entrevista por Marcelo Costa
Fundado em Barcelona, na Espanha, em 2002, e realizado no Brasil desde 2009, o In-Edit Brasil_Festival Internacional do Documentário Musical tornou-se, desde seu primeiro ano, um dos festivais cinematográfcos mais queridos pelo público brasileiro tanto da música quanto do cinema. Explorando um território vasto e, por outro lado, bastante carente, já que poucas produções internacionais chegam ao grande circuito nacional anualmente, e mesmo muitas obras clássicas só chegaram às nossas telas via esforço do festival, o In-Edit Brasil promove – de 14 a 25 de junho, em São Paulo, e com vasta programação online – a sua 15ª edição ininterrupta em 2023 oferecendo ao público uma seleção de 68 filmes nacionais e internacionais.
Como é marca da curadoria do festival, a edição 2023 é ampla e extremamente variada com obras sobre personalidades como Tom Jobim e Elis Regina, Syd Barrett e a banda Pink Floyd, Chiquinha Gonzaga, Marc Bolan e a banda T.Rex, Lupicínio Rodrigues, o rapper XXXTENTACION, Max Roach, a cantora cubana Omara Portuondo, a história do álbum “Thriller” de Michael Jackson, Los Mirlos e a cumbia amazônica, Karlheinz Stockhausen, Letrux e, entre outros, David Johansen, vocalista da banda New York Dolls, num filme dirigido por Martin Scorsese, isso tudo sem contar a Mostra Teen, com filmes que abordam o universo juvenil por décadas (do começo do século XX até os dias de hoje com trap e k-pop), a Mostra Flashback e um olhar especial para a obra do cineasta Ron Mann, convidado especial do evento, que retratou o Free Jazz.
“Completar 15 edições consecutivas é uma conquista enorme para um festival de cinema no Brasil”, comemora Marcelo Aliche, diretor artístico do In-Edit Brasil e responsável final pela curadoria dos documentários internacionais exibidos no evento. “Quando nós começamos, muita gente dizia que a maioria dos eventos cinematográficos não chegava na quarta ou quinta edição. Tomando este dado por base, eu fico achando a história do In-Edit um sucesso”, observa, acertadamente, Aliche. “Recebemos mais de 140 títulos nacionais (entre longas e curtas) com muita coisa boa!”, revela ainda o curador, que na conversa abaixo lista as novidades desta 15ª edição e os filmes imperdíveis além da contar do desafio de conseguir que “Chic Show” estreasse no festival. Papo bom! Leia abaixo e fique de olho na programação do festival. Tem muita coisa boa.
15ª edição do In-Edit Brasil! Lá em 2009, quando vocês estrearam a primeira edição nacional, você já imaginava que estaria 15 anos depois sonhando esse sonho doido de continuar fazendo um festival de cinema no Brasil? Como está seu coração para essa edição?
Coração está batendo forte. Toda vez que a data do festival se aproxima eu fico agitado, mas estou muito contente. Completar 15 edições consecutivas é uma conquista enorme para um festival de cinema no Brasil. Quando nós começamos, muita gente dizia que a maioria dos eventos cinematográficos não chegava na quarta ou quinta edição. Tomando este dado por base, eu fico achando a história do In-Edit um sucesso. Pensei que a gente pararia no 6º ou 7º, coisa que quase aconteceu.
Como é para você fazer a seleção dos filmes que entram na mostra? Lembro de ler você animado nas redes sociais com a quantidade de bons documentários brasileiros inscritos e comemorar quando alguns títulos internacionais finalmente chegam em mãos…
Fazer a seleção dos filmes é sem dúvida a parte do processo que eu mais gosto. Envolve não só o visionado dos filmes mas também muita pesquisa em torno a cada documentário. Também converso muito com curadores de outros In-Edits, jornalistas, cineastas, produtores, colecionadores de discos e fãs de música em geral. Leio muito sobre cinema e música e acompanho outros festivais pelo mundo. Como dá para ver, eu dedico boa parte da minha vida ao In-Edit. Então quando aparece um bom material eu fico muito contente.
Sobre a curadoria o In-Edit em si, ela se divide em duas. A parte nacional que inclui um período de inscrição, um regulamento e um prêmio, é cuidada por um grupo de pessoas que seleciona os títulos. E tem a parte internacional pela qual eu sou o responsável final. Essa seleção envolve outros elementos como a disponibilidade do título no mercado, o ineditismo no Brasil, nosso orçamento e mais um monte coisas.
E este neste sentido, 2023 foi especial. Recebemos mais de 140 títulos nacionais (entre longas e curtas) com muita coisa boa! Mas a gente sofreu também. Até poucas semanas atrás, tínhamos documentários estrangeiros muito bons, mas não tínhamos grandes nomes. Quando digo grandes nomes, me refiro a aqueles artistas que até quem não é um entendido de música sabe quem é. Mas depois de muito insistir, esses filmes chegaram em cima da hora e deram o colorido que queríamos para 2023. Foi uma mistura de alívio e alegria.
0 que você destaca de novidades para essa 15ª edição? O que há em 2023 que não existiu nas edições anteriores?
Os destaques deste ano são muitos mas a sessão de abertura com o filme “Chic Show” com direito a baile na Cinemateca no sábado, para mim, é a grande cereja de um bolo bem recheado.
No Panorama brasileiro temos filmes nacionais como “Elis & Tom – só tinha de ser como você”, “Miúcha – a voz da bossa nova” e “Fausto Fawcett na cabeça”, que são produções bem acabadas e que farão certamente uma carreira extensa nos circuitos comerciais. Tem também “O Rei do Djembê”, um filme muito bem trabalhado, o delicioso “De você fiz meu samba” vai agradar a toda a família e a exibição da série “The Beat Diaspora” seguida de debate com os criadores e produtores prometem ser pontos altos do In-Edit 2023.
Mas das coisas que nunca tínhamos feito antes é do que estamos mais contentes. Este ano, para comemorar os 15 anos faremos Mostra Teen com filmes que abordam o universo juvenil. São 9 filmes que retratam, por décadas, desde o início do século XX até o K-pop e o Trap. E ainda tem a mostra Flashback, com 3 filmes históricos que este ano está focado em jazz e blues.
O filme de abertura é sempre uma escolha especial para vocês, da produção, e para nós, público. Nesse ano teremos a pré-estreia mundial do documentário “Chic Show”, de Emílio Domingos e Felipe Giuntini, e eu gostaria que você falasse um sobre a escolha dele para abrir essa edição.
Conhecemos o Emílio na primeira edição do festival com o filme “L.A.P.A.”. Entre o In-Edit e o Feed Dog (o outro festival que realizamos com foco em documentários sobre moda e comportamento) já exibimos toda a filmografia dele. Quando ele me disse que estava trabalhando num filme sobre o movimento Black Rio eu fiquei doido. Sou muito fã desta história, de tudo o que ela representa na luta racial brasileira e também da música que envolve esta cena. Mas, durante as filmagens, ele veio para São Paulo e acabou conhecendo o Luizão da Chic Show, viu que rapidamente poderia entrevistar muita gente interessante e decidiu ficar um tempo na cidade. O “Chic Show” ficou pronto primeiro e começamos uma operação para convencer a Globoplay a liberar o filme para o festival. Demorou, sofremos, imploramos até que rolou. Eu não posso estar mais contente por ter este documentário abrindo o festival: por ser a Chic Show, por trazer o movimento negro para o primeiro plano, por ter o Emílio em casa de novo, por ser a pré-estreia mundial de um filme importante e pelo baile que faremos.
No Twitter, você comentou que um “dos pratos fortes desse ano é a programação de jazz” além, também, de se mostrar contente com a seleção de blues. O que te animou tanto nessas duas categorias? Sei que um dos seus filmes favoritos do ano está aqui, certo?
Este ano li alguns livros sobre jazz e blues por puro deleite. Não pensava em fazer nada com isso porque era mais pesquisa de fã do que trabalho. Mas a vida foi andando e os filmes foram aparecendo naturalmente. Talvez sem saber, eu estivesse com olhos e ouvidos mais atentos para esta música, mas o fato que apareceram títulos como “Max Roach”, “Music For Black Pigeons”, uma cópia restaurada de “Jazz On Summer’s Days”, ai vieram dois filmes do nosso convidado especial Ron Mann que retratou o Free Jazz… caramba! Eram muitos filmes bons. E então veio a cereja do bolo: “Blues Under The Skin”, filme de 1973 restaurado para 50º aniversário. Com uma lista desta, fica fácil, né?
Quanto ao meu filme favorito, “Music For Black Pigeons”, acho que é um dos grande documentários dos últimos anos. O filme aborda temas não tangíveis como a comunicação não falada dos músicos na hora de tocar e se entrosar. Tem também discussões interessantes sobre a música. Vi no IDFA e fiquei emocionado. Tinha que estar na nossa programação.
A vinda de Mdou Moctar e Blick Blassy ao C6 Fest permitiu colocar em pauta, mais uma vez, o quão pouco nós, brasileiros, conhecemos da cultura africana. Nesse quesito, o In-Edit pode colaborar bastante ampliando o olhar sobre o continente, certo?
A gente tem colaborado muito com esse olhar. Desde 2009, nós exibimos muitos documentários sobre o continente africano em suas mais diversas manifestações, seja na tradição ou na modernidade. Sempre procuramos oferecer a visão mais ampla possível do papel da música na sociedade sem olhar fronteiras. Por outro lado, o Brasil é país de dimensões continentais que acaba sendo autorreferente. Prova disso é que somos o país que mais consome música própria no mundo. Furar esta percepção é muito difícil. Mas só para listar alguns filmes sobre a África que exibimos e que o pessoal de casa pode ser interessar, aqui vão alguns: “They have to kill us first”, “Topowa!”, “Punk In Africa” “Ethiopiques – Revolt of the Soul”, “Mama Africa”, “Mali Blues” “Suffering and Smiling” e o imprescindível “Fonko”.
Pra fechar, uma pergunta obrigatória para o curador do festival (hehe): quais são seus filmes favoritos dessa edição, aqueles que você tá buzinando no ouvido de todos os seus amigos “não perde, não perde”?
Faço aqui em forma de lista, mas por respeito, não falarei dos que estão em Competição:
– “Music For Black Pigeons” – filme para tocar sentidos. Acho lindo. Para mim o filme do ano.
– “Look At Me: XXXTENTACION”: retrato intrépido da Geração Z. Tem ritmo, linguagem, carisma e história.
– “Alter” – filme gostoso que mistura a ficção e documentário, humor e tristeza.
– “Carmine Street Guitars” – documentário simples, com personagens carismáticos feito a partir de uma ideia simples que todo mundo já teve “e se a gente fizer um filme sobre a loja?”. A diferença é que o diretor é o Ron Mann. Impossível não sair com um sorriso.
– “Licht: Stockhausen’s Legacy” – Um jeito divertido de entrar no universo de Stockhausen. O filme parece que vai ser um making of, depois que vai apostar por debates conceituais e acaba em babado. Acho que muita gente gostará deste filme.
– “Teenage” – Se você tem interesse em saber como chegamos até aqui – no que se refere a cultura pop – esse filme é imperdível. Filme antigo (passamos em 2014) e continua super difícil de ver. Aproveita e vem pro cinema!
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.