texto por Renan Guerra
Letrux lançou “Letrux aos Prantos”, seu segundo disco, no dia 13 de março de 2020. Produzido com auxílio do edital Natura Musical, o trabalho já estava finalizado e poucos poderiam prever o mundo no qual iríamos adentrar a partir dali. O lockdown derivado da Covid nos deixou trancados em casa e o disco de Letrux ganhou as cores da pandemia com todos aos prantos e aquele cheiro de álcool em gel nas mãos. A turnê do disco foi repetidas vezes adiada, os lançamentos ficaram confusos e Letícia (a pessoa por trás da persona) se isolou na antiga casa de veraneio de sua família, em São Pedro da Aldeia, no litoral do Rio de Janeiro.
Uma das entregas de Letrux para o edital Natura Musical seria a produção de pequenos vídeos, espécie de mini-documentários para a internet. Para essa tarefa, ela havia pedido o auxílio de Marcio Debellian, documentarista, diretor e produtor artístico que é próximo da artista e que já havia em outros momentos filmado muitas coisas de Letícia desde seus tempos de Letuce – seja como diretor ou como fã. Esse processo de trabalho se estendeu e pelas complexidades do isolamento social, acabou se transformando até o momento em que virou um filme de pouco mais de 30 minutos, algo pequeno demais para ser um longa-metragem e longo demais para ser um curta-metragem, mas com o tempo que o diretor e a artista sentiram ser necessário. E assim nasceu “Letrux – Viver é um Frenesi”.
O filme que chega agora, de forma gratuita, ao streaming do Sesc Digital, é uma espécie de aventura poética pela cabeça de Letrux, uma artista fervilhante, que nada de braçadas por entre ideias, poesias e piadas. E que tem em Marcio Debellian um ouvinte atento e um artista com um olhar único. Ele é responsável pelo excelente documentário “Fevereiros” (2019), sobre o enredo campeão da Mangueira que versava sobre Maria Bethânia. O diretor consegue uma façanha bastante rara, pois sabe como poucos adentrar na intimidade desses artistas sem ser uma coisa bisbilhoteira ou frívola, conseguindo sob suas lentes captar essa intimidade única que gera simplicidade e beleza.
“Letrux – Viver é um Frenesi” é um filme que fala sobre a vida de Letrux durante o isolamento e tateia a carreira da artista em suas múltiplas personas, mas que ganha corpo especialmente quanto toca nas intimidades mais singelas da artista: sua família, sua infância, seus verões em São Pedro da Aldeia, sua sanha artística e sua relação com a prima Marina, uma personagem fundamental em sua vida e que faleceu ainda na adolescência. Como parte desse movimento de investigação íntima, aparecem no documentário trechos de textos presentes no livro “Tudo que já nadei – Ressaca, Quebra-mar, Marolinhas” (Editora Planeta, 2021), lançado por Letrux ainda durante a pandemia de coronavírus e que resgata crônicas e poesias da artista.
De forma simples, “Letrux – Viver é um Frenesi” é uma espécie de polaroide desses tempos na vida de Letrux e refaz, em certa medida, esse caminho dela enquanto artista independente que conseguiu de algum modo furar as bolhas do nosso cenário musical e se expandir pelos ouvidos de diferentes públicos ao redor do Brasil. Assistimos ao filme em uma sessão do CineSesc, em São Paulo, que contava com ingressos gratuitos e a fila tomava conta da calçada da Rua Augusta, com um público que chegou cedo para assistir ao documentário. É bonito ver quanta gente é tocada pelo que Letrux diz e faz, e como reverbera de forma simbólica nessas pessoas. Com seu filme, Marcio Debellian consegue mostrar para esse público um pouco mais desse lado moleca e família de Letrux, ao mesmo tempo em que filma de forma bela as caraminholas de uma artista em constante reinvenção.
“Letrux – Viver é um frenesi” está disponível de forma gratuita no acervo do Sesc Digital. Assista!
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.