texto por Adolfo Gomes
fotos de Paula Sampaio
Desde o começo dos anos 1990, a fotógrafa Paula Sampaio segue o itinerário de documentação e vivência dos grandes movimentos migratórios e das controversas intervenções econômicas e ambientais na Amazônia. O conjunto dessas imagens, registros orais e testemunhos escritos por meio de cartas constituem um amplo acervo que, sob o efeito do tempo, da umidade e da fragilidade do acondicionamento, corria o risco de perpetuar o fardo da invisibilidade histórica e do esquecimento tão frequentemente associado às comunidades vulneráveis da região. Mas, através do Projeto “Rotas Amazônicas: Salvaguarda de um acervo de Imagens-Histórias”, selecionado pelo Edital de Artes Visuais, coordenado pela Associação Fotoativa, a partir da Lei Aldir Blanc de Emergência Cultural no Pará, já é possível vislumbrar outro destino para os desdobramentos dessa jornada pelas estradas, vicinais, quilombos e áreas urbanas negligenciadas, sobretudo, ao norte e nordeste do País.
Em tempo exíguo, menos de 90 dias – uma equipe de técnicos (duas museólogas, uma restauradora e dois fotógrafos com experiência em digitalização de negativos) catalogou, higienizou e tornou novamente acessível quilômetros de películas (em torno de 208 filmes fotográficos 35mm e 100 diapositivos/slides), que abrigam memórias, denúncias e sonhos de bem aventurança.
Ao final, os resultados estimularam Paula Sampaio a prosseguir com os trabalhos de digitalização e organização dos seus arquivos. “A parte do acervo higienizada e digitalizada é referente aos primeiros 10 anos de documentação – os mais comprometidos pela ação do tempo –, o restante do arquivo de negativos, que ainda se encontra em bom estado, foi reacondicionado adequadamente e será digitalizado em etapas, conforme proposto no projeto”, explica Paula.
As etapas do processo, além de informações sobre a importância das ações de preservação, fazem parte de um e-book, que pode ser acessado online e gratuitamente no site da fotógrafa (paulasampaio.com.br). A publicação também oferece o recurso de audiodescrição e um segmento com sugestões de vivência fotográfica na forma de um exercício lúdico, para estimular a imaginação do leitor e fruidor do livro online.
Integram o acervo – agora preservado –, negativos, slides, fotografias impressas, cartas, escritos, registros fonográficos e audiovisuais, centrados no cotidiano de trabalhadores que se estabeleceram às margens de grandes projetos de exploração e ocupação na região amazônica (estradas de integração nacional como a Belém-Brasília e Transamazônica, áreas de exploração mineral e hídricas). Completam esse percurso de documentação, quilombos e parte da área histórica de Belém (PA). Conforme reforça Paula Sampaio: “Esses documentos, que todos nós criamos sobre a Amazônia, são parte da nossa história social. E é essa história, contada por quem vivência, cotidianamente, esse ambiente que pode nos ajudar a entender de que forma estamos vivendo e morrendo nesse espaço humano e geográfico tão importante para o planeta”.
O alcance de tal esforço de mapeamento memorialista e resistência continua a provocar as mais diversas percepções e afetos. Mesmo entre os envolvidos diretamente no projeto, caso da museóloga Bruna Antunes, a sensação é de permanente descoberta e reflexão. “No primeiro contato com o acervo de Paula Sampaio, eu pensei: ‘nossa são negativos e fotografias com mais de 30 anos de história, registros documentais dos trechos mais inusitados da Transamazônica’. E o que me deixou mais fascinada foi o fato de a primeira viagem ser em junho de 1990, justamente no mês e ano do meu nascimento. Quanta coincidência: um acervo e uma museóloga nascerem no mesmo período”, ressalta Bruna, já sinalizando para as possibilidades de encontros e cruzamentos entre caminhos e experiências pessoais e o sempre frondoso manancial amazônico.
– Adolfo Gomes é cineclubista e crítico filiado à Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine)