente, como as rádios estão viciadas em uma programação repetitiva e desinspiradora/desesperadora (se você ligar o rádio agora irá ouvir em alguma estação “Sweet Child O´Mine”), um espaço como o Som Livre Apresenta é bem-vindo e pode significar uma guinada na história da música popular brasileira.
Porém, você sabe, de boas idéias o inferno está cheio. A vitalidade da cena abarcada no primeiro parágrafo deste texto (e também do novo rock nacional encabeçado por Superguidis, Violins, Vanguart e Terminal Guadalupe, entre outros) não deve ficar refém da tentativa de alcançar as paradas de sucesso. A alternativa, talvez, seja optar pelo contrário: mostrar o quão irrelevante é o Top Ten brasileiro. Sinais disso já podem ser percebidos aqui e ali. Seja nos festivais independentes que reúnem centenas de bandas por todo o país. Seja a Orquestra Imperial lotando shows sem um décimo da exposição na mídia que ganha uma Ivete Sangalo. Seja o Vanguart tendo seu hit independente, “Semáforo”, sendo reconhecido em uma casa lotada nos primeiros segundos da bateria.
Jonas Sá chega para reforçar o time (como um centroavante com sede de bola) de jovens talentos fora da grande mídia. “Anormal” é um golaço que pode significar o começo de uma grande virada na música popular brasileira. Agora, a bola está com você, caro leitor. Divirta-se e chute com força. Ok, ok, sem futebolismos: ouça no volume máximo. E danem-se as paradas de sucesso.
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