Entrevista: Churky lança EP acústico

entrevista por Pedro Salgado, de Lisboa

“Calma, amor, paciência e viagem”. É assim que Diogo Rico define a sua música e os fundamentos que o motivam artisticamente. O nome pelo qual é conhecido, Churky, resulta de um episódio juvenil. “O apelido é do tempo de garoto. Eu e os meus colegas da escola tínhamos por hábito juntarmo-nos numa lan e jogar um vídeogame chamado Counter-Strike e, na altura, todos ficámos com apelidos para o jogo. O meu foi Churky e manteve-se até hoje”, explica.

Estimulado, desde cedo, pela música que o pai lhe deu a conhecer, nomeadamente Simon & Garfunkel, Crosby, Stills & Nash e Bob Dylan, Churky formou uma banda de covers na adolescência. No grupo, adquiriu maior prática ao vivo, através dos shows, foi inspirado pelo punk pop de Green Day e Offspring, aproveitou para desenvolver o seu lado experimental e criou o gosto pela escrita musical. Um pouco mais tarde, iniciou o estudo do processo de composição e o seu talento seria premiado alguns anos depois quando venceu a quinta edição do concurso EDP Live Bands.

Churky debutou discograficamente com o álbum “Golden Riot” (2015), um trabalho assente no pop/rock clássico e integralmente cantado em inglês. Mas, no EP “Estórias”, editado em 2018, num registo aprimorado, o músico de Alcobaça (cidade no centro de Portugal) decidiu cantar em português. “O álbum ‘Golden Riot’ incluiu as minhas melhores canções escritas em inglês até então. Logo a seguir, comecei a trabalhar nas faixas em português. Eram canções mais complexas, porque amadureci musicalmente e aprendi outros métodos. Foi um desejo meu de cantar em português e acho que faz todo o sentido”, conta.

A melhor tradução da criatividade e do ecletismo sonoro de Churky evidenciou-se no disco “É” (2019), onde convivem pop, rock, psicodelismo, jazz e música brasileira. Nele, o cantautor alcobacense recolhe os frutos do seu aventureirismo musical em músicas como a colorida “Nada Nem Ninguém”, no tropicalismo de “Pente Fino” e na alusão ao Los Hermanos em “Slow dos Ansiosos”. O mais recente trabalho, o EP “mossas”, gravado em Janeiro de 2021, nos Estúdios Bolota, em Alcobaça, assume um pendor folk numa temática simultaneamente reflexiva e esperançosa. A base musical assenta na voz e violão e em pequenas orquestrações, bem como arranjos mais vívidos.

Relativamente à escolha do nome do EP, Churky aponta vários fatores: “Quando escrevo as músicas, e acredito que alguma tenha um bom significado, começo a perceber o que o disco transmite. Sempre gostei da frase ‘Anda, volta logo assim que possas, que apesar das mossas ainda estou aqui’ (na faixa-título). A mossa é uma pancada e isso implica que haja uma ferida mas, apesar disso tudo, estamos cá (risos)”. As músicas “Mapa” e “Bagagem” destacam-se pelo ímpeto sonoro e pela maior riqueza instrumental e, segundo Churky, “São as duas canções que mais difundem a esperança e o amor no contexto deste trabalho”.

Sobre a pandemia, o músico alcobacense reconhece que afetou a sua produtividade geral, mas retira igualmente aspectos positivos: “Concretizei o sonho de dar aulas de música a crianças e comecei a escrever e pintar. De algum modo, a pandemia deu-me vontade para criar várias coisas e até fazer desporto. Houve um certo cuidado, mas também o desejo de romper barreiras”. Para alguém que reconhece a importância da música brasileira na abertura e maior animação da sua música, a mensagem para os leitores do Scream & Yell não podia ser mais clara: “Olá! O meu nome é Churky, tenho 27 anos e amo o Brasil desde que me lembro. Vivo da música e gostava que ela chegasse a vocês. Tenho algumas coisas para dizer e canções para mostrar. Sou feliz e gostaria de satisfazer as pessoas com a minha música”, conclui. De Lisboa para o Brasil, Churky conversou com o Scream & Yell. Confira:

A influência da música popular brasileira nas suas canções é notória. Como surgiu o seu interesse e a aposta nesse universo sonoro?
Eu costumo dizer que os grandes nomes da mpb, da bossa nova e, em particular, artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Tom Jobim e João Gilberto tiveram um grande impacto em mim. Eu venho do punk, indie e do rock mais sujo e quando comecei a escutar esses músicos brasileiros dizia para mim próprio: “Isto é a música que a minha mãe e o meu pai ouvem”. Por isso, estou familiarizado desde sempre com essas canções, lá em casa. A dada altura cansei-me da sujeira do rock (é um processo natural), e explorei mais o piano, a guitarra e houve um momento em que a harmonia da bossa nova me cativou. Então comecei a estudar aquela sonoridade. Quando chegava em casa pegava na guitarra e no teclado e tentava extrair a beleza, vinda de uma cadência que me transportava para algum lado. Eu queria abrir a porta e levar as pessoas para outros lugares. Essa foi a principal lição que eu aprendi com a música do Brasil. Consegui aprimorar-me para melhor pintar o meu quadro e o respectivo panorama. Era o que eu pretendia apresentar enquanto canção, letra e forma de compor. Há muita poesia incrível nesses estilos de música. O Chico Buarque é um mestre em termos de escrita. A principal força que veio dele e também do Caetano foi aprender coisas que me ajudam a descrever novas paisagens musicais. Eles abriram várias portas nas minhas percepções.

No seu mais recente EP, “mossas”, você resolveu trilhar um caminho mais reflexivo comparativamente à diversidade sonora e à animação do disco anterior (“É”). O que é que mudou em si?
Principalmente a pandemia e o fato de estarmos num ‘lockdown’. Antigamente juntava-me com a minha banda, levava as canções prontas e os arranjos quase completos e faziam-se anotações. Era um pouco pelo divertimento e o prazer de viver. Achava que seria sempre assim. Quando o surto irrompeu eu vi-me trancado num quarto com sete guitarras, alguns teclados e tinha um timbalão de um lado ou uma tarola do outro e fui fazendo música com essas peças. Em relação às letras, neste trabalho preparei uma coisa diferente do que tinha feito anteriormente. Fiz as canções e o arranjo na guitarra e deixei que as palavras fossem chegando à medida que cantava. Talvez haja um reflexo daquilo que eu sentia no ano passado, ou seja, medo e incerteza, mas também esperança. No fundo, o meu objetivo era fazer um EP com leveza e passar alguma paz às pessoas através da música. Globalmente, tentei que a sonoridade e as letras passassem essa ideia.

Recuando ao álbum “É”, gostaria que me contasse a história de “Pente Fino”, o qual considero ser uma abordagem feliz ao tropicalismo. Qual foi a sua inspiração temática e sonora para este tema?
Lembro-me perfeitamente como essa música surgiu e até me recordo da data e da hora em que ela saiu. Eu já tinha feito grande parte do trabalho e numa manhã acordei, sentei-me, gravei um som insistente e comecei a tocar o baixo. A minha ideia era iniciar a música ao contrário do que costumo fazer. Acentuei a linha de baixo e depois houve um crescendo. Num determinado momento senti que precisava de algum balanço. Para além das grandes influências do Caetano Veloso, Gilberto Gil e de outros artistas brasileiros, também fui marcado pela banda australiana The Cat Empire (eles misturam reggae, hip-hop e algum folk), mais pela cor que os sopros dão à música e isso para mim é tudo. Nesse sentido, deixei a música simples, num trio composto por baixo, guitarra e bateria, e só a seguir é que coloquei os teclados e sopros, para conferir esse tom tropicalista. Ao longo desse disco, procurei não fugir da imagem que eu queria passar e tentei fazer canções diferentes e explorar novos temas. Em relação à letra de “Pente Fino”, trata-se de uma situação em que deixei fluir as ideias. No meu caso, tenho de entrar em modo de piloto automático para que as palavras se cruzem. Depois, agarro esses ganchos e ponho pequenos apontamentos de maneira a que fique tudo metricamente correto e que não hajam grande problemas a cantar e a respirar. Portanto, é algo pensado para que esteja tudo meticulosamente colocado no sítio respectivo.

Você escreveu o tema “Quando Eu Quiser”, em 2020, para a cantora portuguesa Cristina Branco. Agrada-lhe o processo de passar suas músicas a outros intérpretes?
Claro que sim, porque vejo a música pelo lado mais artístico. Eu sou a pessoa que está a produzir. Por exemplo, quando crio uma bola, o que os outros fazem com ela surpreende-me sempre. São outras ramificações, pensamentos ou vontades. O esqueleto é o mesmo, o que muda é o floreado em volta do meu produto. Por isso, agrada-me ver as leituras dos outros músicos e perceber no que resultam as canções. Relativamente à Cristina Branco, eu fiz a canção, escrevi a letra e enviei o tema já com o arranjo. Depois houve algumas modificações em função da banda que ela tem ao vivo. Ficou incrível e adorei também o solo de contrabaixo. Acho que a Cristina interpretou a canção melhor do que eu e ainda bem. Estou super-preparado e com vontade de continuar a fazer músicas para outros intérpretes.

Pretende realizar shows futuramente? Onde e em que circunstâncias?
Na verdade, eu não preparei apresentações ao vivo para o EP “mossas”. Como você sabe, o panorama ainda está muito incerto. No entanto, já existem algumas atuações previstas para o verão, mas nada que eu possa falar. A minha ideia foi lançar este disco e trabalhar um bocado a parte visual com algumas pessoas. Enquanto a situação não voltar à normalidade nem sequer vou tentar promovê-lo intensamente ao vivo. Neste momento, não consigo tocar porque não há salas. Mas, confesso que estou com vontade de estar no estúdio a fazer mais músicas. A pandemia vai me permitir lançar dois discos e só depois é que virá a promoção. Claro que farei espetáculos, em princípio no verão, e a minha ideia é enveredar por algo mais solo (guitarra e voz e piano e voz) para mostrar estas canções. Também tocarei temas do “É” e do “Golden Riot” e vou criar uns arranjos mais simples. Para já, vou deixar as coisas como estão até porque as músicas do “mossas” exigem proximidade e silêncio e neste momento não existe nenhum lugar onde possa fazê-lo da forma como quero. Eu preciso de ter uma plateia que esteja concentrada e essa atenção está relacionada com o ambiente. Atualmente, em Portugal, isso é muito difícil de concretizar.

Objetivos futuros?
Eu gostava de editar mais músicas para as pessoas poderem escutar. Utilizando esta imagem: haver bastante sumo na minha laranja e permitir que o público faça um ´digging´ maior sobre mim e possam ter uma opinião abrangente sobre o meu trabalho. Pretendo continuar a escrever bastante, fazer lançamentos e começar a trabalhar na minha internacionalização. No meu plano pessoal, daqui a alguns anos, embora mantenha o foco em Portugal, existe a ideia de tentar alcançar outros mercados.

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