entrevista por Marcelo Costa
Há alguns anos, Gabriel Thomaz (Autoramas) criou o Prêmio Gabriel Thomaz de Música Brasileira (que já conta com 8 edições!) “porque achava que tinha muita gente que merecia ser premiada e não tava tendo espaço nem pra apresentar seu trabalho, que dirá ganhar prêmio. Tem muita coisa boa que está sendo lançada e as pessoas não têm acesso, então quero ajudar, faço isso pelo público”. O próximo passo, natural, seria criar um selo musical, e essa fase foi ultrapassada em fevereiro com a criação do Selo Maxilar ao lado de Henrique Roncoletta, vocalista do NDK e criador da agência de marketing musical Marã Música, e da Ditto Music.
“Eu tive um selo muito doido chamado Gravadora Discos”, relembra Gabriel em conversa com o Scream & Yell. “Ele foi feito pra lançar formatos esquisitos, que na realidade era vinil e cassete, que hoje já não são mais formatos esquisitos, pois hyparam”, explica. Pesquisador nato, Gabriel poderia até ter tido um selo nos anos 90, quando surgiu com o Little Quail and Mad Birds, já que colecionava fitas demo que recebia durante as turnês da banda por todo o país (e que renderam o livro “Magnéticos 90”) e isso só não aconteceu por um motivo: “Eu não tinha grana pra gravar nem pra prensar, era tudo caríssimo (risos). Teria dado muito certo se tivesse rolado”.
A facilidade do universo digital permitiu o nascimento do Maxilar, que de fevereiro de 2021 para cá lançou 12 singles e recuperou um EP de Gabriel Thomaz ao lado do Móveis Coloniais de Acajú, o “Vai Thomaz no Acajú!”, lançado em compacto em 2007 e, até então, inédito no digital (ouça uma playlist com todos os lançamentos do Selo Maxilar). Na conversa abaixo, Gabriel conta sobre sua tensa experiência com a Covid, fala da criação do selo, explica como funciona a direção artística do projeto e apresenta os artistas que integram o Maxilar nestes primeiros três meses de vida: Dionísio Dazul, Wallacy Williams, Parallèles, Cheyenne Love e Persie.
Nesta sexta-feira, 21 de maio, dois novos nomes se agregam ao Selo Maxilar: a banda gaúcha Space Rave (com o single “O Apartamento É Clínica”) e Osni Vidreiro (“Um Velho Roqueiro Com Uma Viola Na Mão”), nome que marcou presença nos primórdios do rock brasileiro (cantou com Sérgio Murilo e Neil Sedaka, compôs sucessos com Wanderley Cardoso e gravou o primeiro rock punk do Brasil: “Quero Apodrecer Contigo”, nos anos 60). Além deles, numa ação coletiva de marketing com a Ditto e quase uma centena de rádios chamada Avalanche de Lançamentos, estão sendo disponibilizados o novo single de Persie (“Saudade da Bahia”) e um single póstumo do saudoso Lafayette, que nos deixou recentemente, ao lado dos Tremendões (banda que conta com Gabriel Thomaz, Érika Martins, Marcelo Callado, Nervoso, Renato Martins e Melvin): “Você Deixa?“, versão de uma canção dos anos 60 do Osvaldo Nunes & The Pop’s.
Homem de mil e uma atividades, Gabriel Thomaz revela ainda que o Autoramas está trabalhando no sucessor de “Libido” (2018 – a banda aproveitou a pandemia para mexer no baú e lançar dois volumes de raridades nas redes, “B-Sides & Extras Vol. 1 e 2” e um EP gratuito pelo Selo Scream & Yell ao lado dos argentinos da The Tormentos) e fala empolgadamente sobre seu programa Magnéticos, disponível na Mutante Rádio (que já soma 239 edições tendo tocado 2868 músicas: “Nunca repeti uma”, gaba-se), e o Thunderamas!, podcast ao lado de Luiz Thunderbird (“Recomendo todo mundo a ouvir para descobrir o quanto o Thunderamas é engraçado, divertido e informativo, muito informativo”). Haja assunto! Confira o papo!
A gente tem começando quase todas as nossas entrevistas no Scream & Yell perguntando como o entrevistado tem vivido essa pandemia, como tem sido essa experiência de quarentena eterna. E, no seu caso, há muita experiência pra contar…
Realmente, foi uma loucura… está sendo uma loucura essa pandemia, essa quarentena que não acaba. A primeira coisa é que a gente estava começando a gravar um disco novo (dos Autoramas) quando a quarentena começou. Estávamos gravando de quatro em quatro músicas, dai parou nas primeiras quatro, que, quando a gente percebeu que tudo ia demorar, acabaram saindo em um compacto fora do país. Depois fomos para Bahia, Lençóis, Chapada Diamantina, e ficamos lá quase seis meses. Voltamos, porque tínhamos vários trabalhos pra fazer, e aqui acabamos pegando Covid. Fui internado e entubado. Passei por uma situação muito difícil. Depois me falaram de umas porcentagens das pessoas que sobrevivem a tudo o que eu passei, e ainda bem que não me falaram isso antes, senão eu teria ficado em pânico. Agora estamos ai, nos preparando para gravar um disco novo, retomar de onde paramos.
Conhecendo você há bastante tempo me impressiona o Maxilar não ter surgido antes. Não há nada mais claro pra mim do que você ter um selo independente. O que te levou a criar o Maxilar agora?
Eu tive um selo muito doido chamado Gravadora Discos, que existe até hoje, nunca terminei as atividades dele. Ele foi feito pra lançar formatos esquisitos, que na realidade era vinil e cassete, que hoje já não são mais formatos esquisitos, pois hyparam, sei lá. Rolou isso. Só que agora a gente tem o digital, que facilita muito por não precisar prensar discos, CDs. Então estou lançando um monte de coisas muito boas que tem por aí. Me arrependo de não ter feito um selo nos anos 90, mas dai me lembro por que isso não aconteceu: eu não tinha grana pra gravar nem pra prensar, era tudo caríssimo (risos). Teria dado muito certo se tivesse rolado. Assim como o Maxilar está dando muito certo. Está muito legal! É trabalhoso ter o selo, cuidar bem dos artistas, mas o trabalho está sendo muito bom. A gente sempre está ai a disposição, tamos ai na atividade, né. Também está sendo bom começar o selo durante a pandemia porque consigo cuidar das coisas todas com bastante cuidado, não tenho muitos horários para obedecer, está sendo interessante. O selo começou no finalzinho de fevereiro de 2021 e já fizemos um monte de lançamentos, só singles por enquanto, mas vão vir álbuns.
Você sempre falou que o Prêmio Gabriel Thomaz de Música Independente nasceu porque você recebia muitos discos, o que deve aumentar ainda mais agora com o Maxilar. Como você faz a curadoria do que vai sair pelo selo?
Na curadoria, antigamente chamada de direção artística, tento colocar coisas que tenham a ver, que eu sabia para quem mandar, como trabalhar. Pra mim é difícil, por exemplo, uma banda de heavy metal. É complicado porque não sou desse metier, não sei pra quem mandar. Então tento fazer as coisas até onde consigo alcançar. E isso acaba criando um perfil para o selo Maxilar. Temos coisas que são um rock and roll com soul, tipo o Dionísio Dazul, tem coisa mais indie, tem coisas que são mais pop, como a Persie, tem coisa que é mais garage, como as Parallèles… os artistas são diferentes entre si. Mas são coisas com as quais eu tenho afinidade. E quando digo eu estou falando da experiência que tive na minha trajetória. Eu não saberia lançar um artista de jazz, por exemplo. Não sei quem é o cara que escreve sobre jazz, qual a rádio que toca, o blog que é especializado… Por outro lado, vejo gente que está por ai, está precisando de ajuda, uma galera que está com um material de qualidade, então é legal (poder ajudar).
Queria que você falasse um pouco sobre esses primeiros lançamentos do selo: Dionísio Dazul, Wallacy Williams, Parallèles, Cheyenne Love e Persie. Está sendo uma avalanche de lançamentos: esqueci alguém? (risos)
Isso, esses são os que a gente lançou até agora. Dazul é um cara experimentado, experiente, guitarrista dos Forgotten Boys que faz um rock com um tempero soul. As gravações dele são excelentes! É um cara que é acostumado ao estúdio, um talento. No Maxilar ele está fazendo o lance dele solo. Assim que ele mandou para eu ouvir, falei: “Estou fazendo um selo, o Maxilar, quer lançar?”. E a gente foi combinando por ai, em uns papos de madrugada no início da pandemia. Foi bem legal. Me dou muito bem com ele pessoalmente.
Wallacy Williams também é um artista cearense, como o Dazul, e está em São Paulo há bastante tempo, radicado na cidade. Ele fez uma gravação com dois gênios do indie, a Ana Zumpano (ex-Lava Divers e outras bandas) e o Bigu Medina, que tocava com o Lê Almeida – conheci ele no Rio, grande figura também, ele me falou que me conhece desde os anos 90 e eu não lembrava, e ele me mostrou uma foto (risos). A música que o Wallacy Williams lançou, “Explode”, é sensacional. É um garage mais moderno, esquema meio Thee Oh Sees.
A Cheyenne Love é um trio neogrunge do Rio de Janeiro. A vocalista é a Nayana Carvalho, uma grande vocalista. O baterista é o meu amigo Marcelinho Callado, que já tocou até com Caetano Veloso e tocava comigo no Lafayette e os Tremendões (que, infelizmente, acabou agora – Lafayette, tecladista fundamental da Jovem Guarda, faleceu aos 78 anos em março), e Ricardo Richaid no baixo.
Parallèles, que é uma banda veterena (paulista), garage, fuzz, Farfisa… sempre fui fã delas. Estamos lançando as músicas novas, que são muito boas.
E temos também a Persie, uma grande artista. Taí pra ser descoberta, e quando for será um estouro. Ela é um talento, uma grande letrista que sabe produzir muito bem. Os músicos que acompanham ela são excelentes, não tem nada de errado, ela é maravilhosa. E ainda sabe fazer vídeos! É uma artista pra hoje em dia. Está prontíssima, um formato bem pop para todos os gostos. Espero que muito mais gente conheça ela.
E que papo é esse do relançamento do álbum perdido da banda carioca dos anos 80 Os Ronaldos?
O Guto Barros, que é guitarrista dos Ronaldos, é um cara que gostava muito do Autoramas. Sempre tivemos uma relação muito boa com ele – e com os filhos dele! E o filho dele me pediu uma ajuda sobre como lançar um disco que estava guardado, em fita de rolo. Ele está recuperando tudo, colocando na melhor qualidade possível, para lançarmos assim que estiver pronto. Ele conseguiu resgatar até uma capa que existia para esse disco. (Tirando disco e singles com o Lobão), os Ronaldos só tinham lançado um EP nos anos 80. Esse (que está sendo resgatado), é um LP. É muito legal. É um disco dos anos 80, um tesouro que a gente botar à luz. Vamos ver se sai em formato físico também.
Queria que você falasse um pouco sobre seus programas de rádio, o Magnéticos, disponível na Mutante Rádio, e o Thunderamas!, que é um podcast. Tem mais coisa?
O Magnéticos é um programa que completou 5 anos semanas atrás. É um programa de rock em que toco as coisas que tenho contato, garage, punk, rock and roll em geral, e 90% da programação é de lançamentos, são coisas novas, coisas de 2021 – a maioria das coisas. De vez em quando resgato um The Jam, como teve na última, uma new wave francesa, como o Bijou, uma jovem guarda japonesa, como The Spiders, daí tem liberdade pra fazer. Já rolou até Bob Marley no programa, e é um barato. A gente tem uma audiência bem fiel e é muito legal. Eu tenho um jeito todo diferente de fazer a locução, quem já ouviu sabe, e está aí, cinco anos, 239 programas. Ou seja, 12 músicas por episódio, nunca repeti nenhuma música, multiplica aí (nota: 2868 músicas). Agradeço muito aos selos do mundo inteiro que me mandam coisas. Tem selo da Indonésia que me manda. Tem selo do Japão, tem selo americano, tem selo suíço, tem de tudo. Às vezes a gente recebe discos antigos, tipo um sobre a história do punk espanhol: já separei três faixas ali que quero tocar. Ouça tudo no carro, na estrada, e seleciono ali. Nas quartas-feiras a gente brasa com o repertório todo. É um prazer fazer isso. Quem me conhece, já veio aqui em casa, sabe que eu sempre adorei colocar os discos, mostrar música, e o programa Magnéticos é mais ou menos isso, o prazer de estar mostrando música para os amigos. Já o podcast Thunderamas foi um convite do Thunder, que é uma figura maravilhosa, uma pessoa com quem tenho amizade faz muitos anos, e que sempre me identifiquei… musicalmente inclusive. Foi ele quem chamou a mim e a Erika para fazer o podcast e está um barato os assuntos, hilários. Há uma podcast novela, o cachorro dele, o Rickenbaker, participa, é muito bom. Recomendo todo mundo a ouvir para descobrir o quanto o Thunderamas é engraçado, divertido e informativo, muito informativo. A gente coloca toda a nossa bagagem nos papos. No último, o tema foi a volta da fita cassete, um papo que durou quase meia hora. E ainda contamos causos da carreira do James Brown, não contamos a história dele, contamos histórias (risos). Foi hilário.
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell desde 2000 e assina a Calmantes com Champagne. A foto que abre o texto é de Liliane Callegari / Scream & Yell.
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