entrevista por Fábio Bianchini
Foi a Clarisse (que não é da banda) quem lembrou outro dia: no comecinho das aventuras do Sandman de Neil Gaiman, logo que se liberta do cativeiro de décadas, o Senhor dos Sonhos está com poderes diminuídos, seu reino destruído. Enquanto busca recuperar seus artefatos, se vê no meio do inferno, em um duelo que pode lhe custar a escravidão eterna. O momento em que começa a recobrar a confiança para retomar seus domínios é quando toma para si uma identidade especial: “sou a esperança”. Mais ou menos da mesma maneira, no meio do duelo de caos e ruínas de 2020 e 2021, Sonho Estranho imaginou, desenvolveu, criou e compartilhou uma bolha onírica de fé, empatia e possibilidades. Ou um mini-álbum e um clipe, como preferirem.
Sonho Estranho é uma banda/coletivo mais ou menos sediada em Florianópolis, que lançou em março o primeiro álbum, “Moro no Mesmo Lugar que Você” (2021). São oito canções que esticam o conceito de dreampop para o lado do rock lo-fi e referências emo: canções curtas, guitarras quase sequinhas, instrumentação econômica, vocais encharcados de eco, letras repletas de livre associação entre sonhos, memórias e imaginação. Pense em Yo La Tengo, Alex G, Galaxie 500, Mutantes, Elliot Smith e tem uma pista. O álbum está inteiro para download e streaming no Bandcamp da banda.
O primeiro single, da música “Lembra?”, saiu no começo de março. O clipe é uma sequência de fotos dos integrantes em tempos recentes, mas antes de formar a banda, passadas em ritmo acelerado. A prévia que aparece no Youtube e nos links é uma imagem do Taliesyn, bar de rock no centro da capital catarinense que fechou seu último endereço em julho de 2020. Faz nem um ano, mas parece outra vida. Já aciona assim um clima de nostalgia e irrealidade que continua na letra: “Lembra quando a gente não sabia nada sobre a vida? A gente não sabia nada sobre nós”. A impressão de estranheza e inocência perdida fica ainda mais aguda quando a gente percebe que nenhum dos integrantes tem mais de 25 anos e todos parecem ainda a caminho do auge.
“Foi, de certa maneira, intencional”, explica Duds Possa. “Acho que mesmo sendo esse lance de memórias recentes, e para pessoas que não estão envolvidas no clipe, isso acaba acontecendo porque tem esse lance muito forte do tempo passando. E eu acho bem forte quando tem essa coisa dos momentos acontecendo de uma maneira muito rápida”. João Pretto completa: “E essa época também, que a gente está vivendo, que é bizarra. Acho que agravou a nostalgia”.
Se quiser, dá para chamar o Sonho Estranho de supergrupo de nicho do novo indie brasileiro: João e Duds são também integrantes da Exclusive os Cabides; Duds tem mais o projeto solo Home e ocasionalmente toca com Frabin e Irmão Victor. Na banda estão ainda Wagner Almeida (um dos lumiares da Geração Perdida de Minas Gerais), Carola Werutsky (La Leuca), Vitoria Saiago (praticamente integrante da La Leuca) e Antonio dos Anjos (também Exclusive os Cabides). Quase todos moram em Florianópolis, onde Wagner veio tocar em julho de 2019; os laços se estreitaram quando ele voltou, em janeiro de 2020. Os planos surgidos ali e ainda pouco definidos originaram um grupo de Whatsapp formado pelos seis.
E aí, como em toda história de 2020, chegaram a pandemia e o isolamento. No grupo de whatsapp, chamado Escola do Rock, discutiram ideias, desejos, formatação do projeto, sonhos, método, tudo quanto era assunto, e as ideias evoluíram para um repertório, gravado a distância pelos integrantes na quarentena. Quase todas as composições partiram de rascunhos esboçados por Duds, alguns deles inicialmente planejados para o Home, que, aliás, tem um álbum de 2016 chamado exatamente Sonho Estranho.
Mas ainda não pensavam nesse nome nem nesse clima para o álbum: ambos surgiram à medida em que o projeto era construído, cercado de 2020 por todos os lados. O processo, claro, inevitavelmente se reflete nas canções. Carola acredita, entretanto, que o mundo real reforça esse viés de leitura da obra: “Teve muitos álbuns lançados na pandemia que eu acho que por acaso se encaixam nesse contexto, mas é engraçado pensar isso, porque a vida talvez já estava um pouco apocalíptica antes do apocalipse acontecer”, lembra.
“A gente tropeçou em um monte de coincidência nesse projeto inteiro”, observa Vitória. “A gente falou do nome Sonho Estranho e ninguém sabia que o Wagner já tinha colocado um instagram chamado Sonho Estranho pra gente ter um dia. Ele só falou ‘ah, eu acho que vou fazer isso daqui’”. Coincidência ou não, é Wagner, único da formação a nunca ter sido habitante de Florianópolis, quem canta a faixa-título do álbum, tornando especialmente tentadora a ideia de que esse “mesmo lugar que você” é um local mais psíquico do que físico. A letra curta e recorrente é quase um manifesto: “vivo pra sonhar, sonho pra viver, moro no mesmo lugar que você”.
O motivo onírico envolve todas as composições e é arrematado por duas versões: “Peixe-Beta” é uma versão em português, tradução quase literal, de “Tugboat”, do Galaxie 500, em produção mais crua e doméstica, mas igualmente repleta de fantasia. E a delicious track no final revisita “Relógio”, dos Mutantes, como em um devaneio. “Rolou uns feedbacks (de) a pessoa falar que o álbum parece um sonho, a atmosfera do álbum assim e tal. Só que não é como se tivesse sido tudo planejado, o nome ser Sonho Estranho e o álbum ser esse e ter juntado tudo”, conta Antônio.
Sonhos anotados e compartilhados, David Bowie no banheiro do shopping, Miles Davis e ursos polares que não têm nada a ver: a entrevista completa.
O clipe de “Lembra?” desperta um sentimento de nostalgia bem forte, especialmente, no meu caso, com uma foto do Talyesin na miniatura do youtube, mesmo sendo tudo memórias bem recentes. Foi intencional?
Carola: É bem literal “Lembra?” ser uma coisa nostálgica.
Duds: Eu já tinha feito um pedaço de um clipe uma vez assim, com fotos super rápidas, e percebi que elas têm um impacto emocional muito forte, no sentido de você ver o resumo dos últimos anos da tua vida acontecendo muito rápido. Acho que mesmo sendo esse lance de memórias recentes, e para pessoas que não estão envolvidas no clipe, isso acaba acontecendo porque tem esse lance muito forte do tempo passando. Foi, de certa maneira, intencional.
João: E essa época também, que a gente está vivendo, que é bizarra. Acho que agravou a nostalgia.
Antônio: Assim que foi upado o vídeo, o youtube deu opções de capa, mas tem a opção de upar uma capa. Aí eu mandei mensagem pro João e falei pra ele que achava que seria uma boa ideia colocar a do Talie justamente por remeter, para nós, como pessoas que frequentavam o Taliesyn, por essa foto trazer mais sentimento. Saudade de shows…
João: Saudade do Taliesyn, que fechou, né?
Carola: Encaixou muito bem na preview da première, parecia que era o front ali do Taliesyn, pra depois
estrear o clipe, aí tu entra e vive tudo aquilo de novo.
Duds: Também tem um lance, tipo aquela região ter sido onde muitas pessoas começaram a viver coisas no mundo da música aqui em Florianópolis, sabe? A minha iniciação na cena da música aqui em Floripa foi ali, na região do Taliei, no Centro, rolê, conhecendo pessoas, interagindo com pessoas. A primeira vez que eu vi o show do Wagner foi do lado do Talie, na Tralharia.
Antônio: Eu estava vendo ontem o youtube desse show na Tralharia.
Duds: Aquela região tem impacto bem forte pra quem tava vivendo a cena aqui em Floripa.
Como foi a produção do álbum?
Duds: A gente queria primeiro se reunir e fazer coisas juntos, né? Só que aí no meio desse processo teve a pandemia e eu fiquei pensando “essas pessoas são muito legais, eu quero fazer coisas com elas no futuro, mas agora as condições não estão… tipo, não tem nada no nosso horizonte próximo que fosse possível fazer coisas juntos. Aí eu pensei tá, então vou usar as minhas composições pra começar algo e tentar incluir todo mundo no meio do processo pra, no futuro, a gente conseguir fazer coisas juntos. A produção foi toda supercaseira, tirando a finalização. Gravei tudo com uma guitarra em linha, numa mesinha da Behringer super tosca, os baixos são uma guitarra em linha, tudo guitarra em linha, uma guitarra Rocky de cem pilas.
João: Constando que Rocky é o nome da guitarra do George Harrison. Pode continuar. (nota: é a Fender Stratocaster que Harrison aparece tocando no clipe de “I Am the Walrus”).
Duds: Eu fui trabalhando as faixas no Ableton e depois, quando o esqueleto de tudo estava pronto, a gente mandou pro estúdio Fiaca, pro Cris e pro Yan e pro Martin, pra gravarem as baterias e fazerem a mix e a master.
Conseguiram se encontrar durante esse período?
Antônio: A gente tirou um fim de semana, eu, o Duds e o João, pra fazer as vozes de umas cinco ou seis faixas que restavam pra terminar, porque já tinha uma faixa com as vozes do Wagner. “Jogar” já estava com as vozes do Wagner antes até da gente criar o grupo. E “Armação” já estava com as vozes do João, essas foram as duas primeiras. Aí o Duds veio com o restante das músicas, falou que podia ser feito um álbum, passamos um fim de semana em Palmas (nota: praia de Governador Celso Ramos, na região metropolitana de Florianópolis). Chegando lá, queimamos a largada, ficamos muito bêbados, eu passei mal, baixou a pressão, caí no banheiro, tirei a camisa, fiquei suando.
João: Eu tive que levar salzinho na colher pro Antônio.
Antônio: Acabou se tornando um álbum especial, toda vez que eu ouço lembro de quando a gente estava gravando lá em Palmas, foi um fim de semana muito bom, a gente já não se via há muito tempo, então foi um alívio muito grande rever o João e o Duds pra gente gravar essas coisas.
João: “Coração” a gente escreveu lá, né?
Antônio: Tinha meio que pronta a letra do Duds, a gente combinou de talvez mudar uma coisa ou outra. O início é o que o Duds já tinha escrito, de abrir a janela, deixar as coisas entrarem. Aí já sei, vamos falar que a gente tá com saudade do Centro, aí “saudades dos dias de Centro” e todo mundo “éééé”, o João comentou “cara, vamos fazer que nem as Meninas Superpoderosas, no fim só o amor faz o mundo andar”, a gente assim “ééé, isso aí”.
Duds: Tu confundiu tudo. O João tinha escrito aquela letra e eu dei a ideia das Meninas Superpoderosas. Nesse dia a gente se reuniu também pra agilizar o negócio das letras, porque tinha várias que eu estava sentindo que não estavam muito boas e eu sabia que trabalhando junto com o Antônio e o João pra escrever seria melhor. Foi o final de semana que a gente aproveitou pra fazer tudo que estava faltando.
João: Constava um urso polar na letra, que eu fui censurado pelo Duds.
Antônio: É verdade, o Duds falou que não tinha nada a ver.
Duds: Foi um lance muito cruel, porque eu levei a quarentena muito a sério, fiquei sete meses sem ver ninguém. A primeira vez foi uma ocasião especial, assim, depois de sete meses, a gente poder fazer isso agora. “Vamos fazer um final de semana pra tentar agilizar esse álbum também”. E deu super certo.
João: A primeira vez que o Duds me mandou os instrumentais, eu me enrolei pra começar porque nunca tinha feito assim, começar a escrever assim do nada. Até me ajudou a começar a fazer isso, compor sem uma base… na real, com uma base estética que o Duds me deu, que era fazer uma música como se fosse pra Home, que é pra ser uma música como se estivesse viajando, mais no pique do sonho mesmo, porque não tinha o nome ainda, Sonho Estranho. E aí eu escrevi o primeiro verso da que virou “Armação”, que era a música do balão. Armação por causa da praia, obviamente. Eu descrevo no primeiro verso que eu sinto saudade de ver a paisagem do ônibus quando passa, ver a praia e enfim. Acho que o processo foi bem construtivo.
A maior parte foi escrita antes ou na quarentena?
Duds: Mais ou menos, porque algumas letras eu já tinha elas escritas e “Lembra?” eu já tinha feito antes da pandemia. Mas todas elas são parte do processo criativo que envolveu os sonhos que eu tenho. Eu sonhava com um pedaço da letra, sonhava com uma melodia, sonhava com algum elemento que me inspirasse e eu acordava e tentava o mais rápido possível fixar aquilo no mundo real, tocar ou escrever o que eu sonhei ou escrever pra transformar em algo que coubesse dentro do álbum. Então, tem coisas que aconteceram nesse álbum por causa da pandemia, ele foi feito nesse período, é impossível que não tenha coisas que aconteceram nele por causa do contexto, mas ao mesmo tempo as composições são bem introspectivas, eu acho, e não falam tanto do mundo exterior, são mais coisas pessoais.
Carola: A banda ia nascer porque a gente queria tocar junto, fazer uns showzinhos, tu, tu e tu e um monte de gente, amigos e talvez gravar um negócio, ele sempre falava isso, toda a vez que a gente se via. Aí a banda surgiu dessa vontade de tocar em show, que não dá mais pra fazer agora, mas tinha a ideia e todo mundo estava a fim de fazer. Acabou virando um álbum que por um acaso se encaixa muito no contexto de agora. Teve muitos álbuns lançados na pandemia que eu acho que por acaso se encaixam nesse contexto, mas é engraçado pensar isso, porque a vida talvez já estava um pouco apocalíptica antes do apocalipse acontecer.
Antônio: Eu acho que o projeto ia acontecer, talvez com mais pessoas, se não estivesse tendo a pandemia, com mais pessoas cantando, com mais participações, ou talvez não. Acho que seria outra parada, teria outras composições, mas eu acredito que teria surgido mesmo sem a pandemia, talvez não no exato momento em que surgiu, mas a em algum momento a gente iria se reunir em algum projeto.
Vocês costumam anotar sonho?
Antônio: Eu fiquei anotando por um tempo, foi numa época em que o Marco (nota: Marco Benvegnù, da Irmão Victor) ainda morava aqui em Floripa. Ele acabou dormindo aqui em casa e no outro dia ele falou que grande parte das composições da Irmão Victor ele tirava de sonho porque anotava muito, que era muito legal, que gostava de reler e ver o quão louco que era, as brisas que a gente tinha em sonho. Eu fiz por um longo (tempo) – pra mim seria duas semanas, pulando um diazinho ou outro – anotando bem os sonhos, mas veio uma preguiçona, ou não lembrava, esquecia, aí parei.
Vitória: Um tempão atrás, comecei a anotar, uns cinco anos atrás, porque eu fazia terapia era legal levar essas coisas. Teve um sonho muito pesado, mas que era muito brilhante, claro, e mesmo assim era pesado e me chamou a atenção; eu levei pra terapia e ele começou a acontecer constantemente, umas quatro ou cinco vezes na minha vida, o mesmo sonho. Isso me chamou a atenção e eu comecei a ter um caderninho de sonhos. Só que sempre que chegava pra escrever no caderno, já estava começando a sumir os fatos e aí eu comecei a ter o costume de acordar e gravar um áudio ainda quando você ainda tá meio sonhando, de olho fechado. Alguns deles viraram coisas minhas, mas nada que eu trouxe pro pessoal.
Antônio: Eu fiz isso algumas vezes. É mais fácil, eu acho. Nem dá vontade de ouvir depois, porque a nossa voz tá toda amassada.
Vitória: Mas é muito bom, porque a gente nesse momento tem uns detalhes muito… porque quando vai escrever, você não pensa tipo “estava dessa cor, tinha essas coisas”. Quando eu ligo o gravador às vezes não faz nem sentido a frase que eu tô falando, mas eu gravei coisas que fazem sentido no sonho, tipo cinza, grande, blablabla. Isso é muito mais doido, porque não está com a coisa fazendo sentido, você tira o sentido da coisa. Aí vem a parte do sonho estranho. O Duds mandou pra gente um formulário de uma menina no começo da quarentena, era o projeto duma guria que estava recolhendo sonhos que rolavam durante a pandemia. Aí eu voltei com a parada dos sonhos por causa desse rolê do Duds, dele ter comentado isso. Acho até que virou um assunto muito constante nesse grupo, era um grupo que chamava…
João: As tatuíras.
Duds: Escola do Rock.
Vitória: A gente não sabia o que ia virar aquilo, virou um grupo em que as vezes a gente papeava à toa. Aí começou essas conversas sobre sonho, o Duds enviou lá o link do projeto da guria e do nada a gente começava a falar “ah, eu tive esse pesadelo” e alguém cinco dias depois “ah, sonhei com vocês”. Por causa disso ficava uma cadeia de todo mundo falando o que sonhou naquela noite. Era a única coisa que tinha pra fazer.
Antônio: A última coisa bizarra que aconteceu comigo com sonho, foi até ao mesmo tempo do João, assim que eu acordei, eu fui chamar o João no celular pra falar o sonho que eu tive, uma parada com o David Bowie. Que eu estava fazendo xixi no shopping Itaguaçu e ele estava me espiando, assim um lance meio perverso.
João: Eu sonhei que ele tentou me matar. Primeiro eu sonhei com o Miles Davis, que eu estava tocando numa banda de punk com Miles Davis e aí depois eu sonhei que o David Bowie queria me matar.
Antônio: Fiquei louco, tipo, cara David Bowie no meu sonho e no João no mesmo dia e a gente nem falou de David Bowie, aí no mesmo dia eu vi uma notícia do Davie Bowie e fiquei “aaaai, meu deus do céu”.
Duds: Acho que tem uma coisa que a Vitória falou que é muito boa. Às vezes você grava os sonhos e fala coisas que normalmente não falaria, que não fazem sentido do ponto de vista lógico, mas ajudam a entender a vibe do sonho. Eu acho que quando você incorpora o sonho na música, isso fica ainda mais rico, porque você traz um sonho e materializa aqui na realidade, só que não de uma maneira racional e lógica, mas com uma música, acho uma imagem muito mais clara do que o sonho foi do que necessariamente só as palavras. Algumas pessoas que ouviram o álbum falaram disso, da vibe que o álbum tem de não ser necessariamente lógico e coerente do ponto de vista textual e ter essa vibe meio de sonho mesmo. As músicas não terem uma estrutura muito bem definida.
Antônio: Rolou uns feedbacks (de) a pessoa falar que o álbum parece um sonho, a atmosfera do álbum assim e tal. Só que não é como se tivesse sido tudo planejado, o nome ser Sonho Estranho e o álbum ser esse e ter juntado tudo.
COINCIDÊNCIAS E SINCRONICIDADE
Vitória: A gente tropeçou em um monte de coincidência nesse projeto inteiro. O Duds tinha uma parada ali que ele queria explorar, enviou no grupo descompromissadamente, falou “vamos fazer uma parada de boas sem a pressão de ter uma banda”. Aí foi acontecendo. A gente falou do nome Sonho Estranho e ninguém sabia que o Wagner já tinha colocado um instagram chamado Sonho Estranho pra gente ter um dia. Ele só falou ‘ah, eu acho que vou fazer isso daqui’. E aí agora a gente tem, tipo, qual banda que tem o user certinho?
Antônio: Exclusive os Cabides.
Carola: Também, né?
Vitória: É né? Mas foi estranho, tudo pra mim foi caindo muito. Quando eu olho assim de longe, parece que tudo já estava ali encaixado desse jeito, porque até as fotos que a gente tirou nos últimos três anos parecem um sonho. Tudo o que a gente vai fazendo do projeto eu falo “cara, está tudo encaixando muito bem.
Antônio: Acho que a quarentena faz essa sensação pra todas essas fotos. Assim como o Fabio tinha falado, umas paradas que não fazem tanto tempo parecem séculos. Assim que a gente entrou aqui a gente ficou brincando de quantos milhares de anos já faz que estamos de quarentena.
Vitória: quando foi a última festa de quarentena? A época das festas de quarentena.
Carola: A forma como tudo foi editado, passa muito rápido.
Antônio: Como se fosse a vida.
Carola: Tudo muito rápido, tu vai tentar explicar, não consegue e tenta pegar fragmentos e não lembra e pensa “ah, aquele dia, aquela pessoa”, e não dá mais tempo porque já passou, está em outra já. Poderia ser só um monte de fotos que o Duds “ah, vou colocar uma penca de fotos aqui, vou editar rapidão pra caber tudo”, mas até isso se encaixa. Tudo se encaixa sem querer.
Duds: A capa do álbum (abaixo) não é editada a cor. É uma tripla exposição que rolou no Psicodália, essa capa é muito especial porque foi uma foto que aconteceu sem querer.
E como foram as músicas que Wagner cantou e escreveu?
Wagner: Eu canto em “Moro no Mesmo Lugar que Você”, “Jogar” e “Só Quero Fazer”. Eu gravei em casa também, com meu celular mesmo, as vozes. A estrutura da música já estava feita, o Duds mandou a letra, nem lembro se chegou a mostrar alguma melodia específica ou se eu fiz, mas gravei. Pra “Eu Só quero Fazer”, acho que o primeiro minuto da música era só instrumental, uma intro longa, aí eu senti que estava faltando alguma coisa, perguntei se podia tentar escrever uma parada e gravei. Queria tipo gravar uma melodia, aí saí balbuciando umas palavras e depois mudei uma coisa ou outra e mandei. Ele super curtiu, achou que combinava com o resto da música. Gravei de casa, do jeito que gosto de fazer as vozes, geralmente coloco duas vozes, acho que fica um pouco diferente das outras vozes que tem nas músicas e na hora de editar ficou massa.
Carola: É a cria do Elliot Smith.
Wagner: É, total, 100% essa influência de Elliot Smith, do Alex G, assim. Inclusive eu lembro do primeiro papo que a gente teve, foi quando eu estava em Floripa em janeiro de 2020 e estava eu, o Duds, Luana, Carol, a Dora estava também, aí o Duds falou já que queria fazer uma banda, queria gravar as coisas e tal. Ali já existia essa ideia. Eu voltei pra BH e logo em seguida começou o rolê da pandemia e a gente foi trocando figurinha, nem tinha o grupo até então, ou pelo menos eu não estava. Eu mandava umas coisas pro Duds, ele me mandava umas coisas, não era necessariamente pra essa banda, mas acho que depois tudo meio que foi juntando, essas coisas que a gente já tinha começado a fazer e escrever.
“Peixe Beta” foi regravada inteira do zero?
João: “Peixe Beta” eu tinha feiro a versão de “Tugboat”, do Galaxie 500, e tinha botado no meu soundcloud. O Duds falou “nossa, ficou muito bom” e eu “tá, vamos gravar, então”. Aí o Duds foi lá, inverteu os acordes todos, como sempre, aí eu falei “pô, que massa, parece que está rápido, mas está devagar, que loucura”.
O que vocês vão fazer aqui pra frente?
Duds: Eu não tenho a mínima ideia do que fazer, né? O estado atual não permite sonhar muito com possibilidades assim. Querer fazer coisas eu imagino que todo mundo quer trocentas mil coisas, mas a possibilidades delas acontecerem mesmo, não sei muito.
Vitória: Eu sinceramente acho que a gente só queria parir esse filho e no momento não pensar nele um pouco. Só curtir a vibe do lançamento enquanto ela acontecer. Demorou muito lançar e é uma delícia também. E agora ninguém aqui nem pensou em outras coisas, só nos planos de antes, de agora que a gente tem uma banda, tem uma pessoa de cada banda, a gente um dia vai fazer uma tour que tem La Leuca, Exclusive, Home, Wagner Almeida, tudo acontecendo ao mesmo tempo na mesma tour.
Antônio: A famosa Escola do Rock. Mas uma coisa que me veio à cabeça também é: todo mundo tem os seus outros projetos, né? Assim que rolou a quarentena, os projetos ficaram meio parados e todo mundo ficou meio sem rumo, “pô, eu tenho composições, mas não sei como gravar porque não quero ir até o estúdio, aglomerar banda, não tá dando pra ter ensaio”. Aí eu acho que tendo oportunidade de criar uma nova banda seria não ter responsabilidade em seguir o padrão que tu já segue.
Vitória: Sem peso.
Antônio: É, sem peso, vamos fazer de boas, sem se preocupar no lançamento e tal, eu acho que foi uma forma até de todo mundo concentrar essas coisas de querer produzir, querer tocar, em um projeto onde não há cobrança. Ao mesmo tempo em que deixa as coisas suaves, assim, acaba também tirando o peso artístico de produzir algo e postar algo e ouvir a coisa que estava fazendo há um tempo já. Ficar satisfeito assim. Pelo menos pra mim foi bom. Estava agoniado com o lançamento da Exclusive estar saindo na quarentena (nota: o primeiro álbum da Exclusive os Cabides, “Roubaram Tudo”, saiu em outubro de 2020), querendo tocar muito, concentrei minhas energias que estavam muito em chamas, pra Sonho Estranho.
E o que mais vocês acham importante dizer?
Duds: Como a música lo-fi permite que as pessoas se expressem de uma maneira muito justa. Se a gente fosse se ater aos detalhes técnicos, esse álbum não teria acontecido, porque a gente gravou as vozes com celular, guitarra em linha tudo numa mesa.
João: E está todo mundo acostumado com isso, né?
Duds: É, e mesmo assim a gente conseguiu criar algo que tem um valor muito grande. Então, acho que essa comunidade que tá acontecendo ao redor do mundo todo é muito positiva, porque faz com que várias pessoas percam o medo de se expressar por questões técnicas. Quando eu conheci essa comunidade, mudou bastante as coisas pra mim no sentido de me dar coragem de só fazer as coisas que eu quero fazer, sabe? Esse álbum eu acho que faz parte disso também.
– Fábio Bianchini é jornalista e tem PhD em rock catarinense, criou o combo quase escocês Superbug e atualmente flana por ai com o Gambitos.