Top Ten: 10 shows nacionais
Na semana passada publiquei o meu Top Ten pessoal de shows internacionais; nesta semana é a vez dos shows nacionais mais bacanas que eu presenciei em anos e anos de empurra-empurra, cerveja quente, voz rouca no final da noite e momentos inesquecíveis na memória. Diferente da seleção gringa, que aumentou nos últimos anos, a lista nacional remonta aos anos 80, época em que o rock nacional mudava vidas e as bandas – no ápice – passavam todo ano por Taubaté, cidade em que eu morava. Com certeza não é uma lista dos melhores shows brasileiros de todos os tempos. São os melhores shows que eu vi, é bom deixar claro (tem mais 40 aqui).
Porém, fazer uma lista dessas é um teste e tanto de memória que, no meu caso, não anda tão bem (esqueço nome de filmes, artistas, pessoas – às vezes o meu nome mesmo). Com toda certeza, em alguns dos relatos deverei cometer algum erro de data, trocar algo que aconteceu em um show (música, frase) com o que aconteceu em outro (imagina o Ira!, que eu vi mais de 50 vezes ao vivo), mas isso tudo faz parte de uma das coisas mais bacanas da vida: ter histórias para contar. E muitas das histórias da minha vida têm relação com música, então, vamos a dez pequenas histórias dos meus dez shows prediletos:
01) Jards Macalé no Theatro Municipal (2007)
Macalé é um caso de paixão recente em minha vida. O “descobri” apenas em 2001, quando um amigo me deu de presente uma cópia em CDR do álbum “Farinha de Desprezo” (fora de catálogo), debute de Macalé em 1972 logo após ele ter produzido, em Londres, o clássico “Transa”, de Caetano Veloso. Porém, de 2001 pra cá fui compensando a descoberta tardia com várias audições do álbum e de outras pepitas de seu excelente repertório.
Então a Prefeitura de São Paulo, em uma iniciativa louvável, convocou o maldito para se apresentar às 3 da manhã no imponente palco do Theatro Municipal da cidade no meio da Virada Cultural que agitou a cidade neste ano tocando “Farinha de Desprezo” na integra. Grande notícia: Jards teria ao seu lado a lenda da Tropicália Lanny Gordin, que gravou todas as guitarras e baixo do álbum em 1972. Às 3 da manhã lá estava eu na primeira fila do Theatro Municipal frente a frente com a história da música (im)popular brasileira.
O show foi um crescendo incrível seguindo o tracking list do álbum original, com a faixa título (que ganhou versão, nos anos 80, do Camisa de Vênus) abrindo e sendo seguida por “Revendo Amigos”. Em “Mal Secreto” (um dos grandes momentos da madrugada), o teatro lotado seguiu no embalo da canção comandada pela guitarra de Lanny. “Movimento dos Barcos”, “Farrapo Humano”, “Let’s Play That”, “Meu Amor Me Agarra & Geme & Treme & Chora & Mata” e, no bis, “Vapor Barato” fizeram desta noite algo inesquecível, difícil de traduzir em palavras. Por sorte, lá estava eu com minha boa câmera digital. O vídeo que filmei, e que Capitu postou no Youtube, pode ser visto aqui. Ele dá uma boa dimensão da grandiosidade dessa noite.
Leia mais sobre o show e a Virada Culural
02) Legião Urbana no Clube de Regatas em São José dos Campos (1992)
Foram cinco as vezes que assisti a um show da Legião. Os primeiros (da turnê do álbum “Dois”, em 1987, e do “Quatro Estações”, dobradinha em um 12 e 13 de junho no Taubaté Country Club em 1989) foram terríveis. Só dava para ouvir a caixa de bateria do Bonfá e a voz do Renato, mais nada. Já neste foi tudo diferente. Primeiro devido ao fato da turnê do álbum “V” não ter passado por Taubaté, o que me fez ir com amigos assistir ao show em São José dos Campos (cidade quase vizinha). Tentei pescar na memória, mas não consegui: não lembro se o show foi no Teatrão ou no Clube de Regatas (ou em algum outro lugar).
Sei que, segundos após a banda ter iniciado a apresentação com “Será”, a placa que separava o público do palco arrebentou, e alguns fãs foram parar embaixo das armações. Assim que seguranças formaram uma nova placa de proteção, acabei ficando na primeira fileira, quase com os braços apoiados no palco. Foi perfeito. O som, desta vez, estava muito melhor. A iluminação era uma das mais belas que eu havia visto até então. E o trio que acompanhava Renato, Dado e Bonfá desde a turnê do álbum anterior já estava bem entrosado, o que deu qualidade a apresentação.
Mas não tem jeito: quando se fala em Legião ao vivo, se fala de Renato Russo e seu costumeiro show particular sobre o palco. Neste show ele estava possesso, transformando quase todas as letras novas (do álbum “V”) em ataques diretos ao então presidente Fernando Collor, tais como em “Metal Contra as Nuvens”: “Perdi a minha sela e minha princesa / Perdi o meu castelo e minha poupança” ou “Reconheço o meu pesar / Quando tudo é traição / O que venho encontrar / È o dinheiro em outras mãos” ou “E por honra, se existir verdade / Existem os tolos e um presidente ladrão”. Fez mais: simulou um desmaio, cantou o “Hino Nacional” (na verdade, “Carinhoso”) inteirinho dentro de “Vento no Litoral” e, em “Sereníssima”, na parte final do show, arremessou o pandeiro – que o acompanhava desde o início – com violência ao chão dividindo o instrumento em três partes. Uma delas ilustra o final deste texto. Foi a última vez que vi Legião ao vivo, e foi sensacional.
03) Titãs no Taubaté Country Club (1986)
Em 1986 era possível fazer seus pedidos a uma rádio FM, e ouvi-los, diferente de hoje, em que o que toca é tudo aquilo que está no borderô designado pela área de marketing das gravadoras. Em 1986 o Titãs havia lançado “Cabeça Dinossauro”, um disco pesado que criticava três grandes instituições (a polícia, a família e a igreja) ao mesmo tempo que clamava para que os bichos escrotos saíssem dos esgotos e as zebrinhas listradas fossem “se foder”. Houve um boicote inicial por parte das rádios, mas a voz do público (que superlotava as apresentações) e pedia canções insistentemente nas rádios foi mais forte.
Ao contrário de vários grupos que melhoravam ao vivo (como o Ira!) ou pioravam (como a Legião ou o Capital Inicial), o Titãs fazia no palco exatamente a mesma coisa que você ouvia no velho vinil, com o acréscimo da troca constante de vocalistas e outros destaques visuais. Ou seja: eles eram perfeitos ao vivo. A quadra do Taubaté Country Club (clube classe A/B de Taubaté) era o local oficial de shows na cidade, e tinha todos os defeitos que se pode esperar de um local adaptado para tal função: péssima acústica, iluminação sofrível e vários outros pontos negativos.
Porém, no palco, estavam os Titãs em sua formação completa exalando raiva e testosterona em uma apresentação irrepreensível. Os shows da turnê “Cabeça Dinossauro” eram punk rock para as massas. Lembro de uma frase de um amigo durante a execução de “Porrada”, cantada por Arnaldo Antunes: “Tem gente caindo da arquibancada!!!”. Aquilo era impressionante demais para jovens de 15 anos que não tinham como entender “A Face do Destruidor”, mas queriam berrar para toda sociedade ouvir o “vão se foder” de “Bichos Escrotos”, censurada nas rádios, mas um hino da galera.
04) Sepultura no Olympia (1996)
O último grande show do Sepultura em terras brasileiras antes da saída de Max e do declínio criativo. No palco, a banda dividia as honras da casa com o Ratos de Porão, que fez um show violento e assustador. O Sepultura estava em alta no mercado. Tinham lançado “Roots”, que os havia transformado na banda de metal número 1 do mundo. Ao vivo não tinha como discordar. Porradas mais antigas como “Inner Self” e “Troops Of Doom” conviviam lado a lado com hinos do calibre de “Dead Embryonic Cells”, “Territory”, “Refuse/Resist” e versões de “Monólogo Ao Pé Do Ouvido” (Chico Science e Nação Zumbi) e Titãs (”Policia”). Pra fechar a tampa, “Orgasmatron”. Aliás, essa música me lembra um dos meus grandes momentos em festivais: Hollywood Rock, Pacaembu, última música do show do Sepultura, e eles tocam ela. Giro 360 graus e o estádio inteiro pulava ao som do clássico do Motorhead. Até hoje acho que o show fraco show do Urge Overkill, que veio na seqüência, foi bundamolice frente a um público – pra eles – tão metal.
05) Ira! no Aeroanta (1991)
Eu já tinha visto dezenas de shows do Ira! até então, mas eles estavam lançando um bom disco (”Meninos da Rua Paulo”) e fecharam uma temporada de três noites no Aeroanta, que ficava Plaza of the Potato (como carinhosamente chamávamos o famoso Largo da Batata, em Pinheiros), em São Paulo. Uma coisa era ver o Ira! tocar em Taubaté ou Campos do Jordão. Outra, totalmente diferente, era vê-los em São Paulo. A banda tocava muito mais á vontade, mais solta. Nasi chegava ao microfone e dizia: “É bom poder vir a pé de casa pro show”. Isso tudo se refletiu nas três noites, com uma banda inspirada tocando clássicos próprios e covers como “Stand By Me” (famosa com Lennon), “Should I Stay or Should I Go” (Clash) e “Foxy Lady” (Hendrix). Na última noite, sábado, eles bateram o recorde de público da casa. Em “Núcleo Base”, Nasi provocou: “Você pensa que sou louco, mas estou só te olhando / Você pensa que sou tolo, mas não sou corintiano”. Eu e mais uns dois berramos no microfone: “Timão”. Ele riu. Bons tempos.
06) Graforréia Xilarmônica no Upload Festival, Sesc Pompéia (2001)
Após dois discos exemplares de tão bons (a estréia, “Coisa de Louco II”, de 1995, e “Chapinhas de Ouro”, 1998), a Graforréia pendurou as chuteiras no final de 1999. Em novembro de 2001, porém, o trio se reagrupou para uma apresentação única na segunda noite do Upload Festival, e a cena indie nacional estremeceu. O palco do teatro do Sesc Pompéia deixou de existir naquela noite: não havia separação entre banda e público. O show foi um coro entoando canções como “Amigo Punk”, “Eu”, “Nunca Diga”, “Grito de Tarzã”, “Eu Gostaria de Matar Os Dois”, “A Empregada”. Uma comunhão entre banda e público como poucas vezes presenciei na vida que, por si só, já bastaria para colocar o show nesta lista pessoal, mas houve “o momento”: devido ao limite estourado do horário, a organização do Sesc Pompéia optou por encerrar o show na força (melhor, na falta de força). Desligando o som, o Sesc acredita que colocou fim à noite. Engano: pedindo silêncio, os três integrantes fazem ainda mais uma música, com os instrumentos desligados. O público cantava em um coro sussurrado e pulava abraçado no refrão de “Colégio Interno”. No último acorde, mudo, o público tomou o palco para cumprimentar a banda. De emocionar.
07) RPM no Taubaté Country Club (1987)
Paulo Ricardo tenta a todo custo denegrir sua própria imagem o tanto quanto pode (e agora volta a cuspir na escultura com o lançamento da biografia de título infame “Revelações Por Minuto”), mas é impossível não baixar a cabeça e considerar como marco a turnê “Rádio Pirata ao Vivo”, que sacudiu o país na segunda metade dos anos 80 rendendo o disco de rock mais vendido de todos os tempos em terras brasilis. Eles tinham passado pela cidade com o bom show da turnê anterior um ano antes, mas em 1987 eles eram outra banda, outro negócio, algo mais cabeça e profissa. O começo – com a introdução de tecladeira de “Revoluções Por Minuto” – é claro na memória até hoje assim como a imagem de meninas chorando compulsivalmente na platéia. Acho que foi o mais próximo que estive da beatlemania.
08) Mundo Livre no Sesc Pompéia (2000)
Eu estava desempregado e desiludido. Tinha chovido, e aquele cheiro de terra molhada estava no ar, me fazendo sentir saudades de casa (eu tinha acabado de me mudar pra São Paulo). O futuro era negro, e resolvi expurgar os demônios assistindo a uma das bandas que eu mais respeitava, a banda que tinha me feito escrever meu texto e montar um fanzine alguns anos antes. Eu nem tinha ouvido o disco que eles estavam lançando, “Por Pouco”, e que seria a base do show, mas ser surpreendido era tudo o que eu precisava para levantar a cabeça, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Em um rascunho de texto da época escrevi: “Eu nunca pensei que fosse me culpar por não saber sambar.”. Do capítulo “shows podem mudar a vida de uma pessoa para sempre”.
Rascunhos de uma resenha perdida
09) Los Hermanos no Blen Blen (2002)
A banda certa no momento certo. Em 2002, o Los Hermanos era o grande nome da música nacional. Eles tinham brigado com a gravadora e lançado um álbum fenomenal, “Bloco do Eu Sozinho”, que se não repetiu as vendas da estréia (300 mil discos ancorados no sucesso radiofônico de “Anna Julia”), deu a eles o respeito da crítica especializada e de um público que, naquela primeira hora, ainda não os tratava com a devoção dos anos seguintes, mas já cantava todas as músicas. Era um show de apenas dois álbuns, ou seja, pouca coisa ficou de fora. E tinha serpentinas em “Todo Carnaval Tem Seu Fim”, e tinha a espetacular “A Flor”, e tinha a sentimental “Sentimental”…
10) Edgard Scandurra no Sesc Consolação (2002)
Para assistir a esse show, eu sai de casa três minutos antes do horário marcado. Quando cheguei à área de convivência do Sesc Consolação, Edgard estava afinando o violão e um público de aproximadamente 300 pessoas procurava o melhor lugar para ver a apresentação. O pequeno show fazia parte do projeto Sons 80, do Sesc SP, que visava trazer um artista significativo mostrando canções dos anos 80 em formato voz/violão. Scandurra abriu o projeto com “Saída” e “Mudança de Comportamento”, ambas do primeiro e clássico disco do Ira! de 1985. Seguiu-se “Casa de Papel” e “XV Anos” de “Vivendo e Não Aprendendo”. De “Meninos da Rua Paulo” ele retirou “Amor Impossível”, “O Tolo dos Tolos”, “Não Mataras” e uma versão arrepiante de “Prisão das Ruas”. Ali pelo meio, disse: “Essa eu acho sempre atual. Todas as manhãs de domingo são assim”, e mandou uma das grandes canções de um dos prováveis melhores discos de todos os tempos do rock nacional: “Psicoacustica”. Inesquecível.
Texto da época para a revista Rock Press
E você: quais são os seus dez shows nacionais inesquecíveis?
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