Ao vivo: FBC entrega pouco, muito pouco em baile no Sesc Pompeia

texto, fotos e vídeos por Bruno Capelas

Há mais de dois mil anos, o filósofo grego Aristóteles fez história com uma frase simples e que, se parece não fazer sentido matemático, tem muito significado dentro da vida cotidiana: “o todo é maior que a soma das partes”. É algo tão intrínseco à forma de viver ocidental (da política aos relacionamentos, passando por chavões corporativos do LinkedIn) que a gente até se surpreende quando um fenômeno natural não segue a essa regra. Fenômeno das paradas de sucesso de 2021 com o álbum “BAILE” (terceiro mais votado no Melhores do Ano Scream & Yell), o rapper mineiro FBC fugiu à lógica aristotélica ao se apresentar no Sesc Pompeia, em São Paulo, no último dia 22 de julho. Foi um show curto, concluído em cerca de uma hora e com diversos bons momentos. No entanto, ao ser analisada como um todo, a apresentação ficou distante da força e da contundência esperadas pela plateia.

Lançado no final de 2021, “BAILE” é um trabalho bastante específico dentro da trajetória do rapper: ao contrário de “Padrim” (2019) ou “Sexo, Cocaína e Assassinatos” (2018), esse é um disco de funk & miami bass, dançante e cheio de refrões para serem cantados com os dedos para cima. A ideia do DJ Vhoor, que acompanha Fabrício Soares há anos, primeiro foi descartada pelo mineiro, mas depois acabou dando certo – a ponto do disco levar a obra de FBC a um novo público, sejam os nostálgicos do funk 90, seja quem curtiu “Se Tá Solteira” como meme no TikTok. E se apesar de “BAILE” se conectar com vários pontos da cultura hip hop e com a carreira de FBC, ele traz uma sonoridade díspar ao que ele fez anteriormente. Não que isso seja um problema, mas a transição entre as duas personas foi bastante complicada no Sesc Pompeia.

Depois de uma discotecagem rápida e divertida de Vhoor com hits do funk, FBC subiu ao palco já em alta octanagem, emendando quatro canções de “BAILE” em uma porrada só. Com ingressos esgotados, não foi difícil para o rapper carregar o público no colo, dando a impressão de jogo ganho logo no começo da partida. Mas, após alguns instantes, algo estranho pairava no ar: a sensação de que alguém tinha só apertado o play nas bases do disco, sem deixar o aspecto “ao vivo” da apresentação transpirar. Era como se Vhoor, DJ dos mais talentosos da atualidade, estivesse apenas fazendo figuração. Mais que isso, era um certo desperdício. Afinal, parte da graça de levar um disco desses aos palcos consiste justamente no inesperado, no jogo típico que ainda justifica, noite após noite, que milhares de pessoas saiam de casa para ver um artista frente a frente, mesmo que a semana tenha ido mal, mal demais.

Na sequência, o funk deu lugar ao rap, em uma mudança de temperatura bastante sensível para os presentes. O que se viu foi uma clara divisão da plateia, na qual os fãs mais hardcore do mineiro curtiam a presença de faixas como “Se Eu Não Te Cantar”, de ótimo charme romântico, “se brotar” e “vale grana”, mas os não iniciados tinham dificuldade de entender o que estava acontecendo ali. É algo natural que aconteça quando um artista lança um trabalho um pouco fora de seu núcleo-duro, mas faltou sutileza na transição.

Iza Sabino

De destaque mesmo, vale citar o bom flow de Iza Sabino, que acompanhou FBC na mixtape “Best Duo” e tem excursionado com ele por aí – em alguns momentos, a velocidade da rapper de Santa Luzia deixou até o próprio Fabrício em segundo plano. Se por um lado, é interessante que FBC a valorize, dando espaço para que ela própria mostre suas canções, por outro acende-se um sinal amarelo – afinal, de quem é o nome nos ingressos?

Com 45 minutos de show no relógio, FBC voltou ao “BAILE” – e com ele, a sensação de um playback rolando, à exceção de um sample mais ou menos manjado de Claudinho e Buchecha (“Só Love”). Não que isso seja um problema para a plateia: a galera cantou o disco inteiro verso por verso, urrou com “Se Tá Solteira” e vibrou quando FBC falou bem de Lula e mal da polícia. Mas o que poderia ser um grande espetáculo, um show intenso, um baile de verdade, acaba soando mais como improviso – e nenhum momento evidencia mais isso que a hora em que FBC para a música para distribuir chinelos Kenner (“De Kenner, os cria da base tão de Kenner”, sacou?) para a plateia, em algo que parece menos espetáculo e mais ação de marketing ou encheção de linguiça.

Uma pena: em nem uma hora de show, FBC já se despediu, agradeceu e deixou Vhoor sozinho no palco. Foi bem pouco, muito pouco, ainda mais para uma plateia sedenta e que já chegou ao Sesc Pompeia na mão do rapper mineiro. Mais: com pedradas como “Se Tá Solteira”, “Delírios” e “Não Dá Pra Explicar” à mão em seu repertório, é fácil perceber por onde está a solução. Nada que um pouco de roteiro, troca de ordens nas músicas, manha na hora de estender uns refrões e um pouco mais de espaço para Vhoor mostrar o que sabe não resolvam. Quem sabe assim, o baile não fica 10/10? Ou, para seguir com Aristóteles, 12/10.

– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie, na Eldorado FM, e é autor de “Raios e Trovões – A história do fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum”, editado pela Summus Editorial. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.

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