A Capa do Disco: A arte censurada de um álbum do Manic Street Preachers

texto por Luciano Ferreira

Descrita como arte “inapropriada”, a capa de “Journal For Plague Lovers”, nono disco do Manic Street Preachers, lançado em 2009, foi censurada nas redes de supermercados do Reino Unido – dentre eles Tesco, Sainsbury’s, Morrisons e Asda –, e, com isso, as cópias passaram a ser armazenadas em estojos simples. “Sentimos que alguns clientes poderiam considerar essa capa de álbum em particular inadequada se fosse exibida com destaque na prateleira”, foi o argumento usado pelos representantes.

A arte da capa de de “Journal For Plague Lovers” utiliza uma pintura a óleo chamada “Stare” (2005), da artista Jenny Saville, representando o que parece ser um garoto com o rosto manchado de sangue. Não era a primeira vez que o Manics utilizava um trabalho de Jenny na capa de um álbum: “The Holy Bible” (1994) utilizava a pintura “Strategy (South Face/Front Face/North Face)”.

Jenny Saville faz parte do movimento The Young British Artists (YBA), grupo de artistas visuais que começaram a expor juntos em Londres em 1988. Artisticamente, os integrantes do YBA têm em comum o objetivo de criar arte provocativa e aberta quanto ao uso de materiais, utilizando para isso objetos do cotidiano (carcaça de animais, por exemplo) e temas controversos (pornografia, violência), com posicionamento politico de confronto dentro de uma sociedade conservadora. “The Physical Impossibilities Of Death In The Mind Of Someone Living” (1991), de Damien Hirst, “My Bed” (1998), de Tracey Emin, e “Everyone I Have Ever Slept With 1963 – 1995” (1995), de Tracey Emin, são algumas das obras icônicas do YBA.

O trabalho de criação de Jenny mostra a sua fascinação pelo corpo humano: “Se você trabalha com tinta óleo, como eu, acontece naturalmente. O corpo é a coisa mais linda para se pintar”. A artista de Cambridge utiliza bastante o corpo feminino (geralmente mulheres obesas) como tema, optando por retratar o corpo humano em sua forma mais natural possível, sem idealizações e com ângulos inusitados, às vezes disformes.

James Dean Bradfield, do Manics, em frente a obra de Jenny Saville que ilustra a capa do álbum “The Holy Bible”

A artista passou a trabalhar com modelos transgêneros e vítimas de traumas em suas obras. Seu auto-retrato “Plan” foi a peça de assinatura da apresentação Young British Artists III, de 1994. Para dar vida a seus trabalhos ela utiliza a pintura a óleo (oil on canvas), às vezes criando telas gigantescas.

Em 2018, “Propped” (213.4 x 182.9 cm), uma pintura de 1992, foi leiloada por mais de 12 milhões de dólares tornando-se, na época, o quadro mais caro de uma artista mulher viva – sua conquista foi ofuscada por um happening promovido por Banksy na mesma noite: a tela “Girl With Balloon” foi retalhada por uma máquina similar a um triturador de papel na frente de todos os presentes logo após ser leiloada.

“Propped”, de Jenny Saville

Voltando a “Stare”, James Dean Bradfield conta o que o impressionou na obra a ponto dele querer coloca-la na capa de um disco do Manics: “Só achamos que era uma bela pintura… se você está familiarizado com o trabalho (de Jenny Saville), há muitos ocres, marrons e vermelhos… Talvez as pessoas estejam procurando algo para dizer que somos mais provocativos do que realmente somos”, afirmou, chateado com a situação em relação a capa. “É bizarro que os supermercados realmente pensem que vai afetar a psique de qualquer pessoa”, acrescentou.

Produzido por Steve Albini, o nono disco do Manic Street Preachers traz letras escritas pelo ex-vocalista do Manics, Richey Edwards, que desapareceu em 1995 e foi dado como morto desde então. Musicalmente, a sonoridade árida do disco o aproxima de “The Holy Bible”, o que faz a escolha de obras de Jenny Saville para os dois álbuns soar bastante concisa.

Sobre o disco, o Manics contou na época: “Todas as 13 músicas apresentam letras deixadas para nós por Richey. O brilho e a inteligência das letras ditaram que tínhamos que finalmente usá-las. O uso da linguagem é impressionante e os tópicos incluem ‘A Grande Odalisca’, de Ingres, Marlon Brando, Giant Haystacks, celebridades, consumismo e dismorfia, todos reiterando o gênio e o intelecto de Richard James Edwards”.

Em relação a polêmica com a capa, Bradfield finalizou a posição da banda de forma firme sem arredar o pé de sua escolha: “Você pode ter lindas nádegas brilhantes e armas em capas de revistas e CD’s em todos os supermercados, mas se você mostra uma obra de arte as pessoas simplesmente enlouquecem… Não vamos censurá-la nem nada… Simplesmente é o que é”. Como reconhecimento, a capa ficou em segundo lugar na premiação Best Art Vinyl, que escolhe, dentre 50 candidatas, as capas mais emblemáticas do ano desde 2005. “The Resistance”, do Muse, ficou em primeiro lugar em 2009.

 Luciano Ferreira é editor e redator na empresa Urge :: A Arte nos conforta e colabora com o Scream & Yell.

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