entrevista de Bruno Lisboa
Em 2025, Curumin irá festejar 20 anos de seu disco de estreia, “Achados e Perdidos”, de 2005, e sua discografia, com o tempo, foi se espaçando: três anos depois ele lançou o festejado “Japan Pop Show” (2008), quatro anos se passaram para chegar “Arrocha” (2012) e então cinco anos o separaram de “Boca” (2017). Seu quinto lançamento, “Pedra de Selva” (2024), encerra um intervalo de sete anos, mas começou a ser feito na pandemia.
Composto por 17 faixas, “Pedra de Selva” traz um Curumin muito mais envolvido com a eletrônica, mas sem deixar de lado a sua ligação com ritmos africanos, enquanto observa a relação da tecnologia com as conexões humanas. O trabalho conta com as participações de François Muleka, Funk Buia, Anelis Assumpção, Ava Rocha, Josyanne, Jéssica Caetano, Iara Rennó, Livia Nery, Rimon Guimarães, além dos seus três filhos, Rubi, Bento e Benedito, que colaboram com backing vocals.
Na conversa abaixo, feita por e-mail, Curumin volta no tempo e fala sobre suas origens musicais (“Quando eu era criancinha, queria fazer parte da gig do Sidney Magal – risos”), o processo de construção do novo disco e a influência da pandemia nos temas, o papel da crítica na repercussão e permanência de “Japan Pop Show” como um álbum de destaque em sua carreira, sua relação com ritmos africanos, o uso de recursos eletrônicos, trabalhar em parceria e mais. Leia abaixo!
Quem acompanha seu trabalho sabe de sua versatilidade musical, pois você transita com naturalidade entre gêneros amplos e conexos como reggae, samba, afrobeat, funk, soul e adjacências. Como foi o início da sua trajetória musical? Quais foram as principais influências que fizeram/fazem sua cabeça artisticamente?
Cara, no comecinho, no comecinho… São muitos começos, né? Quando eu era criancinha eu amava o Sidney Magal e a Gretchen. Será que já é um começo? Não sei. Eu já amava a música, queria fazer parte da gig do Sidney Magal (risos). Mas, teve uma banda de início, que foi a primeira banda que a gente começou a tocar nos lugares, a Zomba, com a Paula Lima. E essa banda, a gente tinha um desejo de fazer muito funk e soul americano, a gente bebia muito dessa água. Foi o primeiro lugar que a gente aprofundou os estudos, para entender como tudo funcionava.
Instrumentos percussivos são, geralmente, o fio condutor de sua musicalidade. De que forma a sua relação com esse tipo de instrumento contribuiu para o estilo que você desenvolveu ao longo da carreira?
Tem uma coisa interessante, que já se relaciona com a questão anterior, como a gente começou com essa coisa do funk e soul, logo veio o entendimento de que todos os instrumentos são rítmicos e que a união dessas células de todos os instrumentos, faz um todo. E isso é um norte no meu trabalho. Eu quero que minha música tenha esse balanço, que mexa com o corpo das pessoas. Lembro que eu fiz um contrato comigo mesmo quando era mais jovem, eu falei oh: quando ficar mais velho, não vá fazer esses discos tristes de balada, música lenta, música triste. Mantenha sempre essa atividade, esse balanço. A música pode até ser triste, mas tem que ter o balanço.
Conheci o seu trabalho a partir do disco “JapanPopShow”, que segue, até hoje, como um dos seus trabalhos mais celebrados pelo público e pela crítica. 16 anos depois qual o significado do disco para você? Sua relação para com aquele repertório sofreu alguma mudança desde então?
Ah, é engraçado isso. Essa questão do “Japan” tem a ver muito com a crítica, talvez. Mas não só isso. Ele, pra mim, não é um álbum especial. Ele é tão especial quanto os outros. Mas ele teve essa resposta, né? Quando ele foi pro mundo, teve uma resposta mais afirmativa, uma resposta maior, mais ampla das pessoas. Pra mim é isso. Tem a ver com o tempo dele. Ele saiu num momento em que aquilo tinha um frescor, uma novidade, uma coisa que dialogava com aqueles tempos. Mas minha relação é ótima com esse disco. Preciso ouvir de novo, faz tempo que não ouço.
O que te inspira a fazer essas fusões musicais e como você consegue manter essa versatilidade de forma tão natural a cada disco?
Eu sou da geração que eu saí de um lugar que era: tinha pouca música. As músicas a gente só tinha em CD, em disco e tinham muitas coisas que não chegavam no Brasil. Eu passei dessa fase, de pouca música, par muito acesso. Pra mim foi uma explosão. Quando tive acesso aos reggaes, dub, música jamaicana, me aprofundei muito. Eu sempre coloquei essas misturas como objetivo nos meus trabalhos. E eu fui chegando num lugar que não era só colocar um tamborim com uma guitarra. Fui chegando num lugar que não é tão claro, mas tem a ver com essas coisas.
Existe algum estilo musical ou gênero que você ainda não explorou, mas gostaria de incluir em futuros projetos?
Ah, sempre tem, né? Eu sempre tô aberto. Nesse disco, por exemplo, eu fui ampliando. Fui ouvindo músicas folclóricas de lugares mais distantes, do Oriente, da Índia, da África, claro, da China. Sâo músicas que não são de mercado, né? Mas são músicas de sobrevivência, tem a ver com fazer bem às pessoas e eu to escutando e gostando cada vez mais.
Você já trabalhou com diversos nomes da música brasileira como Tulipa Ruiz, Russo Passapusso, Gabriel Bruce, Rico Dalasam, Anelis Assumpção, entre tantos outros. Atuar em parceria(s) influencia o seu processo criativo?
Com certeza as parceiras transformam a gente, né? Eu adoro poder sair um pouco do meu trabalho e fazer outros trabalhos, entender outras perspectivas e entender outras formas de fazer música. Isso é muito bom e me tira desse lugar de ficar fazendo volta em si mesmo. Gosto muito.
Em “Pedra de Selva”, seu mais novo disco, você conta com a colaboração de Nellê, Funk Buia, Ava Rocha, JosyAnne, Jéssica Caitano, Lívia Nery, Rimon Guimarães e Iara Rennó. Quais são os critérios que você usa para escolher com quem vai colaborar?
A escolha dos parceiros, ela foi feita pela música, sabe? A música que escolhia os parceiros. Quando eu escutava as músicas, sentia que faltava alguma coisa, os nomes vinham à cabeça e eu só obedecia. Não me sinto muito como um agente que escutou e escolheu. Talvez, tem só uma pessoa que eu já tinha em mente, que eu queria muito trabalhar com ela, trocar que era a Jéssica Caitano.
Como foi o processo criativo desse álbum? Houve algo de diferente ou desafiador na produção desse disco em relação aos anteriores?
O processo criativo do disco foi bem fluido. Tem músicas que são quase uma jam session. Eu ia tocando os instrumentos, tocava bateria, colocava um baixo, uma percussão e logo depois eu escrevia a letra, a melodia e já tinha o brito dela pronto. Eu gosto muito dessa ideia criativa de ir fazendo de acordo com o surgimento da ideia para preservar a espontaneidade. Quando vem uma ideia é pra subir no cavalo e ir adiante, não ter uma ideia e deixar pra depois. Foi um disco bem espontâneo.
“Pedra de Selva” aborda temáticas ligadas a necessidade e a dificuldade de estabelecer conexões humanas (internas e externas) em tempos nos quais a tecnologia nos distancia ainda mais. Como o contexto atual e as suas vivências recentes influenciaram as letras e o som desse novo projeto?
Olha, o disco começou a ser feito ali na época da pandemia. Então, todas essas questões estavam muito latentes. Como a tecnologia atrapalhou, mas salvou muita gente naquele momento. A gente não podia ter proximidade física, mas podia se manter trabalhando, conversando, se relacionando através das redes sociais e novas tecnologias. Ao mesmo tempo, tinha uma certa angústia com tudo isso. Era possível, mas faltava alguma coisa. Eu acho que ele veio muito pautado nesse contexto mesmo, e moldou muito a cara desse disco.
Nos últimos trabalhos, você tem integrado mais elementos eletrônicos na sua música. Como tem sido o processo de explorar esses recursos e como eles impactaram o fazer artístico?
Cada vez mais, né? Acho que hoje em dia não tem mais discos que não tenham muita tecnologia. Quando eu comecei, a gente gravava tudo numa fita, a fita era cara e a gente não podia ficar experimentando, tinha que ser uma coisa certeira, não tinha como editar. Hoje em dia a gravação é tudo muito controlado e tenho certeza que os eletrônicos fazem muita parte e tem que estar. Os eletrônicos fazem parte e eu gosto. Com o eletrônico vai ter mais pressão, maior maleabilidade dessas frequências. Enfim, eu cresci musicalmente nesse lugar, para mim é muito natural usar.
Para finalizar, com trabalho na praça quais são os planos futuros?
Eu não tenho muitos planos não, viu? Eu quero seguir fazendo, quero seguir fazendo música. Crescendo nesse lugar que me põe no mundo, no universo, em que me entendo como ser humano. Acho que talvez eu tenha mais coisas em breve. Talvez eu lance mais uns singles nos próximos meses, músicas que não entraram no disco. Vou seguir fazendo música, produzindo discos de outros artistas. É isso, coisas que gosto de fazer.
– Bruno Lisboa escreve no Scream & Yell desde 2014. Escreve também no www.phono.com.br