Cenas da vida em São Paulo, Parte 5
Rua Augusta, 8h20, manhã de 31 de dezembro de 2007. O sol está a pino e os relógios marcam 27 graus. O dia está apenas começando. Um homem de uns 40 e poucos anos desce cambaleante pela calçada levando na mão esquerda uma sacola de plástico que parece muito maior do que o que ela leva dentro de si. Visivelmente abalado alcoolicamente, nosso amigo não caminha, dança ao som do vento, embora nem esteja ventando.
Do outro lado, uma garota deixa uma casa noturna da Augusta (se é que você nos entende) gritando para o amigo na portaria:
– Vou ali fazer uma correria, já volto.
Ela é, notadamente, uma dama da noite. Magra, com um colant cinza por baixo do top preto, ela não aparenta ter mais do que 30 anos. É fim de expediente, e mesmo assim ela brilha na manhã ensolarada de São Paulo. Se retirar a maquiagem e colocar uma roupa um pouco mais normal, poderia perfeitamente ser apresentada como namorada de algum sortudo numa casa de família tradicional, e todos iriam adorá-la. Ela caminha decididamente, mas é abordada pelo bêbado. O diálogo que se seguiu dificilmente poderia ser reproduzido fielmente, mas vale a tentativa:
– Oi, oi, oi – diz o rapaz pegando a mão da moça e beijando-a como se ela fosse uma princesa (e ela deveria realmente ser… para ele).
– Oi, tudo bem? – responde ela retribuindo ao homem uma atenção insuspeita; é possível perceber que ela está sendo importunada, que ela não queria ter parado ali, mesmo assim ela trata o homem com a maior delicadeza possível.
– Então, e ai? – diz ele
– É isso, é isso – responde ela, apressadamente
– Espera, você é linda demais – e a voz dele carrega no “demais” deixando o ar com cheiro de algum aguardente barato; ela ainda permite que ele a segure pelas mãos, mas o improvável casal não consegue terminar uma frase útil que seja.
– É bom olhar você…
– Que legal…
– É legal…
– Um barato…
– Sabe… sabe… sabe…
– Eu acho muito legal…
– (sorrisos)
– Eu preciso ir…
– Olha, não…
– Então…
– Pô, você lembra???
– Lembro, claro que lembro – ela solta a mão dele e volta ao seu trajeto normal…
– Ela lembra, ela lembra – ele comenta sorridente com as pessoas no ponto de ônibus, e grita para ela:
– Feliz ano novo.
Ela apenas acena a mão e some entre os prédios. Ele, atingido pelo vento que não venta, cambaleia, e continua seu trajeto descendo a Augusta. Aproximadamente uns vinte metros depois aborda outra dama da noite, tenta pegar a sua mão, e ante a negativa vai direto para o final da história:
– Feliz ano novo.
O sol está a pino e o ano está acabando. Previsão para 2008: ressaca.
dezembro 31, 2007 No Comments