entrevista por Bruno Lisboa
Frederico Heliodoro têm andado com a agenda agitada. Para quem não o conhece, ele acompanhou Milton Nascimento na derradeira turnê “A Última Sessão de Música”, o grande show de 2022 segundo o colégio eleitoral do Scream & Yell, como músico de apoio e segue agora na estrada com Simone atuando como produtor musical ao lado de Pupillo. Ele também está nos créditos dos discos “Afluir”, de Gabriel Bruce, e “Enigma”, de Fred Chamone, toca desde 2016 com Kurt Rosenwinkel (“Um dos maiores guitarristas e compositores do nosso tempo”) e está com disco novo na praça, “The Weight of the News” (2023).
Lançado pelo selo californiano de jazz Minaret Records, “The Weight of the News” (2023) apresenta 11 faixas das quais se destacam “Interestelar”, “Renascer”, “Better WIFI”, “A vida que vem” e “Coragem”, músicas que marcam um disco ousado e versátil que traz letras de ares universais abordando a beleza e a complexidade das relações humanas. Ou “um amor, uma frustração, uma provocação, um desespero ou uma esperança. Porque se não houver esperança não há pelo que viver”, explica Frederico.
Com mais de uma década de estrada, Heliodoro lançou seu disco de estreia em 2011, um registro ao vivo captado no Café com Letras, em Belo Horizonte. Músico versátil, Frederico faz de sua versatilidade um instrumento para que sua música dialogue, de forma ampla, entre ritmos do mundo, passando pelo pop, jazz, rock, beats eletrônicos e adjacências. Na entrevista abaixo, Heliodoro fala sobre as origens de sua relação com a música, sua participação nas turnês de Milton e Simone, suas referências musicais, o processo de composição e gravação do novo disco, a parceria com o selo Minaret Records, planos futuros e muito mais. Confira!
Tradicionalmente, gosto de iniciar a conversa perguntando: como se deu a sua relação com o universo da música? E em que momento a chave virou para que a música se tornasse o foco principal de sua jornada?
Não me lembro muito bem. Sei que aos 6 anos meu pai me deu um violãozinho Gianinni e me ensinou alguns acordes. Eu sempre toquei desde então. Comecei com o baixo aos 9. Nunca me ocorreu fazer outra coisa. Mesmo quando eu fiz, sem sucesso, um semestre de Publicidade em 2006 na Fumec, meu foco era formar em Publicidade pra montar algo que funcionasse como uma grande produtora musical de materiais publicitários. Infelizmente isso não aconteceu. Mas aconteceram outras coisas maravilhosas. Sempre envolveu música.
Seu nome alcançou popularidade ainda através do trabalho realizado nos últimos anos junto a ícones da música popular brasileira como Milton Nascimento e Simone. Como se deram esses convites em especial? Como foi a experiência e o quão engrandecedora foram essas oportunidades para a sua carreira?
Eu acho que hoje em dia, a popularidade do artista pequeno (leia-se mais ou menos quase todo mundo) independe dessa coisa de tocar com artista grande. Conheço diversos “anônimos” que vivem muito dignamente se promovendo através de Instagram etc. Eu, antes de tocar com Milton e Simone, toco desde 2016 com o Kurt Rosenwinkel, um dos maiores guitarristas e compositores do nosso tempo. Isso abriu MUITA porta bacana. Não só no Brasil, mas no mundo. A turnê com Bituca foi resultado das indicações dos meus irmãos de alma Alberto Continentino e Zé Ibarra, que me indicaram como um “baixista jovem, bom e que canta” ao Augusto Nascimento. E a partir daí começa a cadeia de networking que se estende até o possível dentro dos limites da personalidade de cada um. Só posso dizer que fico muito feliz por ter tido as oportunidades que eu tive até hoje, as amizades, as experiências e óbvio, tudo isso de acordo com os vários privilégios que tenho na vida.
Sua carreira solo foi iniciada há mais de uma década e é interessante perceber a escala evolutiva de sua musicalidade, que foi sendo construída disco a disco, transitando entre gêneros diversos que vão do jazz ao rock, passando pela música eletrônica e a MPB. Nesse sentido quais referências artísticas o ajudaram a formatar o seu trabalho?
Gosto de pensar que minhas referências artísticas são os meus pares de vida. Meu pai, Affonsinho Heliodoro, exerceu uma enorme influência na minha personalidade geral por um grande tempo, influenciando assim o que eu ouvia. Blues, Bossa Nova, Tropicália, Rock, Jazz etc. Paul McCartney é a razão de eu ser baixista principalmente. Marcelinho Guerra, Felipe Continentino, Jennifer Souza, Antonio Loureiro, Pedro Martins, Daniel Santiago, Joana Queiroz exerceram diretamente suas amizades me aplicando muita coisa bacana que eu fui filtrando e hoje sou o que sou. Acho mais realista falar assim que falar Jimi Hendrix, Hermeto e Coltrane.
“Acordar”, seu trabalho anterior, foi lançado há 8 anos e soa, para mim, como um disco de ruptura da fórmula. Ali você cria uma nova faceta ao deixar de lado canções instrumentais para apostar num formato mais tradicional. Qual é o papel que esse trabalho representa na sua carreira? Você o vê dessa forma?
Eu não vejo muito dessa forma. Os meus quatro primeiros trabalhos antes do “Acordar” eu vejo como um momento. Como em 2003, quando no meu colégio, todo cara tinha calça que virava bermuda. Ao lançar meu primeiro álbum em 2011, eu havia acabado de voltar de uma temporada de três meses em Nova York, completamente envolto pela atmosfera jazzística dos lugares que frequentei. O lance é que eu sempre, desde 6 anos, compus canções. Talvez compor canções seja o padrão. E fazer sons instrumentais seja um surto momentâneo. Eu amo fazer música. Sozinho e com pessoas. Com letra e sem letra. A canção com letra, num formato mais tradicional, chega mais facilmente no coração das pessoas. E eu quero esse acesso.
“The Weight of the News”, seu mais novo disco, é trabalho amplo em que você dialoga com várias sonoridades. As melodias são acamadas por letras contemporâneas em ode a beleza e a complexidade da existência. Nesse sentido, como foi o processo de composição e gravação do disco?
Eu gosto de falar das belezas e complexidades da MINHA existência. Porque não faço ideia de como é a existência das outras pessoas. Vivendo em sociedade, suponho que podemos nos identificar através de detalhes existenciais específicos. E é aí que eu coloco no papel. Um amor, uma frustração, uma provocação, um desespero ou uma esperança. Porque se não houver esperança não há pelo que viver. O processo de composição começou logo após o lançamento do “Acordar” em 2015. No “The Weight of the News” há, por exemplo, uma tentativa de fazer uma música bem difícil. Ou duas. Há tentativas de fazer Brasil pop anos 80. Há tentativas de fazer música eletrônica. Eu acho que tudo deu um pouco certo.
O disco foi lançado em parceria com selo californiano de jazz Minaret Records. Como se deu a aproximação com o selo e qual a importância de ter o seu nome associado a ele?
Nos Estados Unidos, em fevereiro e março de 2023, fiz a primeira fase da turnê de lançamento do disco. Toquei em Los Angeles, San Francisco, Seattle, Portland, Nova York, Boston e Philadelphia. A Chiquita Magic me indicou a Minaret quando eu a perguntei por selos que poderiam se interessar pelo álbum. Mandei mensagem para o dono, Yousef Hilmy e lançamos. No mundo todo. Menos no Japão que foi lançado pela Mocloud, um selo muito legal que lança artistas do mundo todo em território japonês. A Minaret é um selo jovem que vem crescendo e movimentando a cena indie de Los Angeles de forma orgânica, no boca a boca. Promove uma troca cultural legal com todo tipo de arte. E é algo do qual eu quero fazer parte no momento. Tem evento que a Minaret faz que reúne 500 pessoas numa galeria de arte vibrando com um show de improvisação livre. A galera lá tá trocando muito. E por isso a cena tá incandescente lá. Fico querendo trazer essa onda pra cá. Colar com uma galera que também está a fim de agitar essas paradas. Mas sendo sempre mais sobre a arte, sobre contemplação e sobre a comunhão criativa das gerações que marcam épocas etc.
Em “The Weight” você conta também com diversas participações de artistas tanto da ala internacional quanto a de músicos da cena nacional. Como aconteceu a reunião desse timaço? Quais contribuições eles trouxeram para o resultado final?
É muito doido pensar sobre isso mesmo. As contribuições que eles trouxeram foram justamente suas participações lindas. A proximidade com eles todos foram benesses que a vida me deu. Todos eles são grandes figuras pra mim e eu fico feliz que tenhamos cruzado os caminhos.
Falando ainda sobre participações, sua prolífica carreira é também marcada pela participação de diversos discos de colegas de cena como Gabriel Bruce, Fred Chamone, Dani Gurgel e Pedro Martins, entre outros. Qual o seu critério para formalizar parcerias?
As parcerias sempre vêm naturalmente, assim como tudo. Se precisar forçar, não acontece. E não adianta querer que dure pra sempre também. No caso do Bruce e do Fred Selva, ambos fazem parte do casting do meu “selo” – Interior Creations, junto com o álbum “Certeza?” do meu pai, Affonsinho. O meu critério é a mera afinidade e disponibilidade do momento.
Com disco novo na praça quais são seus planos futuros?
Eu quero fazer MUITO show. Alcançar o máximo de público que eu conseguir cara a cara. E gravar mais músicas. Singles, EPs, collabs, feats, discos de improvisação livre, instrumentais, de canções. Tudo que for possível.
– Bruno Lisboa escreve no Scream & Yell desde 2014. Escreve também no www.phono.com.br