texto por Luciano Ferreira
‘Frengers’ é a junção das palavras ‘amigo’ e ‘estranho’ em inglês (‘friends’ e ‘stranger’). É um termo usado para definir alguém que não é exatamente um amigo, mas também não é um estranho. É ótimo para definir o tipo de relação que mantemos com um sem número de pessoas que em algum momento fizeram parte de nossa história de uma forma mais próxima ou forte e o tempo e a vida (em seus vários aspectos) tratou de distanciar. Por certo que todo mundo tem seus ‘frengers’, e se eles estão nesse panteão, não estão muito perto do coração. Já “Frengers” (o disco), esse tem tudo para estar bem perto do coração de quem travou contato com seu conciso conjunto de dez canções, seja lá atrás, quando do seu lançamento original, ou nesse momento de descobri-lo.
Com 20 anos completados em abril de seu lançamento, “Frengers” é o terceiro disco dos dinamarqueses do Mew, na época um quarteto formado por Jonas Bjerre (voz e instrumentos), Bo Madsen (guitarra), Johan Wohlert (baixo e backing) e Silas Utke Graae Jørgensen (bateria), todos da mesma região de Copenhague e ligados desde a infância, mas cuja amizade se solidificou na segunda parte do ensino fundamental.
Antes de seu álbum mais aclamado, o quarteto lançou dois álbuns muito bem recebidos em seu país natal, mas que não tiveram muita repercussão mundo afora: “A Triumph for Man” (1997) foi a estreia do grupo, lançado numa pequena tiragem (para a época) de apenas 2 mil cópias pela gravadora dinamarquesa Exlibris Musike – o disco foi produzido por Damon Tutunjian, do Swirlies. “Half the World is Watching Me” (2000), o segundo álbum, saiu pelo selo próprio do grupo, o Evil Office, e foi autoproduzido.
Lançado em 2003, “Frengers” marca o início da banda em uma grande gravadora, a Sony Music. O disco foi produzido por Rich Costey, produtor norte-americano que à época já tinha um currículo vasto, tendo trabalhado com o Muse, uma das bandas que, sonoramente, tem vários pontos de ligação com os dinamarqueses. Seis das dez faixas do álbum já haviam sido lançadas nos discos anteriores, uma no primeiro e cinco no segundo. Contrastar os resultados permite perceber o quanto o trabalho de Costey (é clichê, mas é fato!) elevou a sonoridade do Mew para um outro patamar.
O lado mais indie do primeiro disco e o lado mais pop do segundo surgem aqui harmonizados sob dois pilares principais: riffs poderosos de guitarra e elementos orquestrados arrepiantes, que pode ser resumido no resultado incrível alcançado com a regravação da belíssima (e radioheadiana) “Comforting Sounds” – faixa que por si só, em seus mais de oito minutos, define todo o álbum, que, no entanto, vai além disso em outras faixas tão boas quanto – e também no resultado final de “She Came Home For Christmas”.
Em uma entrevista de 2007, quando de sua turnê pelos Estados Unidos, o vocalista Jonas Bjerre afirmou que algo que sempre buscou para a música do grupo foi uma espécie de imprevisibilidade. Muito disso está presente ao longo de “Frengers” – e seria extrapolado no álbum seguinte, “And the Glass Handed Kites”, de 2005. Faixas como “Am I Wry? No” (trabalho de bateria fantástico), “156” e “Snow Brigade” trazem arranjos que exploram essa alternância dentro do arranjo. Por trabalharem com esse lado que oscila entre os momentos mais tranquilos e os mais intensos, a banda é comumente encaixada nos verbetes pos rock ou progressivo, e até chegaram a dizer que a sonoridade do Mew seria algo como “Queensryche meets Sigur Rós”.
A voz de Bjerre às vezes adquire um tom meio andrógino que era algo bastante comum em bandas surgidas naquele período, como Placebo e JJ72, por exemplo, ou estranho, como a de Jonathan Donahue, do Mercury Rev.
Com uma música rica em instrumentação, condensada harmonicamente em “Frengers”, é possível afirmar que há sim influências tanto do post rock quanto do rock progressivo na música do grupo, assim como do shoegaze e do indie e também do rock de arena. “Her Voice Is Beyond Her Years”, por exemplo, é puro indie rock ao melhor estilo Grandaddy. Já “Her Voice is Beyond Her Years” é aquele tipo de canção para ser tocada em grandes locais, com direito a isqueiros acessos e tudo, algo típico em canções encontráveis em álbuns do Muse.
É bom reencontrar “Frengers” 20 anos após seu lançamento e descobrir que ele não se tornou um “frenger” – em 2018, o álbum ganhou uma reedição especial para o mercado dinamarques com sete faixas extras e lançamento em streaming, vinil duplo e CD. Eis um disco que sempre esteve por perto, se não de todo, ao menos através da definitiva “Comforting Sounds”, presente na lista de faixas que entram fácil no Top 10 de grandes canções da vida. Ouça. Quem sabe ela não entra no seu Top 10…
– Luciano Ferreira é editor e redator na empresa Urge :: A Arte nos conforta e colabora com o Scream & Yell.