Faixa a faixa: “Poder Supremo”, de Bruno Morais

introdução por Renan Guerra

Bruno Morais tem uma carreira longa como cantor, compositor e produtor musical. Lançou dois álbuns e quatro Eps. Seu segundo disco, “A Vontade Superstar”, lançado oficialmente no Brasil em 2009 e nos EUA e Europa em 2012, ganhou destaque entre críticos brasileiros e do exterior. Entre o segundo disco e o mais recente se vão quase 13 anos e isso tem uma explicação: “Poder Supremo” (2022) é um projeto de imersão, de troca e de construções sonoras.

“Música é feitiço, xamã e antídoto; e gravar um álbum é uma espécie de rito”, explica Bruno. Isso se confirma com o caráter místico e psicodélico de “Poder Supremo”: funk, spiritual jazz, neo soul, afro jazz, samba soul e bossa nova ajudam a formar um caldeirão de referências que ainda conta com outras frentes de interesse do artista, como ficção científica, teatro imersivo, cinema e dança. Com concepção, produção e direção geral de Bruno e coprodução de Guilherme Kastrup e Maurício Fleury, “Poder Supremo” é uma coleção de experimentos, canções pop, interferências sensoriais, alinhave de memórias e outras coisas mais.

“Poder Supremo” é um disco robusto: 17 canções fecham quase uma hora de música e, para produzir e criar isso tudo, Bruno Morais contou com uma lista potente de colaboradores: Guilherme Held, Bixiga 70, Juçara Marçal, Thiago França, Julia Lemmertz, Kika e Anelis Assumpção, Russell Elevado, Leon Ware, Riley Mackin, entre outros. Em um faixa a faixa especial para o Scream & Yell, o disco “Poder Supremo” é esmiuçado em seus detalhes e todas essas participações, trocas e referências são apresentadas. Aproveite o material abaixo como uma espécie de mapa para adentrar no universo de Bruno Morais:

01)“De Olhos Abertos”
É uma releitura analógica da gravação capitaneada por Guto Graça Mello, Nelson Motta e Waltel Branco para a novela “Cavalo de Aço”, de 1973. Com os sintetizadores de Arthur Joly e Thiago França, base de Bruno Buarque e Marcelo Dworecki, um time de vozes celestiais em rearranjos e contracantos, a faixa funciona como uma espécie de prólogo.

02) “Para Alguém no Deserto”
Gravada e criada em apenas um take, é o abre-alas do disco e apresenta o quarteto de vozes que aparece em vários outros momentos: Anelis Assumpção, Lia Aroeira, Mariah Rocha e Kika com quem Bruno criou os arranjos de voz e conduziu grande parte das gravações de coro e backing vocals de “Poder Supremo”. Nos sopros, o naipe da banda Bixiga 70 e Thiago França compõem a tripulação que abre os trabalhos por aqui. A faixa foi mixada pelo engenheiro de áudio Russel Elevado.

03) “Seed”
De mãos dadas com a faixa anterior, parceria de Bruno com o amigo, lenda do soul e do “quiet storm” Leon Ware (1940-2017), a gravação tem vocais da cantora e compositora Rebecca Jordan, que já escreveu para John Legend, Alice Smith e Prince, e brilha nos vocais dos álbuns autorais do produtor Adrian Younge. Com arranjos de cordas de Maurício Fleury, Buda Nascimento e Victor Rice no violoncelo, a música é adornada por sintetizadores modulares de Arthur Joly e mixagem de Russell Elevado.

04) “Clarão”
Essa faixa tem a primeira aparição da formação completa da banda Bixiga 70 no álbum, traz também o quarteto de vozes citado acima e ainda participação de Guilherme Held com sons, synths e efeitos que atravessam a faixa toda.

05) “Rosa”
É um interlúdio e tem a voz da escritora Rosa Montero em entrevista, dando um spoiler sobre o fim de um de seus primeiros romances para explicar seu processo de criação. Para iluminar o fluxo de pensamento de Rosa, as luminescências dos sintetizadores de Arthur Joly planam sobre sons de fita k7, space ecos, arranjos vocais e melismas de Bruno.

06) “Divindade”
Canção de Walter Franco gravada por Amelinha, em 1979, no lendário álbum “Frevo Mulher”, acompanhou Bruno por toda a vida. Foi o primeiro LP que ganhou na infância junto de sua primeira vitrola. Na faixa, Bruno apresenta sua releitura gravada ao vivo com Bixiga 70, o quarteto fantástico de vozes e Guilherme Held com Cris Scabello nas guitarras. Tudo isso misturado pelo alquimista Russell Elevado.

07) “Onironauta”
É uma parceria com Kika e a primeira aparição no álbum da banda que acompanha Bruno desde 2008: Guilherme Kastrup, Ricardo Prado e Estevan Sinkovitz. Com mais uma mix de Russell Elevado, a faixa tem mellotron psicodélico de Maurício Fleury emulando cordas e flautas que se derretem e se diluem nos outros sons da base de Guilherme Kastrup, linha de baixo de Victor Rice e guitarras lisérgicas de Guilherme Held e Estevan Sinkovitz. A canção teve papel central e determinante na construção do conceito do álbum. O clipe já ultrapassou 215 mil views no Youtube.

08) “Cena de Filme”
Conta com participação de Toby Laing da banda neozelandesa Fat Freddy’s Drop, que arranjou e gravou os sopros e arranjo de cordas de Maurício Fleury e Buda Nascimento.

09) “A Louca (interlúdio)”
Sobre arranjos de sopros extraídos das gravações de “Clarão”, a atriz Julia Lemmertz flutua e interpreta quase que melodicamente as palavras acesas de Rosa Montero no livro “A Louca da Casa”. Palavras essas que geraram a inspiração motriz do álbum.

10) “C’oração”
De Suely Mesquita, Kali C. e Marcela Biasi, a canção uterina foi feita há quase 20 anos e Bruno estava presente. A faixa até então inédita foi coproduzida por Benjamin Tierney, engenheiro de som e produtor californiano responsável pelo premiado álbum “Epic” de Kamasi Washington, dentre outros. O arranjo traz ainda parceiros de outros projetos, o baixista Fábio Sá e o guitarrista Marcelo Sanchez.

11) “Love”
O disco “Take a Picture” de 1968 da cantora e compositora Margo Guryan é referência e inspiração para Bruno há muitos anos e a ideia de regravar “Love” nasceu dentro do estúdio. Gravação ao vivo com a banda base de Bruno, sob solos e improvisos vocais de Anelis Assumpção e Juçara Marçal, palavras de Margot, improvisos, psicodelia em mixagem de Russell Elevado.

12) “Faca”
Uma parceria de Bruno com Romulo Fróes. Tem arranjo base que evoca os álbuns de Amelinha, Cátia de França e Quinteto Violado nos anos 1970 e conta com os beats de Guilherme Kastrup, percussão de Rômulo Nardes e violão de aço de Marcelo Dworecki. A mixagem ficou por conta do premiado Riley Mackin que gravou e mixou os álbuns “Awaken my Love”, “5.19.20” e o single “This is America” de Childish Gambino.

13) “Cores”
Uma parceria inédita de Bruno com a cantora Lulina que ganhou melodia extra de Kika durante as gravações. A faixa também foi mixada por Riley Mackin e aposta na lisergia e na ambiência trepidante da confusão proposta por Bruno. Com arranjos de Cuca Ferreira, Bruno e Kika, a canção traz ainda Richard Fermino nas flautas, quarteto de vozes que se somam à voz mansa de Marcela Biasi no coro e a banda base que evoca The Meters, Sly and the Family Stone e outros funks.

14) “Molly (interlúdio)”
Trecho da peça “Molly Sweeney” de Brian Friel, baseada nos estudos de Oliver Sacks, é interpretada por Julia Lemmertz que encenou a peça em 2006 e encarna novamente a personagem aqui rodeada de arranjos vocais de Bruno e do artista DESAMPA em mergulho cego rumo aos prazeres profundos do nado sensorial.

15) “Fly Away”
Parceira e amiga de Bruno desde 2005, a norte-americana Anya é cantora, compositora, produtora e videomaker. Esteve envolvida também nas gravações de “A Vontade Superstar” de Bruno e “No Chão Sem o Chão” de Romulo Fróes. Anya gravou à distância os vocais e a mixagem inspirada é de Victor Rice. Tem ainda viola caipira temperada, baixo de Ricardo Prado e guitarras de Estevan Sinkovitz.

16) “Verão”
Canção de Bruno com guitarras de Guilherme Held, vocais do quarteto de vozes, desta vez com Kika em destaque; arranjos, flugelhorn e sopros de Toby Laing, mixagem de Riley Mackin. A música encerra com frase de Ursula K Le Guin sobre a beleza nos retornos e caminhos de volta. “True journey is return”.

17) “Supremo Poder”
A faixa anterior aterrissa nesse samba-tesouro praticamente extinto da vida moderna. A canção de Fernando Martins e Victor Simon gravada pelos Vocalistas Tropicais em 78 RPM, lançada pela Odeon em 1950 é uma ode aos poderes supremos e restauradores do amor, da alteridade e da empatia. O arranjo de inspiração cubana tem participação de grande parte dos colaboradores do disco, a guitarra baiana do mestre Roberto Barreto do BaianaSystem e mixagem de Russell Elevado.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava

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