Ao vivo: The Drums + Gab Ferreira em SP

Texto por Bruno Capelas
Fotos por Fernando Yokota

“Antes de morrer, eu gostaria de fazer algo legal”: a frase de abertura de “Money”, um dos hits da banda novaiorquina The Drums, provavelmente ecoou na cabeça de muita gente ao longo dos últimos dois anos. Afinal de contas, muitos temores nascem do cansaço e da solidão, já dizia o poeta, e não à toa, o medo de morrer ocupou o topo da lista das sessões de terapia em períodos recentes. Talvez justamente por isso, a simples sensação de se ver numa pista ouvindo ao vivo guitarras barulhentas e os graves emitidos por um baixo elétrico já tenha sido suficiente para fazer algumas centenas de pessoas terem reações quase-catárticas. Os efeitos podem ser ainda maiores se esses sons forem temperados por um gostinho de nostalgia e um frontman muito a fim de (se) divertir. E é mais ou menos isso que aconteceu na última quinta-feira, quando Jonathan Pierce subiu ao palco na Audio Club, em São Paulo, para celebrar os 10 anos de “Portamento”, o segundo disco do The Drums, lançado originalmente em 2011, em espetáculo produzido pelo selo Balaclava Records.

Quem esteve presente pode observar os efeitos do tempo sobre a banda do Brooklyn: da formação original, só restou mesmo Pierce, que veio à América do Sul para uma turnê comemorativa acompanhado de Johnny Aries e Tom Haslow (que se revezavam entre guitarra e baixo) e o baterista Bryan de Leon. Não que importasse muito: tanto a iluminação quanto a própria mixagem de som na Audio privilegiavam a presença do vocalista, bastante empolgado por estar ali para um público que, se não chegou perto de encher a casa paulistana, também buscou preencher esse espaço com muita empolgação – um observador mais ranzinza poderia até dizer que o show reuniu os 500 maiores fãs do The Drums (não só no Brasil), com a adição de alguns convidados.

Antes de Pierce subir ao palco, porém, quem teve a tarefa de abrir a noite fria de início de outono foi Gab Ferreira, aposta recente da Balaclava – a cantora prepara para breve o lançamento da mixtape “visions” pelo selo. Em uma sonoridade íntima, que ecoa um cadinho de the xx, Portishead e até mesmo alguma coisa do último disco de Rihanna, Gab se mostrava bastante empolgada por estar ali, em uma de suas primeiras oportunidades de sair do quarto. Ao longo de mais ou menos quarenta minutos, todos cantados em inglês, ela dançou, manipulou sintetizadores, pediu um coro de “aê”, citou Pedro Scooby (afinal, “a vida é pra curtir”) e mostrou potencial (“faking it” pode rodar bem no seu fone de ouvido em breve, a depender da sorte e dos algoritmos).

Entre Gab e o The Drums, um momento bastante curioso: para dar sequência aos trabalhos, a banda botou pra rodar um podcast de uns dez minutos sobre “Portamento” e seu significado na carreira do conjunto. Do pouco que deu pra se ouvir, parecia até um conteúdo interessante, mas não é exatamente algo que você queira escutar quando está numa pista, esperando o show começar – podia ao menos ter rolado uma projeção com legenda, sabe? Mas a insatisfação ficou de lado depois que Pierce chegou, com direito a camiseta verde fluorescente, luvas azuis que poderiam ter sido roubadas do Blue Man Group e uma pose que não ficaria mal num filho de Caco Antibes.

Sem perder tempo para conversar com a plateia, o vocalista emendou as doze canções de “Portamento” em alta velocidade. O primeiro terço do show foi o mais celebrado – também, pudera, uma vez que ele reúne as principais faixas do álbum, incluindo “Book of Revelation”, “Hard to Love” e a já citada “Money”, cujo refrão rebatia amargo na realidade de quem vive o Brasil de Paulo Guedes. As reproduções soavam tão fiéis ao disco que poderiam até ter sido feitas com Ctrl+C, Ctrl+V, não fosse a performance de Pierce (e ok, o volume das guitarras abaixo do desejável). Ele incluía todo um humor em sua passagem pelo palco, animando os presentes, executando coreografias e tentando escapar da mão boba de quem estava no gargarejo, trazendo novo calor às canções de “Portamento”. E a não ser pela anticlimática “Searching for Heaven”, o show mal teria tido qualquer momento de quebra, dada a presença de palco do frontman do The Drums.

Às 23h em ponto, o vocalista encerra “How It Ended”, agradece São Paulo e se despede do público, indo aos bastidores. Mas ao contrário do que mostrou na última canção, ele retorna ao palco – desta vez, sem blazer, sem luvas e exibindo braços torneados, o que fez o público irromper em gritos de “gostoso”, que o vocalista não sabia exatamente o que significava. Entre a ida e a vinda, um intervalo de mais ou menos cinco minutos, no qual o grito de “olê olê olê, The Drums, The Drums” teve pouco eco, mas “olê olê olê Lula, Lula” e “ei Bolsonaro, vai tomar no cu” foram gritados a plenos pulmões.

Para encerrar a fatura, duas canções da estreia “The Drums”, de 2009 (a baladinha “Down by the Water”, só com acompanhamento da guitarra, e “Let’s Go Surfing”) e duas de “Abysmal Thoughts”, de 2017 – “Blood Under My Belt” e “Heart Basel” –, mandando todo mundo pra casa com um sorriso no rosto. (Quem pagou R$ 7 para poder ter o direito de comprar uma cerveja na Audio também levou consigo na saída uma garrafinha de água, em uma manobra meio esquisita das casas de shows na era do capitalismo tardio). No saldo geral, um show bonito, mais divertido pelas circunstâncias do que capaz de mudar a vida de alguém, mas ainda capaz de deixar uma boa lembrança e servir como alívio depois de tanto tempo dentro de casa.

– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie, na Eldorado FM, e é autor de “Raios e Trovões – A história do fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum”, editado pela Summus Editorial. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/

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