texto por Bruno Lisboa
Não é de hoje que se discute a importância e o papel das artes em contextos de transformação social. Se fizermos um breve retrospecto, orientado para nossa história recente (mais precisamente no século passado), é notável e admirável pensar que muitas das conquistas sociais de outrora foram construídas através da luta em que a interface entre o público e a classe artística foram fundamentais.
Desta feita, conhecer a trajetória de artistas, que conseguiram mobilizar multidões, é fundamental para poder (re)pensar nossas realidades. Mas nesse contexto, qual é o papel a ser atribuído a uma casa de espetáculos? Será que ela pode assumir protagonismo e ser tão importante quanto ao próprio artista em si? As respostas para essas perguntas são respondidas no documentário “The Apollo – The Soul of American Culture” (2019), disponível para assinantes do HBO Max.
Com direção de Roger Ross Williams, vencedor Oscar em 2010 pelo curta-metragem “Music by Prudence”, o documentário sobre a lendária casa de shows localizada no Harlem, bairro majoritariamente negro de Nova York, é uma justa homenagem a um dos espaços culturais mais tradicionais e históricos dos EUA: o teatro Apollo.
Fundado em 1913, o teatro Apollo, a sua maneira, serviu de espaço para que, essencialmente, artistas negros tivessem um lugar para se apresentar. A audaciosa escolha contrariaria a ordem racista vigente a época e atendeu em cheio aos anseios de uma comunidade que não se via representada.
Ao longo de seu centenário o Apollo abraçou manifestações artísticas indistintas, indo desde apresentações musicais a teatrais, passando por shows de stand up. A tamanha abertura e a atenção a novos artistas fizeram com que figuras hoje eternizadas, como Billie Holiday e James Brown, construíssem ali suas carreiras e identidades para o público. Brown, inclusive, tem uma trajetória intrínseca com a casa. O cantor se apresentou por ali mais de 200 vezes e gravou quatro álbuns ao vivo no local – os dois primeiros volumes, de 1963 e 1967, são discoteca básica.
Musicalmente, a casa serviu também para que ícones do jazz, da disco music, do funk, soul e do rap fossem abrigados e realizassem apresentações antológicas para públicos seletos de 1500 pessoas por noite.
Acertadamente, o documentário aborda uma das ações mais tradicionais do espaço, a “amateur night”, momento em que o teatro cede espaço para que novos artistas se apresentem. Foi numa noite como essa que Lauryn Hill debutou aos 13 anos e voltaria tempos depois, como a estrela que é, com os Fugees. A iniciativa segue até hoje na programação da casa.
Por mais que o filme peque na cronologia, o rico acervo de imagens e depoimentos de gente como Pharrel Williams, Angela Basset, Jamie Foxx e Smokey Robinson, entre tantos, compensa e traduz a importância cultural que toda a cadeia artística tem para produzir novas realidades.
Espaços como o teatro Apollo não são apenas importantes, mas absolutamente necessários em qualquer cidade e, muito provavelmente, a sua cidade abrigue um espaço desses, caro leitor, em talvez menor escala e impacto históricos, mas tão importante quanto para o desenvolvimento cultural da sociedade local.
Em Belo Horizonte, iniciativas como a da casa de shows A Autêntica e o Tranquilo BH, que cedem espaço para novas manifestações culturais voltadas ao universo da música, mantém vivo o legado do Apollo como também a arte em si. Em tempos como os nossos espaços como esses são essenciais para nos mantermos vivos. Valorize-os.
– Bruno Lisboa escreve no Scream & Yell desde 2014.