introdução por Diego Albuquerque
Faixa a faixa por Pedro Hamdan
Pedro Hamdan, baterista e artista visual mineiro, não cantava nada desde o hit “Não Fique Triste Menininha”, lançado no final dos anos 90 e perdido em alguma fita Basf por aí. Atravessou a primeira década dos anos 2000 a bordo do calado trio instrumental mordeorabo e continuou, sem dar um pio, sua jornada junto a bandas como Transmissor, Congo Congo e Moons.
Caneco Quente, seu projeto solo, surgiu no longínquo ano de 2007 e é o registro das ideias de um baterista que decidiu cantar, que batuca nas teclas brancas de um teclado MIDI e que desembola cismadas semicolcheias em cantaroláveis trilhas musicais. Em seu primeiro álbum homônimo, lançado em setembro de 2019, contou com as guitarras preciosas de Gustavo Cunha (Iconili) e com a co-produção de Bruno Corrêa (que assina a mixagem e a masterização) e Leonardo Marques (responsável também pela captação de grande parte dos instrumentos em seu estúdio Ilha do Corvo).
Agora, retorna com “Falta Flauta/Flauta Falta”, um disco duplo concebido, produzido e gravado por ele próprio entre os solitários meses de maio de 2020 e maio de 2021, resultado de um ano de cabeçadas no Abalo Císmico (quarto transfigurado em estúdio/ refúgio criativo).
Composto por 21 canções sem refrão, arranjos em MIDI e pratos/caixa/surdo cumprindo o papel de bateria de apartamento, “Falta Flauta/Flauta Falta” fala (com ou sem letras) sobre memórias de tempos pré-pandêmicos, entregadores e suas motocas, tédio e, sobretudo, os mistérios insondáveis que engendram a vida e a morte de uma cachorrinha muito amada.
Um exemplo é a canção “O seu nome é Pedro ou papai?” (“Se um dia eu me perder na rua / é tão bonita a lua / eu posso me perder / qual é a nossa rua? / se eu latir pra lua / o seu nome é Pedro ou papai?”), onde ele imagina como seria se sua companheira canina Lina, que morreu na última semana de gravações do disco, se perdesse pelo bairro.
Ao longo de quase uma hora, Pedro Hamdan entrega canções que passeiam pela música eletrônica lo-fi, com pitadas de indie e pop. É um convite para que, em meio ao absurdo dos dias em que vivemos, o ouvinte atento se perca na poesia, na graça e na melancolia das situações cotidianas. Abaixo, Pedro comenta todas as faixas. E você pode escolher em qual streaming quer ouvir o disco. É só clicar no álbum “Falta Flauta” ou “Flauta Falta“.
01) Falta Flauta
Uma das primeiras músicas que fiz, logo no começo da pandemia. Por ser a minha primeira aventura no mundo da produção solitária e da mixagem, a letra “Paro Não” serviu pra tapear um pouco da insegurança e me jogar pra frente nesse processo.
02) O seu nomé é Pedro ou papai?
Nessa música eu imagino a minha cachorrinha Lina perdida pelo bairro, distraída pela lua, sem saber o nosso endereço. Talvez seja a música mais barulhenta do disco, acho que consegue captar um pouco da confusão que essa perda traria.
03) Chovia nos caixotes
Essa foi a primeira que fiz, ficou parada por um tempo e retomei depois de alguns meses acrescentando os pratos e a caixa. Gosto como a percussão parece dar umas cambalhotas por entre as camadas de sintetizadores.
04) Anchieta
Nessa eu traço um roteiro pelas ruas que costumava andar com a Lina aqui no nosso bairro, o Anchieta. Uma música hipnótica feita às lágrimas e sem conseguir enxergar muito bem a tela.
05) Pampa Dança
A princípio era pra ser uma música pra dançar, uma espécie de minimal techno meio desconjuntado. Também ficou parada por um tempo, mas mudou bastante quando consegui trazer pra casa parte da bateria que estava no estúdio onde ensaiava com a minha banda, o Moons. Virou um baião de apartamento, frenético e divertido como um cachorro filhote.
06) Quando caem laranjas
Instrumental com camadas hipnóticas de synths e uma mescla de batidas eletrônicas e orgânicas.
07) O pé queimado da onça
Inspirada nas cenas surreais e desoladoras do Pantanal e dos bichos queimando. Muito simples na estrutura, funcionaria como um audiobook infantil bem triste, com synths apocalípticos e pratos proféticos (vejam só, enquanto escrevo essas palavras aquele bandido do ministro do Meio Ambiente acaba de pedir demissão).
08) Galopinho
Mais uma dedicada à Lina. Ela era uma cachorrinha de três patas, charmosa e com um jeito bem peculiar de andar por aí. Essa música, assim como a “Anchieta” e a “Você não morreu”, foi feita logo nos primeiros dias após a sua morte, há um mês e pouco. É uma pequena epopéia eletrônica, melancólica e com o desejo sincero de que ela tenha ido galopar em algum lugar menos absurdo e baixo astral.
09) Quatro mil motocas
Dedicada aos motoqueiros de entrega que andam pela rua enquanto eu observo tudo aqui da minha janela. É outra canção que ganhou bastante com o acréscimo do que chamo da minha Bateria de Apartamento (pratos, caixa, surdo)
10) Linda Lina
O nome diz tudo! Um sambinha eletrônico bem misterioso onde me perco nos segredos que a Lina carregou consigo pro além.
01) Dente branco dó
Foi lançada em outubro do ano passado como single, mas dei um tapinha pra ficar mais na onda das outras. É uma ode ao tecladinho midi que me acompanha há muitos anos e que, apesar das minhas limitações, me ajuda a continuar procurando por uma onda que faça sentido.
02) Plantava arroz lá no Sul
Dedicada ao pai de uma grande amiga, a Lúcia, que plantava arroz lá no Sul. Uma despedida com muito eco nos instrumentos, imaginando o vento gaúcho dando adeus pra um companheiro.
03) Pão Manteiga
Música irmã da “Chovia nos Caixotes”, talvez tenha sido a segunda que fiz. Sintetiza bem a maneira como fiz as músicas todas, mesclando os synths com os pratos de bateria (ouso dizer que esses são, essencialmente, discos de pratos).
04) Flauta Falta
Mais uma melancólica canção de janela, vendo as motos passando. Conta com um coro triste de vozes sintetizadas que dá lugar a uma esperança um tanto quanto fajuta quando entram as cornetinhas midi.
05) Cavalinho
Homenagem ao cavalinho que meu amigo Nadinho tinha quando era crianca (os dois eram parceiros em diversos campeonatos de hipismo). Imaginei a confusão alegre de um cavalinho adolescente quando descobre que naquela semana não teria que ficar pulando em provas por aí.
06) Ê, pá, grande sorte!
Vinheta saudosa, conta com uma das frases mais lindas que já ouvi na vida (dita pelo meu querido primo José Alferes lá na Ilha do Corvo depois de uma bem sucedida pescaria).
07) Ele é um mineiro em Portugal
Fiz pro meu amigo Vitinho, que foi morar no Porto e resolveu voltar. Brinco que parece uma música de um Nils Frahm que só come pão com manteiga.
08) Galinha
Mais uma homenagem, dessa vez pra minha pequena amiga Clara (que vai completar três anos e se liga em galinhas). Uma espécie de valsinha de galinheiro, onde os bichos vão entrando na cena pra compor um corinho tímido, porém sincero.
09) Pedra Pedra Pedra
Funciona como música eletrônica feita à mão enquanto me lembro de um canivete que ganhei do meu pai há trinta anos.
10) Você não morreu
Fiz no dia em que perdemos a Lina. Pequena canção de despedida e agradecimento à minha doce companheira que sempre esteve do meu lado durante quase todo o projeto (perdeu o finalzinho, uma pena).
11) Serra
Lembro aqui dos belíssimos momentos que vivi com a Lina no bairro Serra, entre os anos de 2013 e 2017. Mais um instrumental onde células de synths se mesclam até desaguar numa esperançosa batida híbrida de bateria. Uma boa escolha pra fechar a aventura.