entrevista por Bruno Capelas
Diretamente de Los Angeles, o Cheekface talvez seja um dos segredos mais bem guardados do mundo indie hoje em dia. Riffs repetitivos e pegajosos, backing vocals tão enérgicos quanto irônicos, letras cheias de trocadilhos e muita energia (alguém falou em Pavement?) são a base do som do grupo, dono de um dos discos mais interessantes de 2021, “Empathically No.”.
Apesar de ter sido integralmente composto antes da pandemia, o álbum está cheio de canções espertas que versam sobre ansiedade, terapia, trabalho remoto, uma recorrente sensação de se sentir sozinho e uma série de outras coisas que todos nós vivemos nos últimos dois anos, servindo como uma grande trilha sonora do fim do mundo. “Acho que a pandemia só acelerou a velocidade de alguns movimentos que já estavam acontecendo, como a solidão e o isolamento”, diz Greg Katz, vocalista e guitarrista do Cheekface, ao Scream & Yell.
Bastante prolífico, o grupo formado em 2017 tem dois discos cheios na praça (“Therapy Island”, de 2019, foi o primeiro), além de uma porção de músicas avulsas. Só depois de “Emphatically No.”, o Cheekface já lançou quatro singles e um EP de quatro faixas, indo na contramão do mundo indie, onde lançar um disco e depois sumir por anos ainda parece ser a regra. Mas o grupo angeleno, que conta ainda com Amanda ‘Mandy’ Tannen no baixo e Mark ‘Echo’ Edwards na bateria, não está muito aí para as convenções – nem para o que os outros pensam.
“Nunca imaginamos que teríamos público com o Cheekface, nosso propósito era só nos divertirmos e escrever músicas. E se a gente gastou tempo para escrever e gravar uma música, deveríamos lançar. O que há de bom em guardar uma música no meu disco rígido?”, questiona Katz, que também não liga se você acha que ter uma banda de rock é meio brega. “É algo que faz sentido se você gosta de coisas divertidas.”
No papo a seguir, realizado em uma chamada via Zoom (onde mais?) no início de 2021, Greg Katz fala mais sobre a história do Cheekface, o processo de composição da banda e o status quo de ser um grupo independente e bastante político (ouça “Original Composition” e tente não rir… de desespero) em um momento complexo da indústria fonográfica – o tema da semana quando a entrevista foi feita era a saída de Neil Young do Spotify, em protesto ao apoio dado pelo serviço de streaming ao negacionista Joe Rogan.
“A superestrutura capitalista que envolve toda a troca de dinheiro e de recursos por arte… ela é necessariamente impura. Os artistas podem optar ou não por estar dentro dessa estrutura. Mas… para mim, é mais legal compartilhar essas músicas do que não dividi-las com ninguém”, afirma o artista, que nas horas não vagas já foi repórter de música e hoje trabalha com… música. Ah, e caso você esteja se perguntando, Katz também faz terapia há muito tempo – e recomenda a quem está em dúvida sobre o assunto. “Minha terapeuta acha muito legal que o Cheekface tem fãs”, diz. Até o final dessa entrevista, talvez você já seja um deles.
Greg, você já foi jornalista de música e sabe que o começo de entrevistas às vezes podem ser um pouco chatos. Mas vamos lá: como foi o início do Cheekface? Li recentemente que vocês começaram a banda porque Trump ganhou a eleição em 2016. É isso mesmo?
Não sei se é exatamente isso. A história é mais ou menos assim: minha companheira me apresentou à Mandy [a baixista Amanda Tannen], elas já eram amigas antes. E eu e Mandy começamos a escrever, eventualmente, em 2017. E havia aquele clima: Trump era o novo presidente dos EUA e a gente queria criar algo, porque o mundo parecia algo muito destrutivo na época. Vamos criar em vez de destruir, sabe? E aí começamos a escrever músicas, percebemos que tínhamos algo rolando, um caminho… e cinco anos depois, estamos aqui, ainda fazendo a mesma coisa.
Ainda faz sentido ter uma banda de rock em 2022?
Tudo que eu posso dizer é que me divirto muito. Mandy e Echo [o baterista Mark Echo Edwards] também, então para nós três isso faz sentido. Faz sentido ter uma banda de rock se você gosta de coisas divertidas.
E como você explicaria o que significa Cheekface para alguém que não é um falante nativo de inglês?
Não sei como fazer isso! Na verdade, não temos muitos fãs fora dos Estados Unidos. Primeiro, porque nós somos uma banda que tem músicas cheias de palavras. E segundo, porque mesmo se você fala inglês, muitas das nossas referências são meio… americanas demais? Eu sempre fico surpreso quando descubro que alguém no Brasil, na Alemanha ou nas Filipinas gosta da gente. Fico surpreso que as coisas não se percam na tradução.
Isso é algo curioso… sinto que alguns artistas não são bem compreendidos aqui no Brasil justamente por esse aspecto mais lírico. Bruce Springsteen, ou Bob Dylan, por exemplo. Por outro lado, sinto que dependendo do bairro que você mora em uma cidade como São Paulo, a realidade é mais parecida com Los Angeles ou São Francisco do que com uma cidade no interior do Brasil.
É interessante, sabe? Quando a gente começou a banda, confesso que não me sentia muito perto da música que estava sendo feita aqui em Los Angeles. O Cheekface é uma banda que parecia mais com o som que as pessoas fazem na Costa Leste, na Filadélfia, no Brooklyn, em Boston e talvez em Chicago, do que o som que é feito aqui na Costa Oeste. Mas ao mesmo tempo, esse estilo de cantar de um jeito meio falado está voltando à moda e sinto que agora tem mais bandas na região de LA que se parecem com a gente.
Você já teve várias bandas, foi jornalista de música e hoje trabalha com isso. Como é que você se envolveu com essa coisa esquisita que é a música?
Eu sempre gostei de música, desde criança. Aprendi a tocar piano, depois violão… eu só amo música, sabe? Não há nada mais profundo que isso, acho.
Ao mesmo tempo, é um sentimento bem profundo…
Sim!
Queria falar um pouco sobre “Emphatically No.”. Como vocês se desenvolveram como banda entre o primeiro e o segundo disco?
Essa é uma boa pergunta. Em “Therapy Island”, eu e Mandy estávamos descobrindo várias coisas enquanto banda, estávamos tentando descobrir qual era o jeito certo de se fazer uma música. Acho que só percebemos o que a gente queria fazer quando acabamos o disco. Mas, no começo, a gente só estava tentando descobrir. E acho que isso faz parte do processo: entender o que é verdadeiro dentro de um projeto novo. Se você ouvir “Therapy Island” com atenção, você vai ver eu e Mandy tentando vários jeitos de escrever uma música. E aí começamos a escrever “Empathically No.” basicamente logo depois de lançar “Therapy Island”, foi uma coisa bem em cima da outra. Mas a gente já tinha aprendido algumas lições sobre como nossas músicas, melodias e letras iam funcionar, a gente entendeu e unificou as principais coisas. Não é só isso, mas acho que também algumas assinaturas sônicas da banda, como a simplicidade sônica, a clareza. A gente foi aprendendo, sabe? Reverb, por exemplo. A gente percebeu que não queria usar muito reverb, queríamos que tudo fosse claro, jogado na cara dos ouvintes, sabe? E da mesma forma com o canto e as letras. Em uma banda que tem tantas letras, a gente queria que a mensagem fosse a mais clara o possível. Nós temos muito orgulho das nossas letras, elas são um trabalho de amor entre eu e Mandy. E queríamos que as pessoas ouvissem tudo, não queríamos que você precisasse prestar atenção na letra a ponto de precisar ficar lendo a letra junto enquanto ouve a música. Claro, eu amo o My Bloody Valentine e tem letras deles que até hoje não sei o que significam, mesmo que eu as escute há mais de uma década. Gosto disso, mas… acho que isso não é para o Cheekface.
Como é o processo que vocês fazem para escrever uma música? Às vezes tenho a sensação de que as letras do Cheekface são uma reunião de tweets muito bons – e eu devo dizer que eu adoro o Twitter da banda. Mas é assim mesmo que funciona?
Sou eu quem cuida da nossa conta no Twitter, para o bem ou para o mal, mas o Twitter é só um lugar para falar merda e ver outras pessoas falando merda. Definitivamente, eu nunca testaria uma canção ou uma letra no Twitter.
Tipo um Teste A/B?
Não, não (risos). O Twitter é só um lugar para se divertir. Mas o que acontece é que tenho muita coisa guardada no aplicativo do Notes: ideias de letras, observações, pequenos poemas. Eu vou anotando essas coisas no Notes… se uma ideia é estúpida o suficiente, eu anoto e guardo no Notes. E às vezes eu e Mandy sentamos juntos e escrevemos riffs, ou mudanças de acordes, e vamos desenvolvendo as ideias. Gravamos as ideias no Garage Band e vamos tentando escrever letras em cima dessas ideias. Às vezes, é um processo tão simples quanto eu lendo as anotações do celular e vendo se consigo cantar alguma coisa que está ali. Se consigo um verso, pronto, dá para começar uma música. Não é um conceito, mas um lugar para se começar. “I Only Say I’m Sorry When I’m Wrong Now” , do primeiro disco, foi assim. Tem um verso que é “eu só falo merda se eu pensei sobre isso antes”, e eu comecei a cantar em cima disso. Mandy ouviu e falou: pô, isso é legal. E aí começamos a pensar sobre o que aquele verso significava: eram sobre coisas que você deveria fazer, mas não faz. Se você fala merda, você não pensa no que diz: você só sai falando, né? E aí começamos a pensar em outras coisas que são coisas que você devia fazer, mas não faz. Tipo só pedir desculpas se você sente que está errado. É por aí.
Parte desse processo que você descreveu me pareceu bem… digital. Como foi o processo de composição de vocês durante a pandemia? Vocês conseguiram compor via Zoom? Como funciona isso?
Bem, a gente não se reuniu fisicamente para escrever entre março de 2020 e março de 2021. Tem coisas que você precisa fazer ao vivo, mesmo com a pandemia rolando, mas escrever músicas não era uma delas. Nós tínhamos um fluxo bastante intenso de composição, mandando ideias para lá e para cá. E era algo parecido com o que fazíamos em uma sala: gravávamos um riff de guitarra ou uma linha de baixo e íamos adicionando essas coisas, trocando gravações do Garage Band. E aí de vez em quando nos encontrávamos no Zoom para criar melodias e letras. Nosso último single, “Featured Singer”, começou com uma mudança de acordes que eu mandei para Mandy. Ela escreveu uma linha de baixo, e era tão boa, que decidimos começar uma nova música a partir daqueles quatro compassos de linha de baixo. Comecei a fuçar meu aplicativo e tinha esse poema no meu app sobre como seria ser o vocalista de uma daquelas bandas de EDM que tocam no Coachella. E aí fiquei pensando sobre a pandemia… É difícil ser uma banda na pandemia! Uma banda depende muito da interação entre seus membros, e é mais fácil fazer música eletrônica à distância, porque é algo que você já faz no seu computador. Aí é mais fácil colocar um vocal, porque você já canta por cima de uma faixa que está quase pronta. Ainda dá para fazer uma música incrível sem precisar juntar pessoas numa sala, sem todo o processo de uma banda. Eu só li tudo o que tinha escrito em cima daquela linha de baixo, mandei para Mandy, e ela achou incrível e fomos em frente. Escrevemos o resto da letra e a melodia no Zoom, até mesmo o cowbell! Nós seguimos escrevendo mesmo com a pandemia. Claro, tem músicas que nós começamos antes da pandemia e que decidimos que precisávamos acabar juntos, na mesma sala. Foi o caso de “We Need a Bigger Dumpster”, que nós lançamos no final de 2021. Nós gostamos de escrever músicas, e esse é o propósito da banda. Nunca imaginamos que teríamos público com o Cheekface. Quando você começa uma banda, você normalmente pensa em sucesso, em ter um contrato com uma gravadora, tocar no Lollapalooza ou na rádio, ir numa turnê com sua banda favorita, ver a plateia cantando suas letras… mas o nosso propósito era se divertir e escrever músicas. Com a pandemia, decidimos que íamos continuar escrevendo. Claro, atrapalhou nosso fluxo, mas nós conseguimos nos adaptar.
Uma coisa que chama a atenção é que muitas das letras de “Empathically No” lembram muito o período de isolamento do começo da pandemia, como “Crying Back” ou a parte sobre trabalhar remotamente em “Best Life”. Mas aquelas letras foram escritas antes da pandemia, certo? Como você se sente quanto a isso?
Muita gente já nos disse que achou que o disco fosse sobre a pandemia. Acho que a pandemia, na verdade, só acelerou a velocidade e intensidade de vários movimentos que já estavam acontecendo. Solidão e isolamento eram coisas que as pessoas já estavam sentindo, eu e Mandy estávamos sentindo isso. Não é sobre a pandemia, sabe? É sobre… se sentir sozinho, mesmo, porque era assim que eu me sentia. A mesma coisa sobre as canções que falam sobre ficar olhando para muitas telas… claro, isso aumentou por conta da pandemia, mas a gente já estava vivendo assim antes. A mesma coisa sobre essa classe de pessoas que trabalha de seus laptops, em um café bonitinho, isso também já estava acontecendo antes da pandemia. Trabalho remoto já existia antes da covid-19, sabe, e a gente viu isso rolar antes de tudo começar. Claro, há algumas letras meio estranhas. Muita gente acha curioso o verso “eu adoro tocar em coisas que muita gente já tocou” (“I love to touch things a lot of people have touched”, de “Emotional Rent Control”), que pode soar meio premonitório, sabe? No começo da pandemia, o problema era justamente esse, era juntar seus germes com o de outras pessoas… mas essa sensação é meio universal também.
Ou seja, não devo acreditar em nenhuma teoria da conspiração de que o Cheekface criou o vírus da covid-19 junto com Bill Gates em um laboratório?
Adoraria dizer que fui na minha cartomante e ela me disse que haveria uma pandemia, que nós ficaríamos isolados e que eu deveria escrever músicas sobre isso… mas não é verdade.
Terapia é um tema muito frequente nas canções do Cheekface. O que a sua terapeuta acha das suas músicas?
Minha terapeuta acha muito legal que o Cheekface tem fãs. Acho que é basicamente isso que ela sabe sobre a banda.
Sério? Você não fala sobre a banda?
Ah, às vezes eu falo… mas sabe como é quando terapeutas te perguntam o que você gosta quando você está se sentindo meio para baixo? E aí aquela coisa de “por que você não faz mais as coisas que você gosta?”. Esse é meio que o contexto do Cheekface na terapia: “ah, você parece para baixo, mas você também fica para baixo enquanto está tocando?” “Sim, ainda é legal…” [faz uma voz meio besta].
E você acha que terapia é para todo mundo?
Eu… só posso falar da minha própria experiência. Eu faço terapia há muito tempo e sempre achei que ajudou muito. Nem sempre fez as coisas ficarem melhores, às vezes ficaram piores, mas sempre foi algo que eu achei útil. E eu nunca tive vergonha de fazer terapia. Qualquer pessoa que estiver lendo esta entrevista com o cara do Cheekface e estiver pensando em fazer terapia… faça! Vai te ajudar.
Muitas resenhas comparam vocês com o Pavement, o Talking Heads, o Blur e outras bandas com letras cheias de palavras. Como você vê essas comparações? Acha que as pessoas estão entendendo errado ou não pegando alguma coisa do som de vocês?
Eu e Mandy amamos o Pavement, o Talking Heads e o Blur. É incrível que estejam nos comparando a eles.
Outra banda da qual eu lembrei escutando o Cheekface é o Art Brut, que começou com um disco incrível [“Bang Bang Rock’n Roll”, de 2005] e depois ficou… meio perdida. Isso é algo que pode acontecer com bandas que usam o humor – elas começam bem e depois, não ficam tão bem. Você tem medo de que a piada perca a graça?
Não. [faz uma pausa]. A gente faz essa banda para se divertir. Se as pessoas pensarem que a gente era bom e agora a gente é um saco, está tudo bem. Só vamos parar quando a gente parar de se divertir, não importa se as outras pessoas gostam ou não.
O Cheekface também é uma banda que lança muitas músicas. Em dois anos, a banda lançou dois discos, um EP e alguns singles. Por que lançar tanto, ainda mais numa época em que as bandas demoram anos para soltar um disco?
Bem, a gente gosta de escrever músicas e de gravá-las também. Se a gente gastou tempo para escrever e gravar, então a gente deveria lançar. O que há de bom em guardar essas músicas no meu disco rígido? Nada! Então, a gente lança tudo no mundo. Quando a gente ama de verdade uma música, a gente só lança.
Nada de guardar músicas para um disco?
Não. A verdade é que, quanto mais a gente gosta de uma música, maior é a pressão que a gente se coloca para simplesmente colocá-la no mundo. É uma pressão interna! Além disso… pode parecer estranho uma banda lançar tantas músicas, mas na verdade acho que isso é uma coisa do mundo indie. Artistas de outros gêneros lançam músicas a qualquer momento, se eles gostam das músicas, sabe. Acho que só o indie ainda tem essa coisa de “lance um disco a cada dois anos, depois suma por um tempo…”. E honestamente, acho que isso também está caindo em desuso. Artistas como Soccer Mommy e Phoebe Bridgers estão lançando mais coisas e não só esperando para chegar em um novo “ciclo de álbum”. O próprio conceito de “ciclo de álbum” é esquisito, acho que os artistas não gostam dele. Nenhum artista deve gostar muito de escrever algo bom e guardar essa coisa boa por dois anos no fundo do armário. E um fã também não quer ficar sem ouvir nada de seu artista favorito por dois anos, sabe? Como fã, sempre quero ouvir mais músicas das bandas que amo.
Eu sou um cara que prefere esperar por um disco – eu tenho até uma regra de só ouvir um single antes do disco sair, não mais que isso.
Tá tudo bem! Você não precisa escutar nenhuma das músicas que o Cheekface lançar em breve. Você pode ignorar uma música por dois anos, porque daqui a dois anos teremos um álbuns, ou talvez dois? Não sei. Para quem gosta de álbuns, teremos álbuns. Eu gosto de álbuns.
E você ainda acredita no formato de álbuns?
Sim. Se você tem algo que deveria dizer no formato de um álbum… então você deveria fazer isso, claro. [faz uma pausa] Nós vamos fazer mais álbuns! É divertido fazer um álbum!
É difícil falar da forma que as bandas lançam músicas hoje sem falar de serviços de streaming. E muitos artistas já questionaram como esse sistema funciona hoje. Sendo parte de uma banda que tem uma carga política forte, como você se sente sobre esse assunto?
Sendo uma banda política, posso dizer de forma muito intensa que quando você entra na lixeira do capitalismo, você vai estar coberto de lixo capitalista. Não há jeito de se safar disso. Se você busca um jeito puro de se unir a uma empresa que vale bilhões de dólares e escutar toda a música do mundo por US$ 10 ao mês, você não vai achar. Tente achar uma plataforma que é moralmente pura. Não existe. Procure uma gravadora que é moralmente pura. Também não existe. A superestrutura capitalista que envolve toda a troca de dinheiro e de recursos por arte… ela é necessariamente impura. As trocas e a arte acabam ficando corrompidas. Os artistas podem optar ou não por estar dentro dessa estrutura, fazendo sua música e não compartilhando-a em plataformas que a tornam impura. Mas… para mim, é mais divertido compartilhar essas músicas do que não dividi-las com ninguém. É parte do jogo. Isso responde à sua pergunta?
Acho que sim. Seu papo sobre superestrutura capitalista me fez pensar em três letras… NFT.
[dá risada]
Existe algum plano de fazer um NFT do Cheekface? Só por algum acaso?
Honestamente, eu nem sei o que é um NFT.
Você está melhor que eu, acho.
Vejo as pessoas postando imagens nas redes sociais e falando: “isso é um NFT e eu paguei dinheiro por isso!”. E eu fico… [dá de ombros para a câmera]. Acho que eu não quero dizer mais nada sobre esse tema.
Para fechar o papo sobre streaming: vocês têm uma playlist no Spotify chamada “this is cheekface”, como quase todos os artistas. Mas ao contrário de outros artistas, ela foi feita por vocês… e tem Carlos Santana na foto principal, não você e a Mandy e o Echo. Como assim?
A pergunta é sobre Santana estar na foto ou sobre a gente ter feito a playlist?
As duas coisas! E o que pode acontecer quando o Spotify tentar fazer uma playlist “oficial” do Cheekface, eu acho?
Vamos lá. Santana está na nossa foto porque ele é “fucking awesome”. Se podemos estar associados a ele, então daremos um jeito. A foto é por conta disso. Já sobre o fato da gente fazer a nossa própria playlist? É o seguinte: eu tenho essa coisa de não ficar esperando que uma força externa venha nos aprovar. Eu gosto de escutar essas playlists de artistas e achei que deveríamos ter uma dessas. Acho que é a primeira coisa que alguém gostaria de escutar quando ouve falar do Cheekface, então colocamos as músicas na ordem que preferíamos e foi assim. É meio que a nossa história. Não esperamos por uma gravadora: nós fomos lá e lançamos nossos discos. Não esperamos alguém vir nos entrevistar: se queremos falar sobre uma música, nós podemos escrever. Se eu quisesse responder perguntas, posso só abrir uma caixa de perguntas no Stories do instagram. Não preciso esperar o Bruno do Brasil vir falar comigo para o Scream & Yell. Tento responder tudo o que aparece no Instagram, adoro o desafio de responder porque a gente fez uma coisa ou outra. As pessoas devem fazer perguntas questionadoras. Claro, às vezes aparecem alguns insultos, mas poxa, as pessoas não deveriam me insultar. Eu tenho sentimentos! O cara do Cheekface tem sentimentos!
Está anotado, Greg. Acho que estamos quase no final, mas quero acabar essa conversa com uma sequência de perguntas que normalmente eu não faria para uma banda.
Ok!
Quando você ouve o seu coração? E quando isso não acontece?
Para ser bem sincero, eu valorizo muito essa coisa de me perguntar se eu quero realmente algo, se eu me importo com algo, e fazer as coisas a despeito das consequências negativas que podem surgir. Sendo bem sincero, estou frequentemente ouvindo meu coração. Mas às vezes, também sinto que esse diálogo interno é tão, tão, tão frustrante… É mais ou menos daí que veio o título da música (“‘Listen to Your Heart.’’No’”). Tipo: “seu idiota, eu não vou ouvir meu coração, eu tenho muitas coisas para pensar”.
Não sei se é exatamente frustrante, mas é exaustivo?
Sim! Concordo 100%.
Qual é sua música menos favorita do Cheekface?
Não tenho nenhuma música menos favorita. Acho que tem algumas letras que se eu pudesse, eu apagaria. Ou não escreveria. Mas acho que não vou chamar a atenção para nenhuma delas aqui. Vou deixar as pessoas imaginando quais seriam essas músicas.
Qual é a pergunta que você gostaria de responder numa entrevista?
Hm… [pensa]. Eu não sei se tem algo que eu estou esperando alguém me perguntar. Talvez… [pensa mais um pouco]. Você ainda não perguntou sobre o nome da banda, sabe.
Vou pular essa. Mas vamos lá: tem um amigo meu que diz que não deixaria o filho ver “Laranja Mecânica” ou ler “O Apanhador no Campo de Centeio”, por exemplo. Você deixaria seu filho ou filha ouvir o Cheekface?
Claro! Claro que sim. Eu vou obrigá-los a ouvir o Cheekface! Sabe… eu devo fazer um anúncio para todos os pais que acabaram de ter filhos recentemente: você deve criar essa criança com base em uma dieta frequente de Cheekface! E para aqueles que estão esperando uma criança em um futuro próximo… por favor, deem o nome de Cheekface para a criança. Ou talvez… Greg! Por quê não?
Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie, na Eldorado FM, e é autor de “Raios e Trovões – A história do fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum”, editado pela Summus Editorial. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.
A minha questão é: quando deixar de ser um segredo bem guardado Indie ainda vai ser considerada uma banda interessante? Esse é sempre o dilema indie