Eu vos saúdo, Maria
Hoje é dia de colocar a casa em ordem, mais propriamente o quartinho em que estão todos os CDs, caixas ainda fechadas da mudança, e centenas de revistas. Aliás, a reportagem da TV Gazeta esteve aqui em casa ontem para uma reportagem sobre os 25 anos do CD, que foi ao ar ontem mesmo. O bate papo com a repórter me fez pensar em algumas coisas interessantes sobre a chegada do MP3, o fim da indústria, e coisas assim. Vou tentar escrever para a próxima coluna de sexta que vem. Devagar, devagar.
Ontem também assisti a “Je Vous Salue, Marie”, de Godard, que se encaixa na categoria dos filmes que não me chaparam tanto quando terminei de assistir, mas que após ler alguns artigos, me fez repensar e até planejar outra sessão. E por mais que a temática seja densa e polêmica, ainda não entendo o caos gerado pela Igreja em torno do filme. Godard não nega a gravidez divina de Maria (a bonita Myriem Roussel), um dos pontos mais contestados do catolicismo em todos os tempos por cientistas e estudiosos, que teve seu filho sem ter tido contato sexual com nenhum homem. O que o cineasta francês contesta é o conformismo com que o casal aceitou a missão divina.
Maria luta bravamente contra o desejo sexual, enrolada sobre um lençol branco e com a mão acariciando os pelos pubianos, contendo-se para não contrariar o desejo divino. José, por sua vez, só aceita Maria após ser coagido pela força do arcanjo Gabriel, um homem truculento – desses que poderiam facilmente passar por segurança de boate – que tenta colocar a história divina nos eixos. Após o nascimento do filho, Maria dedica-se ao garoto, mas aos poucos vai perdendo sua inocência e pureza, para tornar-se uma mulher comum.
Por mais que a Igreja tenha usado toda sua força contra o filme, proibindo sua exibição em diversos países (Brasil incluso) o recado final é totalmente pró-catolicismo: tivemos uma chance, e a desperdiçamos. Pior: esquecemos que essa chance nos foi dada. Agora vivemos em pecado. Mais católico que isso, impossível. De qualquer forma, o mais interessante de “Je Vous Salue, Marie” não é sua mensagem, e sim a forma com que essa mensagem foi recebida. Da minha posição de católico apostólico romano não praticamente admiro a divagação godardiana não por ela ser (supostamente) provocativa, mas sim por gerar reflexão.
Ao transpor a gênese do catolicismo para os dias de hoje (Maria e José são um simples casal – ele taxista, ela trabalhando no posto de gasolina do pai – vivendo em uma grande cidade e com os mesmos problemas que eu e você) e dar a esta gênese uma visão de inconformismo com as diretrizes escolhidas por Ele sobre nossas vidas, Godard questiona o significado de religião, para todos nós, nos dias de hoje. O que você faria se fosse Maria ou José? Teria o filho? Abandonaria todos os seus sonhos e desejos para dar à luz (Maria) e cuidar do filho (José) d’Ele? Eu tenho a minha resposta, mas como esse Word já fechou umas três vezes sem motivo enquanto eu escrevia, não quero provocar a ira divina blasfemando contra o senhor. :/ E não que fosse blasfêmia, mas…
agosto 19, 2007 No Comments