Três shows: Fantastic Negrito com abertura de Naimaculada e Steel Band no Cine Joia

texto de Alexandre Lopes
fotos de Fernando Yokota

Com a missão de começar a noite para poucos espectadores enquanto a chuva torava lá fora, a Naimaculada subiu ao palco do Cine Joia às 21h08. Formada por Ricardo Paes (voz), Pietro Benedan (bateria), Luiz Viegas (baixo e voz), Gabriel Gadelha (sopros) e Samuel Xavier (guitarra) – todos na casa dos vinte anos – a banda tem chamado atenção nos inferninhos de São Paulo pela intensidade melancólica de suas canções e também pelo fato de seu baterista ser filho de João Gordo. Mas o grupo consegue ir além da desconfiança de nepotismo e desempenha muito bem suas composições, que podem ser classificadas como lamentos poéticos urbanos despejados sobre um instrumental que mistura psicodelia setentista, rock progressivo, a fossa pós-tropicalismo de Jards Macalé e algo de soul music.

Lembrando um pouco a fase ecumênica de Tim Maia durante o disco “Racional”, o vocalista Ricardo surgiu no palco todo vestido de branco e óculos escuros. Depois de bradar de forma agressiva “eu fujo de você” diversas vezes durante o primeiro número, o cantor logo acendeu um cigarro peculiar, enquanto Gabriel fazia uma longa introdução no saxofone para “Choro de Outono”. Essa música também incluiu um belo crescendo final, com destaque às linhas de guitarra de Samuel. Mas o tempo de apresentação era curto demais e o grupo mandou apenas mais três canções, fechando sua participação com o single “Eu Sei” – a primeira amostra do álbum de estreia, “A Cor Mais Próxima do Cinza”, previsto para sair em março de 2025 pela DeckDisc. Resta esperar que o registro faça jus ao belo show que a Naimaculada faz ao vivo.

naimaculada / Foto de Rafa Paschoalini

Na sequência, a Steel Band deu início ao seu show às 21h47 com “Papa Was A Rolling Stone” (originalmente gravada pelo Undisputed Truth em 1972, mas depois famosa na versão dos Temptations). Formado por Igor Godoi (vocais, violão), Theo Anzelotti (baixo, vocais), Thales Lion (guitarra), Felipe Magon (teclados), Rodrigo Simplício (teclados) e Éverton Silva (bateria) a Steel Band é basicamente uma banda de músicos que tocam no Steel Music Bar (Moema), apresentando um repertório que mistura clássicos do rock e do soul. Embora o grupo seja extremamente competente, a inclusão de “I Can’t Go for That (No Can Do)” (hit de Daryl Hall & John Oates) e a bela guitarra Giannini SG dos anos 70 de Thales tenham me agradado, não dá para entender a decisão de colocar uma banda cover exatamente antes da atração principal e botar um trabalho autoral sério como a Naimaculada para tocar em um horário desfavorável.

Por mais que a Steel Band possa estar de alguma forma ligada à organização do evento, privilegiar um ato cover em detrimento de um grupo de material original pode indicar um dos sintomas da música nacional não se renovar para o grande público: é sempre mais fácil recorrer ao saudosismo do que investir em oportunidades para que as pessoas conheçam e consumam coisas novas. Mas críticas mais profundas à parte, é bem verdade que a plateia numerosa (formada majoritariamente por homens acima dos 30 anos e além) gostou bastante do show tradicional e seguro da Steel Band, em especial da versão de “Evil Ways” de Santana, a ponto dos solos de teclado e guitarra arrancarem aplausos empolgados. E assim a apresentação terminou às 22h18, deixando o público ansioso para o próximo ato.

Fantastic Negrito / Foto de Fernando Yokota

Por volta das 23h, Fantastic Negrito entrou em cena com sua banda, trajando uma roupa chamativa com direito a capa e tudo. O show começou com uma “Get Away From You” bem porrada e a plateia logo se entregou à performance de Xavier Dphrepaulezz. Dançando, cantando e alternando guitarra e algumas incursões no teclado, o artista de 56 anos mostrou ter energia e carisma que já justificariam o valor do ingresso. Após uma sequência roqueira, Xavier diminuiu o ritmo com a balada soul “I Hope Somebody’s Loving You”.

A apresentação sofreu com algumas dificuldades técnicas, como feedbacks que surgiam do nada (rendendo broncas ao técnico de som), além de um microfone sem fio que deixou o artista na mão e claramente putaço pelo menos três vezes – levando o guitarrista Clark Sims a cantar de forma zombeteira para um pedestal vazio porque Xavier roubou o microfone que ele utilizava para seus backing vocals. Em uma das falhas, Negrito se recusou a voltar a usar o microfone, culpando um roadie pelos problemas e dizendo que não confiava mais nele. Mas Sims segurou a onda do showman marrento e o convenceu a seguir com o microfone, continuando a apresentação.

O setlist favoreceu o recém-lançado álbum “Son of a Broken Man”, incluindo também músicas dos álbuns “The Last Days of Oakland”, “Have You Lost Your Mind Yet” e “Please Don’t Be Dead”. Xavier deixou a banda brilhar em momentos instrumentais, enquanto secava o suor com uma toalha no canto do palco. Depois de apresentar sua versão de “In The Pines” (mais conhecida como “Where Did You Sleep Last Night” no acústico do Nirvana), o público mais velho começava a se retirar antes mesmo do fim. Após “The Duffler”, Fantastic Negrito deixou o palco com uma mensagem: “please don’t let computers make the man”. Mas a plateia reduzida ainda pediu mais, e um solo de bateria precedeu o bis, seguida por “Lost in a Crowd”. A noitada terminou às 0h47 com Fantastic Negrito e sua banda se despedindo dos (poucos) fãs que restaram.

Fantastic Negrito / Foto de Fernando Yokota

– Alexandre Lopes (@ociocretino) é jornalista e assina o www.ociocretino.blogspot.com.br
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br

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