Cinema: “Aline – A Voz do Amor”, de Valérie Lemercier, transforma a vida de Céline Dion em uma comédia romântica saborosa

texto por Renan Guerra

As cinebiografias sobre o universo da música se transformaram quase em um subgênero do cinema, com seus clichês, jargões e questões. É sempre um desafio resumir a vida de um artista em uma história de duas horas e muitas vezes esses filmes se perdem em um retrato que tenta dar conta de muitas complexidades em poucos minutos de tela. A francesa Valérie Lemercier foi na contramão de tudo isso na hora de levar às telas a vida da canadense Céline Dion.

“Aline – A Voz do Amor” (“Aline”, 2020), lançado em junho nos cinemas brasileiros pela Imovision, é livremente inspirado na vida da Céline, ou seja, não tem autorização da artista. E isso não é um problema, pois o filme não busca ser um retrato fidedigno da vida e da carreira da cantora. Lemercier assume aqui função tripla: direção, roteiro e o papel da protagonista. Atriz respeitada no cinema francês, Valérie transita entre o drama e a comédia popular de forma bastante segura – seu rosto pode ser reconhecido pelos filmes “O Pequeno Nicolau” (2009) e “As Férias do Pequeno Nicolau” (2014), que vira e mexe frequentam a Sessão da Tarde.

Valérie Lemercier foi agraciada em 2022 com o seu terceiro César de atuação, “Aline” lhe rendeu o prêmio de Melhor Atriz, naquele que ela própria considera como o papel de sua carreira. E não é para menos. Sua transmutação de Céline em Aline é o grande trunfo de seu filme: com uma atuação galhofeira e caricatural, mas extremamente humana, ela nos aproxima dessa personagem desde o começo. Falando em começo, a pequena Aline, ainda no final da infância, já é interpretada por Valérie, em efeito engraçado que dá o tom de um filme que não se leva a sério demais.

O trunfo da obra é não tentar emular a realidade indo pelo caminho contrário, fugindo dela e criando um mundo meio fantasioso, meio mágico e fora do nosso cotidiano comum. Isso fica claro nos tons que compõem as cenas e nos usos de cores claras no filme, como o branco, que traz certa energia onírica. Além disso, o roteiro traz um recorte temporal bem específico: nosso foco é Aline, sua carreira e sua paixão fulminante por Guy-Claude Kamar (Sylvain Marcel), seu produtor, muitos anos mais velho que ela – Guy é, claro, inspirado em René Angélil, marido de Céline durante muitos anos. O filme é bastante centrado nesses pontos simples e não dá espaço para o desenvolvimento de subtramas ou de personagens secundários, o que é positivo para a quantidade de história a ser desenvolvida.

Esse recorte amoroso transforma o filme em um romance delicado, em uma espécie de comédia romântica na qual acompanhamos as dificuldades que uma relação com uma grande diferença de idade pode enfrentar, bem como as dificuldades para Aline engravidar e as complexidades do envelhecimento desse amor. Bem-humorado, “Aline” consegue encantar fãs de Céline Dion e pessoas que não tenham nenhum contato com a obra da artista, pois na tela o que vemos é uma pequena fábula sobre essa garota cheia de sonhos e trabalhos que é Aline.

Uma carta aberta de amor para Céline, “Aline – A Voz do Amor” causa essa mesma paixão nos fãs da cantora. Na estreia do filme no Reserva Cultural, em São Paulo, os fãs se reuniam tanto ao lado de Lilian de Melo, sósia brasileira de Céline Dion, para fotos, quanto cantaram as canções ao longo do filme (mesmo aquelas em francês) e, ao final da sessão, aplaudiram os créditos que subiam. E faz sentido essa reação acalorada, pois o filme de Lemercier é esse bálsamo em tempos tão nebulosos. Mesmo em suas passagens mais dolorosas e emocionantes, o filme ainda tem esse tom de pequeno conto de amor. A experiência de se desligar durante duas horas do mundo e adentrar ao universo de Céline/Aline, com todo o glamour e o mistério que há nas grandes divas, é uma experiência acolhedora e cheia de carisma.

No final das contas, “Aline – A voz do amor” é um filme para diferentes públicos: para quem ama música e quem ama Céline Dion, para quem ama histórias de amor, para quem ama filmes que nos fazem esquecer da realidade, para quem ama.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava

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