entrevista por Renan Guerra
Desde 1979, quando lançou seu disco de estreia, “Simples Como Fogo”, Marina já se demarcou como artista de seu tempo presente. Entre ser Marina e Marina Lima, entre composições ao lado do irmão Antonio Cícero e entre tantos gêneros pelos quais ela navegou, sempre foi a sua percepção do hoje que prevaleceu – e isso segue sendo assim.
Em meio à pandemia e ao distanciamento social, Marina Lima está lançando de forma virtual o songbook “Música e Letra“, livro com partituras de toda sua discografia, e o EP “Motim“, com quatro faixas inéditas. Produzido em seu estúdio caseiro, o EP surge de experimentações de Marina sob novos formatos de lançamento – desprendida do conceito de disco cheio, ela tem se divertido testando canções, compondo com amigos e estudando um bocado.
“Música e Letra” está disponível gratuitamente no site oficial de Marina Lima e traz todas as canções presentes em seus discos, mesmo aquelas que não foram compostas pela artista, pois segundo ela, essas músicas ainda representam e constroem esteticamente o que são esses álbuns. São mais de 40 anos de carreira, 21 discos e 175 canções que foram transcritas por Giovanni Bizzotto, músico e parceiro de Marina desde os anos 90.
Já o EP “Motim” foi produzido por Marina e Alex Fonseca (com quem ela divide a autoria em uma das canções), e conta com parcerias com Alvin L. (que ainda faz vocal em “Kilimanjaro”) e Giovanni Bizzotto. Como convidado especial, Mano Brown participa na faixa “Nóis”. Já Candé Salles e Renato Gonçalves assinam, respectivamente, as fotos e o projeto gráfico do livro e do EP.
É bastante gente envolvida em um projeto simbólico para uma carreira tão longeva como a de Marina. Para falar sobre esses lançamentos, conversamos, via zoom, com a cantora, que contou todo o processo de preparo do songbook, o seu olhar sobre as novas formatações de lançamento musical e histórias deliciosas sobre sua amizade com Alvin L e Mano Brown. Confira o papo na íntegra abaixo:
Para começar, gostaria de saber como você está nesse Brasil de 2021 e nesse tempo de pandemia? Como você anda?
Olha, eu sou muito resistente, entendeu? Fora ser privilegiada e poder estar na minha casa e ter comida e estar esperando passar algum dia, fora esse privilégio, eu sou muito resistente, porque acho que interiormente eu preciso de pouco. Dentro de mim eu preciso de poucas coisas realmente importantes. Então a pandemia foi um choque, é um paradigma, eu acho que o mundo nunca passou por isso, dessa maneira, e na nossa época digital e tudo, foi uma loucura, foi um susto, uma sacudida, uma limitação, mas me fez, como tudo, ver e rever um monte de coisa que eu não quero mais. E apontar para várias coisas para onde eu vou agora, então quase tudo tem um lado bom – menos essa desgraça, entendeu?
Nesse sentido, você entende que nessa fase você se voltou um pouco para o trabalho, para o violão? Como foi esse último ano?
Eu já vinha há uns três anos pensando que eu deveria lançar um songbook de todos os meus discos, porque no decorrer da minha carreira – eu tenho 40, 42 anos de carreira –, eu fiz 21 discos, e no decorrer desse tempo, várias vezes, alguma editora vinha propor “Marina, vamos fazer um songbook da sua obra e tal” e eu sempre achei precipitado, sempre achei muito cedo, não sei nem como vai ser minha obra. Quando percebi, em 2019, dois anos atrás, que eu tinha 21 discos, eu pensei assim “olha, vai ser importante e inteligente da minha parte, já com 65 anos, deixar pronto o que eu já fiz até aqui”. Embora eu tenha preguiça de olhar pra trás, esse registro é importante, “Marina, seja responsável, os discos estão aí, agora faz um songbook, com partituras, cifras e letras desses 21 discos”, porque os discos são o que considero o tesouro da minha obra. Os discos, mais do que um songbook só autoral, embora eu seja uma autora, os discos dizem muito sobre mim, então quero fazer um songbook com tudo. Comecei a preparar, chamei um cara, o Giovanni Bizzotto, que é um cara incrível, que demorou quase dois anos trabalhando. Vida que segue, isso era um projeto paralelo. Chega a pandemia no finalzinho disso, do songbook, eu já começando um trabalho chamado “Pra Começar Tour”, onde eu estava indo a vários festivais. Porque hoje em dia, no Brasil, o formato de se consumir, apresentar, ouvir música mudou, então uma coisa que ficou muito presente hoje em dia são os festivais. 11 horas da manhã, meio-dia, uma da tarde, festivais de gente jovem. Então eu tinha acabado de fazer um show para esse tipo de formato. Cheguei a fazer Inhotim e Fortaleza, na praia do PI [Praia de Iracema]. E acabou. E aí eu me vi louca, amarrada, toda já programada “você não pode nada, você não pode sair, você não pode ver ninguém”, eu falei “eu não vou aguentar, eu vou ficar louca”. E aí, graças a deus, a minha aptidão é música, tudo que eu faço quando tenho um tempo é estudar música. Comecei a estudar muito cedo, ganhei um violão com cinco anos de idade, a vida inteira estudo. Até pouco tempo, esses dias eu entrei na Souza Lima, que é uma escola tradicional aqui em São Paulo, só pra fazer umas aulas, eu gosto de estudar, música é uma coisa infinita, quanto mais se aprende, mais você descobre. Então eu pensei “bom, é uma oportunidade que eu tenho de estudar e ninguém me cobrar ‘ai você está estudando?’”, ninguém pode me cobrar, não posso fazer nada. Então eu posso me dedicar realmente ao que mais importa que é a música e eu fiz isso. E essa pandemia durou.
Sim! E você falou um pouco sobre essa forma de consumo da música pelas pessoas e tudo mais; tanto que a maioria dos lançamentos hoje em dia é apenas digital. Então você ter o seu songbook de forma digital, gratuita e que as pessoas podem acessar e conferir enquanto elas estão ouvindo a música em outra plataforma também é um material que traz uma memória diferente para esse universo da internet.
Eu acho que sim, eu acho que foi a forma mais inteligente de lançar. Quando eu pensei “eu vou lançar um produto que é um songbook que revisita a minha obra até aqui”, quando eu pensei nisso e entendi também que eu ia lançar um EP com quatro músicas junto, simultaneamente, eu organizei um pequeno grupo de quatro pessoas para me ajudarem a organizar. O ponto de partida era a música, mas precisávamos organizar como chegar até você, jornalista, até o cara que consome o Spotify, até o cara que não tem o Spotify, que ouve música só no YouTube, vendo vídeos. Eu comecei a ver as maneiras que tinham de se chegar através da minha música no público hoje em dia e pra isso contei com o Candé [Salles], que faz o visual, o audiovisual. A música hoje em dia é audiovisual, todo mundo que ouve no YouTube quer ver o vídeo; não é o que eu gosto, música pra mim é áudio, mas é o mundo de hoje, então como eu faço o meu áudio chegar lá? Então, é audiovisual, chamei o Candé que é um cara que me conhece, que não me incomoda, que eu admiro, que eu acho um excelente cineasta, para registrar a feitura um pouco do final do songbook e o começo do EP.
Você já havia trabalhado com o Candé no filme “Uma Garota Chamada Marina” (2019), né?
Sim, eu já tinha trabalhado com ele num filme que a gente nem sabia o que ia ser. Ele gosta muito de mim, me admira, tá sempre ao meu lado, acha graça, então tá sempre filmando, pois ele mesmo é curioso. Tudo partiu disso, e aí eu fazia graça pra ele, era um relacionamento eu e ele, quando de repente isso chegou no canal Curta! através dos produtores Letícia Monte e o marido Lula Buarque – na época, hoje eles já separaram. Então uma coisa feita meio que em casa acabou virando profissional; e foi bom, porque doeu menos, pois é a cara da gente. Então eu pensei “como eu faço agora para ter alguém que não me incomode e que possa registrar audiovisualmente essas coisas que vão acontecer?”. O Candé foi um. O Giovani era o músico que eu escolhi para transcrever tudo, que quando ficasse pronto, iria me encontrar para eu revisar tudo e ver o que estava certo. Teve o Renato Gonçalves, que é um jornalista, que eu conheci na internet, no Twitter, há 10 anos atrás, quando mudei pra São Paulo. Entrei no Twitter e procurando gente assim, eu encontrei esse cara e gostei das coisas que ele escrevia e tal, aí ficamos amigos de internet. Acabamos nos conhecendo e realizando alguns trabalhos juntos. Então chamei o Renato para nós quatro pensarmos de que maneira lançar isso e chegamos nisso que você conhece agora, que é o songbook digital, didático, simples e bonito, porque um songbook é bonito, é um sonho de qualquer pessoa que queira aprender música. Foi como eu aprendi mesmo, quando eu descobri que queira estudar, eu comprava songbooks dos Beatles, do Tom Jobim, do Gilberto Gil, então songbook é o que o estudante de música, o louco por música, quer ter, que ensina tudo ali de uma maneira didática e fácil. Era uma forma que eu tinha, de verdade, sem ficar piegas – vamos passar rapidinho por isso, mas – de certa maneira, de retribuir ao meu público eu estar até hoje, eu, uma mulher brasileira, que toca sem parar na rádio. Isso não é muito comum. O meu trabalho, você pode estar em qualquer lugar, ele toca em todas as rádios. O público brasileiro gosta de mim. O da minha idade passou para os filhos, os filhos passam pros amigos; a verdade é que eu toco em um monte de rádio jovem, tenho um monte de fãs de 20 anos. Enfim, a minha história é muito vitoriosa e atual, até hoje com a música, então eu falei “eu vou dar de volta para esse público todo”. Olha, se esse cara aprender a tocar essas músicas que estão nesses discos todos aqui, estão todas aqui, mas pra não ficar um projeto revisionista, revisitar passado, eu vou lançar quatro músicas novas e vou incluir no projeto, se vocês gostarem, podem aprender a tocar e vou colocar nas plataformas, aí eu tenho um projeto atual. E de memória afetiva, pra ajudar as pessoas que gostam de música. Então isso virou um projeto que, ao menos pra mim, enquanto público, seria interessantíssimo.
Essas novas canções também meio que passeiam pelo seu passado, mas falando de coisas muito, muito atuais, e eu acho isso muito simbólico nesses quatro lançamentos.
Sim, é que quando comecei a estudar música novamente, comecei a compor como uma louca. Era natural, porque eu já sei música e o dia inteiro quatro, cinco horas por dia trancada no meu estúdio, numa pandemia, com violão, com parafernália eletrônica, computador ligado, meus teclados virtuais e os que eu tenho aqui, eu só pensei nisso, então comecei a compor muito. Pensei assim “cara, eu não quero lançar um disco”, já basta os 21 revisitados, a maneira mais legal e justa agora é lançar quatro músicas. Aí eu escolhi quatro das que eu tinha feito e que eu achei que representavam bem o meu momento agora e a minha carreira em si. E quando eu mostrei isso pro Candé, pro Renato e pro Giovani, eles ficaram loucos também com as músicas. Aí eu achei que eu estava certa e fui trabalhar nisso.
E aí você também traz participações nessas músicas: tem o Alvin L, tem o Mano Brown. Como você chegou nessas trocas?
Bom, o Alvin é meu parceiro há muitos anos. Eu conheci o Alvin na época de um disco meu chamado “Marina Lima”, seu eu não me engano é de 1991. E aí eu já estava terminando de fechar o repertório quando eu ganhei uma fita cassete de uma amiga nossa, a Andreinha Alves, com quatro músicas do Alvin, que ele pediu à ela para me mostrar. E no meio dessas quatro músicas tinha “Não Sei Dançar”. Conheci o trabalho do Alvin através de “Não Sei Dançar”! Que é uma obra-prima e que eu gravei nesse disco, e claro que nos conhecemos depois disso, nos tornamos amigos e terminamos parceiros.
Fizemos várias músicas juntos que eu adoro, tipo “Paris – Dakar”, “Na Minha Mão”, “Alguma Prova”, tenho algumas músicas com ele que eu adoro e que só podiam ser com ele. Mas eu estou morando aqui em São Paulo há 10 anos, então tinha uns 13 anos que eu não falava com o Alvin. Mas a nossa relação é tão simbiótica que eu liguei um dia, pelo whatsapp, para ele:
“Alvin, aqui é Marina”
[Marina imita a voz de Alvin] “Oi, como vai?”
“Meu querido, você está bem?”
[Marina imita a voz de Alvin] “Eu tô e você?”
“Alvin, tô compondo um EP e tal”
[Marina imita a voz de Alvin] “Ai que ótimo. Agora não diga!”
“Fiz uma música que eu queria te mandar”
[Marina imita a voz de Alvin] “Manda!”
Assim, eu mandei “Motim”, que estava quase pronta, já tinha toda a estrutura dela, melodia, até ideia de arranjo e tudo, e as métricas todas, algumas palavras também que eu queria botar, como “caí no mar com você”, mas eu expliquei “ó, a história é essa, como é que você se vê, tem alguma história parecida?”, ele disse assim “olha, deixa comigo”. E aí começamos a trocar e a primeira que fizemos foi “Motim”. Dele e do Giovani, com que eu já vinha trabalhando no songbook, que eu tava ligadíssima a ele. Aí a segunda, pra mim, quando eu fiz ficou durante algum tempo a que eu mais gosto, não sei se hoje em dia é a que eu mais gosto, na época ficou sendo a que eu mais gosto, que se chama “Kilimanjaro”. Pelo seguinte, eu sou sempre responsável pela parte de áudio, porque não tenho banda, quando componho eu faço a parte musical ou no violão, ou no computador, então entrego demos praticamente prontas para os músicos. Os músicos são muito importantes, me ajudam a achar timbres, ideias e frases, mas as músicas vão meio prontas, não mudam tanto acorde, não é muito por aí, é uma outra coisa, é uma outra mágica e eu sempre compus assim. E na época do EP, o Alex Fonseca, que é um músico que já trabalhou comigo muitas vezes e que eu adoro, já produziu disco meu e que eu acho um grande músico, sempre que eu posso, quando o momento dá, eu trago ele pra perto. E nesse EP, eu falei “é o Alex, ele é o cara”, falei pra ele “tô fazendo um EP e tal”, ele disse “você já tem as músicas?”, eu falei “já”, ele disse “deixa eu te mandar uma música que eu tenho nova”, e me mandou uma parte, uma outra parte, a segunda parte de “Kilimanjaro”, que nem tinha esse nome. Eu fiquei louca pela música, aí eu liguei pro Álvin e falei “ganhei uma música do Alex; eu não tenho tempo agora, porque fora as suas, eu tenho as minhas pra terminar, tenho outras pessoas, toma essa música do Alex, se você gostar, faz alguma coisa”. Aí eu comecei a trabalhar numa música chamada “Kilimanjaro” com o Álvin, linda e chega a música do Alex com o Álvin que eu fiquei louca, aí eu imagino que seja assim que, por exemplo, o Renato Russo e o Legião [Urbana], ou o Thom Yorke, no Radiohead, deviam trabalhar, que são quando há pedaços bonitos de um elemento e de outro elemento e se encontram e se juntam e fazem uma música totalmente inesperada, que é “Kilimanjaro” pra mim. Eu nunca tinha composto assim. Então pra mim foi uma descoberta. Eu fiquei louca por essa música. Então o Alvin foi assim. E o Mano Brown eu já conheço há muitos anos; eu posso te contar a história toda, depois você edita e bota o que você quiser.
Não, pode contar a história toda sim. Fiquei curioso sobre esse seu encontro com o Mano Brown.
Quando os Racionais lançaram o primeiro disco, eu não sei se você lembra, mas eles não apareciam em lugar nenhum.
Sim, sim.
Eles eram muito exigentes em se expor, eles eram muito fechados, tudo era muito verdadeiro, muito novo, a periferia falando e ganhando voz, tinha uma questão muito séria, onde não podia haver traição. E televisão era meio assim, ninguém conhecia bem, então eles não iam a nada, ninguém conhecia eles. E eu não sei por que, não sei como foi, teve um momento em que a MTV conseguiu negociar com eles e eles tinham ganho todos os prêmios praticamente aquele ano e eles foram os convidados especiais da MTV. Devem ter colocado um monte de exigência pra ir, enfim, mas a MTV topou e no VMB a grande atração era que os Racionais iriam aparecer. E assim, ver eles, o Mano Brown, os caras, os DJs. E eu, que ia às premiações da MTV já há uns 2 anos e tal, fui nesse dia. Eu tava sentada na minha cadeira, junto com alguém, empresário, sei lá, tinham lugares marcados e tal. Aí veio, por trás, um cara que eu nunca tinha visto, que era o Mano Brown, e a mulher dele, que eu também não conhecia, eu nunca tinha visto eles. O Mano Brown me futucou e eu virei e fiz “Oi”, “eu sou o Mano Brown”, aí eu tomei um susto, “oi, que prazer, nossa, como vai?” fiquei olhando assim, aí ele disse “essa é a minha mulher, Eliana”, ela era linda, ela é linda, uma mulher linda, era uma mulher tipo Rihanna, linda! Eles eram muito orgulhosos um do outro, era uma relação muito bonita de se ver, esses dois juntos, um casal bonito. E aí eu fiz assim “oi, que prazer”, mas eu não entendi direito. Aí eles disseram “olha, Marina, nós somos seus fãs, conhecemos seu trabalho, adoramos você”, aí ela falou assim “eu quis vir aqui com o Brown te dizer isso, pra você saber”, eu falei muito obrigada e tal, mas eu nunca esqueci isso, ficou guardado como uma coisa muito… eu nem contei muito, porque ninguém ia acreditar, fiquei quieta. Mas aí houve outras premiações, inclusive de prêmios de rap e hip-hop. Quando o hip-hop começou a ficar mais conhecido na periferia, tinham premiações e estavam surgindo grupos de hip hop no Rio de Janeiro, em São Paulo, Sabotage, Marcelo D2, começou a aparecer um monte de gente nova, diferente, alguns famosos e tal. Então volta e meia eu encontrava o Mano Brown quando me chamavam pra dar algum prêmio. Eles simpatizavam comigo, o pessoal do rap, e eles me chamavam para dar prêmio, assim como chamavam, sei lá, a Regina Casé, eu era sempre chamada e eu adorava, eu ia e ficava com aquele pessoal que eu não tinha outra chance de conhecer, e eu podia fazer amizade e tal. O Mano sempre estava, então fomos ficando amigos. E aí eu mudei pra São Paulo, em 2010, há 11 anos atrás. E eu tenho um outro grande brother, um grande amigo compositor, um cara que começou comigo e nunca terminamos. William Magalhães, que é um grande músico e é filho do cara do… daquela banda negra brasileira super importante do Rio de Janeiro… meu deus.
Black Rio?
Isso! Claro! A Banda Black Rio. Quem fundou a banda foram os trompetistas e o pai do William era um deles, o Oberdan. Isso estourou em todos os bailes, abriu uma novela, foi um acontecimento. Caetano botou pra tocar com ele num show num teatro, “Bicho Baile Show”. Enfim, eles tiveram uma influência grande. E teve uma época que o William decidiu vir pra São Paulo levar isso adiante. O pai tinha morrido, era um legado e ele quis levar isso adiante, quis se dedicar a isso. E eu também vim pra São Paulo, estava gravando um disco chamado “Clímax” (2011) e falei “pô William, vem tocar aqui no disco”. Lá veio ele, mas ele trouxe o Mano Brown! E aí chega o Mano Brown e eu fiquei felicíssima, a gente gravando, o Mano Brown ouvindo, participando, já com uma intimidade, entendeu? Aí trocamos telefone e tal, e de repente, de vez em quando, a gente trocava alguma mensagem. Por exemplo, eu ia em um festival em Minas e eu sabia que ele ia, aí eu mandava “eu já sei que você vai estar nesse tal lugar, ô Brown, vamos nos ver”. Aí a gente combinava uma hora no backstage e se falava. E aí na pandemia, eu fiz uma música, que é aquela música. Eu não tinha feito a letra, tinha feito a ideia da música, o baixo, os teclados, toda a música, toda a ideia. Ele me mandou uma mensagem assim “e aí, Marina, como é que você está nessa pandemia? Pô, baixo astral e tal”, aí eu falei “Mano Brown, é agora, não podemos fazer nada, é a hora de compor, vou te mandar uma música e ver se você gosta”. Mandei a música e ele falou assim “amei a música, adorei”. Aí eu falei “vem pra cá”. Aí marcamos e ele começou a vir aqui. Toda semana ele vinha, ficada duas, três, quatro horas aqui, porque eu tenho um quartozinho com computador, meus teclados, o microfone, o violão, um lugar incrível onde eu fiz o EP “Motim”, gravei ele todo aqui em casa. Então ele começou a vir aqui, mas o Brown, invés de ele botar uma letra, porque eu achava que ele ia ouvir aquilo e ia sair falando, que era a imagem que eu tinha um pouco dele, pensar numa coisa sobre o problema, sobre o momento, sobre a noite, meio marrenta meio irresistível, era essa imagem que eu fazia. E tinha um microfone ligado, e aí eu começo a ouvir… O Brown não sabe operar as coisas, ele não opera, ele tem lá as pessoas que operam, eu não tenho ainda essa sorte de poder ter alguém aqui operando pra mim, sou eu mesma que tenho que operar, dá um trabalho danado, mas tudo bem. Tava eu operando para o Brown ouvir enquanto eu cantarolava, e aí eu operando vendo se a voz estava bem, se estava tudo certo, se estava saindo e tal, e ficava um vocalize, ficava uma voz cantando perto do meu ouvido, porque o microfone era perto do meu ouvido, um vocalize que não tinha letra [ela imita o vocalize de forma onomatopeica]. “De quem é essa voz?”, aí uma hora eu virei e vi que era ele e eu falei “Brown, cara, eu não sabia que você cantava tanto e tal?”, e ele “Ah, essa coisa aqui…”. Eu falei: “Brown, olha só, não sei se você faz isso nos seus discos, se você faz eu nunca ouvi”, “Ah é, é porque eu tenho as ideias, mas na hora de gravar boto outras pessoas gravando, não gravo”. Aí eu falei “mas por que você não grava?”, “ah porque tem gente que faz muito melhor do que eu”. “Porra, Brown, você podia gravar no meu”, ele fez assim “ah, vamos ver”, e eu falei “tá, então pode ficar tocando aí” e eu fiquei gravando as vozes do Brown. A gente discutia, ia andar de carro, ele me mostrando São Paulo, bebendo alguma coisa, fumando um, pensando na letra, na música, no mundo e como é que a sua vida, como é que é a sua, ficamos muito amigos. Conversamos sobre tudo: eu não ter filhos, “quanto você calça?”, as conversas mais loucas possíveis. E aí isso tudo me fez conhecer muito o Brown, entendeu. E de ficar louca por ele, de ser amiga dele, de ficar agradecida por ter o encontrado. E aí eu fiz uma letra, chama “Nóis”, sobre eu, ele, o Brasil, a situação, o desejo de estar junto, sobre o que eu sentia principalmente tendo ele perto de mim. E fiz uma melodia em que eu canto a minha letra como um contracanto com o vocalize que ele fazia, pra poder cantar com ele, e aí nasceu “Nóis”.
Essa história é linda!
É linda né? Incrível, é realmente incrível. Ele é muito feliz por isso e eu também e a gente fica encantado. Agora a minha última novidade é que eu resolvi propor algo pra enlouquecer o William. Isso agora já, com tudo pronto, esses dias eu liguei pra ele, conversando e tal, e disse “Brown, tive uma ideia de fazer uma música, não sei se é pro meu disco, pro seu, pro disco dele, não importa, mas fazer uma onda eu, você e o William, o que você acha disso?”, o Brown na hora “por que te ocorreu isso?”, eu falei “porque são três pessoas loucas que se conhecem, muito musicais, que tem muitas ideias, podem até brigar, mas acabam rindo, eu acho que a gente tem tudo pra se divertir, vamos fazer?”, “vamos fazer”. Aí falei com o William e qualquer hora estamos lá juntos.
Você até chegou a falar da questão de não ter a necessidade de lançar, por exemplo, um disco completo, mas poder trabalhar dessa outra forma, mais livre, não é?
É porque, como eu te falei, o formato de música mudou, tudo mudou. Então, não é que eu acho “ai que saco”, não, eu amo música. Eu acho que a música me mantém viva, feliz, ligada. Eu sou auditiva, eu sou totalmente dionisíaca, pra mim a forma e tal vem depois, primeiro vem o ouvido, então eu sou muito ligada em música. Então eu fico querendo mostrar as coisas que eu acho que valem a pena e que são, de certa maneira, a trilha sonora da vida de muita gente. Hoje em dia eu fico pensando em maneiras de como chegar nessas pessoas. Então, algum dia eu posso sim fazer um álbum, por que não? Talvez sim. Se eu achar que é, que tem a ver com o momento, eu posso fazer, mas, no momento, eu estou assim mais vira-lata. Eu descobri o EP, descobri que posso fazer um negócio louco com o William e com o Mano Brown, descobri que eu posso fazer uma música instrumental e lançar, posso até ter um nome de uma banda que não seja o meu. Não estou falando que vou fazer tudo isso, estou falando que são possibilidades que descobri, que eu não sou mais obrigada a ser a Marina Lima que vai lançar o tatatal disco, não sou mais obrigada. Fiz isso durante 21 discos, tá tudo ali, dei o melhor de mim, o melhor de mim está ali. Agora o melhor de mim nesse momento virá ainda. E agora é nisso que eu estou mergulhada!
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz.