entrevista por Leonardo Vinhas
O hardcore brasileiro vai muito bem, obrigado, e Goiânia continua entregando boas bandas do gênero. O Burning Rage é uma delas. Esse quinteto do cerrado consegue ser tão inspirado no HC norte-americano dos anos 90 e 00 quanto na escola brasileira do estilo.
Formada pelos guitarristas Schubert Martins e Alessandro Lobo, pelo baixista Rodolfo Santos, o baterista Helio Zancopé e o vocalista Neil Neto, a banda tem uma história breve: nasceu em 2018, e no ano seguinte estreou com o EP “Outra Porta”. O primeiro “longa duração” foi a gravação da apresentação do grupo no programa online Showlivre, e outros dois singles fazem parte da curta discografia da banda.
Mas a brevidade não tira o respeito de sua sonoridade, surpreendentemente bem resolvida para uma banda com tão pouco tempo de estrada. E a prova de que são benquistos por seus pares é seu clipe mais recente, “O Jogo Começou”, que contou com a participação (remota, como convém) de vários nomes da “casca-grossa” brasileira: além do veterano Clemente Nascimento (Inocentes e Plebe Rude), estão presentes Joe Klenner (Corazones Muertos), Ricardo Galano (Não Há Mais Volta e Armada), Rodrigo (Califonicks), Vitor (Chef Wong’s), André (Elétron), Rey (Amigos do Dragão) e Murillo (Studio 7).
O Scream & Yell foi bater um papo por e-mail com o vocalista Neil Neto para saber onde a banda está nesses tempos pandêmicos, e até onde deseja ir. Sobrou tempo ainda para falar da relação entre futebol e hardcore (!).
A Burning Rage é uma banda nova, que tinha apenas dois anos de existência quando a pandemia chegou e veio o isolamento social. Isso afetou o ânimo de vocês em seguirem com a banda?
Em relação ao ânimo, não fomos afetados. Mesmo em isolamento, nós continuamos a produzir. Fizemos músicas novas, gravamos o programa Showlivre, que foi um divisor de águas na nossa carreira. Não deixamos de nos falar por nenhum dia, inclusive o videoclipe novo da música “O Jogo Começou” foi produzido durante a pandemia, e tudo resolvido pelas redes sociais. Só nos encontramos no dia da gravação. Conseguimos também emplacar nosso som em algumas rádios importantes, como a 89 Radio Rock, Kiss FM e outras. Podemos dizer que 2020, de certo modo, foi positivo para a banda na parte artística. Agora que foi um balde de água fria nos projetos de cair na estrada, não podemos negar. Havíamos acabado de chegar de uma turnê pelo estado de São Paulo e já havia outras (datas) agendadas, sem falar nos grandes festivais para os quais que estávamos confirmados e infelizmente foram adiados.
“O Jogo Começou” usa o futebol para falar de união. A relação entre rock e futebol é comum em vários países, mas aqui no Brasil não é muito comum. Por que você acha que isso acontece?
Acredito que isso nunca foi muito bem estimulado aqui, uma vez que o futebol, dentre os esportes, é a grande paixão de nosso povo e os roqueiros se incluem nesse bolo de apaixonados. Agora, em relação à associação do rock ao futebol ser incomum, no Brasil tem a questão dos próprios jogadores de futebol serem ligados aos estilos de música mais populares como o sertanejo, funk e samba, e isso influencia muito, inclusive essa molecada mais nova. E é fato que entre os boleiros brasileiros os que curtem um rock’ n’roll são exceção.
É curioso vocês falarem do futebol como instrumento de união quando tantas vezes ele é razão de brigas violentas entre torcedores, além de várias questões discriminatórias contra negros, homossexuais, imigrantes e mulheres, entre outros. Não é um contrassenso usar o futebol para falar da união?
O futebol tem como essência a disciplina e o respeito. E como qualquer outro esporte, é usado também como formador de caráter e personalidade. Questões como brigas e discriminação ficam mais evidentes, pois ele é o esporte mais popular e mexe muito com o emocional. Essas questões também existem nos outros esportes e em outras esferas sociais, porém ficam mais evidenciadas no futebol, por essa popularidade. Pegamos o que o futebol tem de essência… A disciplina, o respeito, o companheirismo, a união. O fato de que o indivíduo é uma engrenagem de um mecanismo criado para funcionar em sintonia. Assim como deveria ser a sociedade. Estamos “todos no mesmo time, é hora de vencer”!
O som de vocês passa muito fortemente pelo HC dos anos 90 e 00. Mas para além dos clássicos, quem vocês consideram os novos grandes nomes do hardcore? Quais as bandas novas que estão fazendo o gênero crescer e se transformar?
A cena punk/HC brasileira é muito forte e resistente, muitas bandas estão produzindo constantemente material de altíssima qualidade. Atualmente acreditamos que o Pense, Zander, Menores Atos e Violet Soda são as principais bandas a fazer com que o estilo permaneça forte e em constante transformação. Admiramos e curtimos muito essas bandas, mas não poderíamos deixar de citar amigos e parceiros que conhecemos na estrada e que também são uma grande inspiração para nós: Señores, Não Há Mais Volta, Californicks, Gagged, Plastic Fire, Chuva Negra, Nada em Vão, Cannon of Hate e Old Rust.
Goiânia sempre teve a tradição do som pesado. Em paralelo, é também a “capital do sertanejo”. Esses mundos convivem, colidem, ou simplesmente se ignoram?
Em que pese Goiânia ser a capital do sertanejo, a cena roqueira aqui é incrível e se renova constantemente, possui bandas sensacionais, desde as mais clássicas como MQN, Mechanics, Hang The Superstars e Violins, até a geração mais recente com o Hellbenders, Aurora Rules, Sheena Ye, Blowdrivers, Rural Killers e várias outras. Agora sobre a pergunta, acreditamos que esses mundos até podem parecer que se ignoram, mas no nosso caso, eles convivem e colidem na maioria das ocasiões, pois nossas raízes familiares são sertanejas, possuímos muitos amigos que têm o sertanejo como principal estilo, e até na banda possuímos membros que já flertaram com o estilo… (risos)
Com a vacinação lenta, fica cada vez mais difícil falar em shows, que é o ambiente onde o HC se faz valer com mais força. Como você imagina que a cena vai se virar, se a pandemia persistir por muito mais tempo?
Inegavelmente, é difícil falar em punk e HC e não pensar nos roles em ambiente pequenos e com grandes aglomerações. Sobre o atual momento, muitas bandas já estão se virando, através de lives e lançando novos materiais. Não é a mesma coisa, mas é extremamente válido. Sobre os shows, talvez rolem eventos em ambientes abertos, como parques e praças em 2022. Enfim, procuramos pensar positivo e acreditar que num futuro próximo toda a população vai estar vacinada e que vamos conseguir vencer esse vírus.
Punk e harcore sempre foram gêneros não-conformistas. Por outro lado, não faltaram momentos em que eles estiveram ligados a ideias extremas. Onde o Burning Rage se coloca nesse Brasil individualista e cheio de desinformação de hoje?
Com toda certeza não estamos do lado de extremistas. Procuramos sempre ouvir, analisar, refletir e dialogar com todos, até porque em nossas vidas é exatamente assim: na banda, além de músicos, temos tatuador, jornalista, advogado, vendedor, empresário, designer, e não escolhemos com quem vamos conviver, a realidade é muito mais profunda. A Burning Rage está do lado do ser humano. Lutamos por uma sociedade mais justa onde que todos possam viver, ser respeitados, livres e felizes. É exatamente isso que as pessoas vão encontrar em nossas letras.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) é produtor e assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.
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