Um disco para salvar almas
“It’s Not How Far You Fall, It’s The Way You Land” é o segundo álbum do projeto Soulsavers, capitaneado pela dupla britânica Ian Glover e Richard Machin. O duo usa a eletrônica como ponto de partida para criar climas atmosféricos que se tornam grandiosos com o acréscimo do cantor Mark Lanegan (ex-vocalista do Screaming Trees, colaborador do QOTSA e mais uma dezena de epítetos), que assume os vocais em oito das onze faixas do álbum. Com Mark Lanegan no comando, já dá para imaginar o que vem pela frente: uma voz encharcada de bourbon sobre uma cama de guitarras estridentes, teclados climáticos, backings femininos e alfinetadas de eletrônica que soam como se a soul music tivesse nascido em Bristol, na Inglaterra.
Vai soar exagerado, eu sei, mas a voz sombria de Mark Lanegan esperava a anos por uma cama tão apropriada. Se em seus trabalhos solo, o rock e o blues dançavam de forma etílica por noites a fio, em “It’s Not How Far You Fall, It’s The Way You Land” Mark Lanegan abraça o soul (eletrônico) e, de mãos dadas, saem a bailar por noites sem fim de dias cinzas. Assim como Nick Cave, Mark Lanegan aponta os dedos para o criador e lhe dispara perguntas: “Por que estou tão cego com os meus olhos bem abertos? Eu preciso de você… é pecado pôr fim ao meu sofrimento?”, canta na baladaça “Revival”, de bateria pesada e clima contagiante.
Em “Ghosts Of You And Me” o clima é tão barra pesada (muito pela tempestade de riffs barulhentos que tomam a melodia pra si) que o interlocutor comenta: “Se eu tivesse um gato preto, não estaria tão sozinho”. O clima denso aumenta na faixa seguinte, “Paper Money”, em que Mark Lanegan grita como se estivesse sendo esfaqueado por uma falsa Afrodite enquanto diz: “Você não pode amar como eu”. A tensão se mantém em “Ask The Dust” faixa instrumental que conjuga riffs sujos de guitarra, teclados fantasmagóricos e bateria (eletrônica) quebrada com ênfase nos pratos.
Após tanto sofrimento em forma de barulho, “Spiritual” surge para purgar todos os pecados (deles e nossos). “Spiritual” é uma versão dos Soulsavers para o original do Spain, grupo liderado por John Hades (filho do lendário baixista de jazz Charlie Haden). No começo é só órgão e a voz limpa e cristalina de Mark Lanegan pedindo: “Jesus, não quero morrer sozinho / Meu amor era falso / Agora tudo o que tenho é você / Jesus não me deixe morrer sozinho”. A música cresce, as alfinetas de eletrônica marcam presença, mas é a voz de Mark Lanegan que te leva ao paraíso.
Em “Kingdom Of Rain”, violão e efeitos acompanham a voz. “Through My Sails” é lirismo em forma de canção pop: um teclado gélido, riffs de guitarra pontuando o arranjo e a letra mastigando a brisa marinha. Mark Lanegan sai de cena nas duas faixas seguintes, instrumentais (”Arizona Bay” e “Jesus Of Nothing”), mas retorna para fechar a tampa com uma magnífica versão de “No Expectations”, dos Stones fase “Beggars Banquet”. Sua voz caminha calmamente sobre uma base de órgão (com notas de violão ambientadas ao fundo) enquanto transforma em sons as palavras doloridas de Mick Jagger: “Nosso amor é como nossa música: está aqui e, depois, se foi”. Clap, clap, clap.
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