por Manoel Magalhães
Formado em 1982, ou seja, às vésperas de completar 40 anos de estrada, Os Paralamas do Sucesso são uma das bandas históricas do rock brasileiro, com um punhado de discos obrigatórios, hits incontestes e dezenas de pérolas escondidas em uma discografia exemplar. Juntos, Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone atravessaram um território inóspito na música popular brasileiro, ajudando a pavimentar um caminho para centenas de bandas que viriam depois.
O que muita pouca gente sabe é que, além dos três músicos, há uma quarta pessoa que está com a banda desde o comecinho na função de empresário, José Fortes, que na falta de habilidade para tocar um instrumento, assumiu a responsabilidade de representar a banda. “Existe um outro caminho que não seja só ser músico, dá para estar perto sem tocar”, conta José Fortes em certo trecho de “Os Quatro Paralamas”, documentário de Roberto Berliner que, após passar por festivais, estreia online no Canal Curta! e no Netflix.
Ainda que o foco de “Os Quatro Paralamas” seja jogar luz na amizade e parceria do trio famoso com seu empresário, o documentário traz diversas personalidades que circulam o núcleo paralâmico enquanto perpassa alguns momentos importantes da carreira de Herbert, Bi e Barone (o começo da carreira, o Rock in Rio, a fase América Latina, o acidente de Herbert com um preâmbulo cuidadoso que introduz Lucy, a esposa de Herbert falecida no acidente, no cotidiano da banda, até a retomada e os dias atuais). Confira abaixo alguns pontos de destaque da produção.
01 – O documentário é um retrato da amizade também para além do núcleo central dos três integrantes (Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone) dos Paralamas e do empresário José Fortes. Roberto Berliner, um dos diretores, filma o grupo desde 1986 e dirigiu “Herbert de Perto” (2008), os videoclipes icônicos de “Alagados”, “A Novidade” e “Trac Trac” e ainda a versão lançada em VHS do show “Vamo Batê Lata“, o grande registro ao vivo da banda no auge, gravado em São Paulo.
02 – O vídeo de “Vamo Batê Lata” acabou virando um especial exibido na Band em 1995. Lembro de gravar em VHS e assistir muitas e muitas vezes. Sempre pensei que a iluminação do show lembra muito a de “The Song Remains the Same”, do Led Zeppelin. Outro fato curioso é que o VHS de Roberto Berliner contém a versão dos Paralamas para “Whole Lotta Love” (assista a um trecho no final do texto), que não foi incluída no CD. Alguns trechos do show (e imagens inéditas dos bastidores) foram aproveitados em “Os Quatro Paralamas”.
03 – Roberto Berliner tem carreira destacada no cinema brasileiro. Ele dirigiu o documentário “A Pessoa É para O Que Nasce” e a cinebiografia da psiquiatra Nise da Silveira, intitulada “Nise: O Coração da Loucura“, com Glória Pires no papel principal. Talvez resida nessa experiência com a linguagem cinematográfica a opção do diretor em realizar um filme que escolhe não apresentar o roteiro óbvio, com a história explicada detalhadamente nos depoimentos, mas um apanhado de imagens sentimentais da relação entre as pessoas que construíram a trajetória dos Paralamas do Sucesso.
04 – Outro personagem do círculo de afeto citado no filme é o fotógrafo e radialista Maurício Valladares. Mauval, como é conhecido no Rio de Janeiro, fotografa a banda praticamente desde o início da carreira e foi responsável pelas fotos das capas dos álbuns “Cinema Mudo” e “Os Grãos”, além do clássico ensaio da banda em um bar que ilustra o encarte do LP “Selvagem?”, de 1986 (presente no livro “Preto e Branco“, que ainda traz fotos da Legião Urbana, Rita Lee, Tom Zé e muitas do cotidiano do Rio de Janeiro). Maurício é também uma espécie de John Peel brasileiro, com o seu longevo programa “Ronca Ronca” apresenta sempre o melhor da música brasileira e internacional no dial/streaming.
05 – Um integrante marcante da família também destacado no filme é João Fera, tecladista de talento exuberante que acompanha a banda desde 1986. João era vizinho do baterista João Barone em Seropédica, município fluminense que abriga a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, onde Bi Ribeiro cursava zootecnia e espaço que recebeu o primeiro show dos Paralamas.
06 – Outro documentário sobre os Paralamas foi produzido em 1998 por mais um grupo de parceiros audiovisuais da banda. “Paralamas em Close-up” foi realizado por Andrucha Waddington, Breno Silveira e Cláudio Torres, da Conspiração Filmes, produtora responsável por videoclipes premiados como “Ela Disse Adeus“, “Uma Brasileira” e “Busca Vida“. Lembro de assistir ao filme na HBO no final dos anos 90 e um dos convidados de destaque foi Roger Rocha Moreira, que toca “Inútil” e “Mim Quer Tocar” e conversa com Herbert, Bi e Barone. Os Paralamas sempre foram gente fina com todo mundo.
07 – Um dos momentos que mais gostei do documentário acontece quando Herbert, colocado na parede em um camarim, explica a composição de “Saber Amar”, que é uma referência à vida amorosa de Bi Ribeiro, um pouco mais movimentada que a dos companheiros de banda. O vocalista e João Barone chegam a discutir com Bi em outro momento do filme sobre as escolhas do baixista, que afirma não querer ter filhos.
08 – Falando em amor, uma das melhores histórias sobre Herbert não é citada no filme, por motivos óbvios. O cantor teve um relacionamento conturbado com Paula Toller, do Kid Abelha, que rendeu algumas das melhores músicas do grupo. “Uns Dias” e “Quase Um Segundo” são grandes canções com letras sobre essa fase da vida do vocalista. “Nada Por Mim”, parceria do ex-casal, também é muito conhecida e já foi regravada por artistas como Marina Lima, Simone e Ney Matogrosso – e cantada por Renato Russo no especial “Legião e Paralamas Juntos“.
09 – O filme é um belo documento de uma carreira profícua, mas principalmente destaca uma trajetória humana de amizade e respeito pela coletividade. Os Paralamas do Sucesso sempre priorizaram um bom ambiente e construíram relações duradouras em uma indústria onde a competição é incentivada e as relações são temporárias ou descartáveis. É a história de três amigos que tocam juntos por quase 40 anos com a ajuda de outros companheiros sempre por perto, sustentando viva uma ideia que orgulha a todos.
– Manoel Magalhães (@manoelmagalhaez) é músico e jornalista. Vive no Rio de Janeiro.
Parabéns e obrigado, Manoel! Belo texto! Um abraço
Roberto