Faixa a faixa: “Véspera”, de Isabel Lenza

introdução por Marcelo Costa
faixa a faixa por Isabel Lenza

Quatro anos após debutar com “Ouro” (2017), Isabel Lenza apresenta seu segundo trabalho, “Véspera” (2021), um disco que começou com um projeto de single da artista com o requisitado produtor mineiro Leonardo Marques (ex-Transmissor) e acabou se transformando em um álbum que conta com Isabel se dividindo entre vocais, violões e guitarra e Leonardo acrescentando beats, baixo, teclados, Mellotron, Wurlitzer, Auto Harp e outras raridades disponíveis na Ilha do Corvo, seu estúdio na capital mineira.

O start da parceria se deu após Isabel ouvir uma música solo de Teago Oliveira produzida por Leo Marques e, depois, ser recomendada a ouvir os trabalhos da belíssima Moons, e se apaixonar pela elegância do som. Ainda pré-pandemia, Isabel partiu para Belo Horizonte, e “Véspera” começava a nascer. A sonoridade que brotou é dançante, com fragmentos do rock anos 10, bastante puxado para o dream pop. Já a temática se revela sentimental, como se términos de relacionamento fossem a véspera de algo novo, um momento de tristeza, quem sabe mágoa, mas com as portas abertas para um novo tempo.

“Foi um álbum feito a quatro mãos, apenas eu e ele, um processo diferente do que eu conhecia, muito íntimo, calmo, rico e livre”, conta Isabel Lenza, que revela ainda que as canções “nasceram em sua maioria no meu violão de nylon. Com elas, broto com vitalidade nesse novo momento solar, mirando mais no agora e no que está por vir, realizando que eu sou meu lugar de acolhimento e também de potência”. Abaixo, especialmente para o Scream & Yell, Isabel Lenza comenta cada uma das nove faixas de “Véspera”.

“Véspera”, faixa a faixa por Isabel Lenza

01) Imenso Verão – Letra e melodia nasceram juntas nessa transmutação doce e solar sobre a melhor vingança: tornar-se um imenso verão. Essa resposta debochada ganhou elegância na construção sonora com instrumentos de diferentes décadas da coleção do Leo (o produtor do disco Leonardo Marques). Pela primeira vez, gravei guitarra em uma música minha. Leo tocou todo resto, além de ter construído o beat-sensação.

02) Eu Sou Meu Lugar – A melodia e a levada de passeio de estrada foram criadas pelas tardes solares no jardim. Isso me inspirou a buscar uma vitalidade para o assunto: a jornada de encontro ao meu lugar em mim, inspirada pela metáfora de uma prática de Yoga. Esta também é uma jornada com buscas, desafios, entregas e encontros, como a vida.

03) Tudo o Que Você Não Vê – “Tudo o Que Você Não Vê” é a força feminina que rege o universo. Ela está ao redor, por dentro e entre. Atravessa as dimensões e os tempos. De toada envolvente, sussurra ao pé do ouvido todo o seu poder. Os primeiros acordes nasceram em uma fogueira rodeada por mulheres, com as quais, horas antes, eu participava de um plantio de ervas medicinais no sistema agroflorestal, que recupera o solo. Cura e pulso de vida foram, então, os chamados da canção, que ganhou beats e sintetizadores do Leo engrandecendo as camadas sonoras etéreas.

04) Entre Serras e Águas – “Entre Serras e Águas” é o nome de uma rodovia no interior de São Paulo que simboliza a velha estrada, hoje revisitada com novas sensações, conexões e sons. O sentimento genuíno de plenitude foi a terra fértil dessa canção. Um novo agora que é solar e com novas belezas e levezas. A primeira imagem criada foi desse astronauta que nunca vai se esquecer desse lugar de corpo leve flutuante no espaço em sua jornada intensa. O desenho de curvas da melodia é a estrada que vai ao encontro do Sol, que chega imenso, cheio de teclados do Leo.

05) O Melhor Está Por Vir – Música criada na varanda de uma amiga, de frente para o mar e o horizonte, com a honra de tê-la sentada ao meu lado durante o processo. Eu estava com violão na mão pirando nos tons pastéis do final da tarde, observando as transições de cores até aquela última luz que ainda resiste à chegada da noite, antes de começar a ceder e ser vencida por ela. Eu desenhava a melodia de poros abertos às frases sobre deixar ir e vir. Pois a noite vem de todo jeito, mas traz a lua junto e é bonito também. Anoiteceu e a música ficou pronta, mais uma coisa boa, o que foi a ponte perfeita para desembocar na ideia otimista de que melhor que só pode estar por vir.

06) É Pra Hoje – “É pra hoje” foi a frase utilizada por uma doula ao examinar uma amiga que estava tendo contrações em sua gestação. A expressão ficou gravada em mim e ressurgiu durante a criação dessa letra que fala de brotar, vir à luz. Desde que fiz essa melodia, ainda sem a letra, imaginava que o refrão seria uma expansão. E nele ficou a metamorfose de um corpo brotando, ou melhor, renascendo. Os climas diferentes da sonoridade também ajudam a revelar essa sensação de sair da sombra e ir para esse lugar mais vivo.

07) Colados – Essa é uma música em parceria com Regis Damasceno. Ele me enviou um áudio de uns 40 segundos de um dedilhado lindo no violão e rapidamente arrisquei melodia e letra para o trecho. E assim seguimos até terminar a canção, que foi muito inspirada pelas minhas noites mal dormidas naquela semana, por conta de uma despedida no portão. No disco optei com Leo por fazê-la mais sintética e ele levou o dedilhado do Regis para o teclado.

08) Livres Buscando Amor – É sobre estar pertíssimo, quase pele com pele, da pessoa que se deseja e não poder cruzar as fronteiras. É o desejo de atravessar livremente territórios buscando esse amor. Essa foi a única música desse disco que compus sem instrumento, melodia nascendo com a letra, imaginando somente um beat reto. A estética toda dela nasceu em estúdio.

09) Janeiro Gelado, 2020 – Janeiro e Fevereiro de 2020 foram dois meses gelados em São Paulo. Dias consecutivos frios e cinzas que chegaram a ser noticiados dada a anormalidade. Ainda não havia pandemia, mas o clima já estava pesado há muito tempo pela triste situação política e ambiental no país, desgovernado pelo presidente eleito em cima de fake news. Um verão chegar sem sol soava dentro de mim como a natureza se lamentando por estarmos sendo os piores possíveis nesse planeta, quando deveríamos ser os próprios heróis guardando a joia. Nesse lamento, letra e melodia nasceram juntas num quarto fechado, em pleno verão gelado.

– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell desde 2000 e assina a Calmantes com Champagne. A foto que abre o texto é de Gabriela Batista

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