Três filmes: “Quando a Vida Acontece”, “Seu Nome Gravado em Mim” e “A Sun”

resenhas por Renan Guerra

“Quando a Vida Acontece”, Ulrike Kofler (2020)
Baseado em um conto do suíço Peter Stamm, “Quando a Vida Acontece” (“Was Wir Wollten” no original) foi o escolhido pela Áustria como seu representando na corrida por uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Internacional. A trama gira em torno do casal Alice (Lavinia Wilson) e Niklas (Elyas M’Barek) e suas tentativas frustradas de gravidez. Para acalmar os ânimos, eles decidem fazer uma viagem até a Sardenha, no Mediterrâneo, mas é lá que eles ficarão em uma casa geminada com vizinhos não muito agradáveis. Na primeira metade do filme temos um interessante desenvolvimento dos personagens, de suas nuances e de suas complexidades, pois casais querendo engravidar e sofrendo com isso não é necessariamente um tema novo e a diretora Ulrike Kofler consegue dar fôlego interessante a isso. De todo modo, a partir de sua segunda metade, o longa parece não ir fundo naquilo que se propõe: a relação do casal com os tais vizinhos problemas nunca chega a gerar conflitos realmente interessantes e a insistência de Alice em ter um filho biológico só afasta o espectador ainda mais da personagem – a forma como ela rechaça a possibilidade de uma adoção, por exemplo, é bem questionável. Quando próximo do ato final somos surpreendidos com uma possível reviravolta, já estamos tão envolvidos no ambiente quase blasé do filme que isso não muda muito a sensação morna que o filme passa. “Quando a Vida Acontece” consegue dar tons pastéis à Sardenha e parece que apaga suas locações em função de uma frieza e sutileza que não funcionam, pois o longa parece sempre na superfície de todos os seus temas. Uma pena.

Nota: 5

“Seu Nome Gravado em Mim”, Kuang-Hui Liu (2020)
“Seu Nome Gravado em Mim” começa em um momento político importante de Taiwan: o fim da lei marcial, em 1987. Aqui iremos acompanhar o dia a dia escolar de A-han (Edward Chen) e Birdy (Tseng Jing-Hua), dois jovens que estudam em uma escola católica para meninos. Nesse cenário, o diretor Kuang-Hui Liu cria uma narrativa complexa e cheia de pormenores sobre paixão adolescente e sobre a descoberta da sexualdiade. A-han e Birdy se envolvem de forma intensa em um romance que é tensionado por inúmeras questões externas, como a família, os amigos e o conservadorismo da sociedade. O longa foi lançado no Brasil pela Netflix, porém em Taiwan ele chegou às salas de cinema e se tornou um hit: além de ser o filme mais visto de 2020 por lá, ele também virou o filme com temática LGBT com maior público da história do país. Isso é muito interessante quando se pensa que o longa não é extremamente pop e nem segue padrões específicos, construindo sua narrativa de forma bastante fluida, deixando que os sentimentos dos personagens nos guiem nessa jornada. “Seu Nome Gravado em Mim” é, essencialmente, um grande romance dramático, com questões quase shakespearianas e por isso mesmo é um filme que merece ser visto de forma entregue, de coração aberto.

Nota: 8

“A Sun”, Chung Mong-hong (2019)
“A Sun” foi lançado oficialmente no Brasil em 2020, pela Netflix, porém o filme vinha de uma carreira bastante premiada em 2019. Agora, Taiwan escolheu o longa como o seu representante no Oscar de 2021 – merecidamente. O filme de Chung Mong-hong é uma suntuosa saga familiar, daquele tipo que acompanha seus personagens durante anos e que consegue traduzir, com sinceridade, as complexidades das relações humanas. A trama começa quando o filho mais novo da família comete um crime e acaba em um reformatório juvenil; a partir disso, acompanhamos como isso impacta em sua mãe, seu pai e seu irmão mais velho. A tragédia, os silêncios e a solidão irão se espreitar no meio dessa família, mas é interessantíssimo como o filme não vira um melodrama: há uma delicadeza e um humor em sua narrativa que torna tudo mais sincero e real. Chung Mong-hong constrói aqui uma história madura, que dá complexidade a cada um dos personagens e que nos transporta para uma espécie de jornada ao lado deles. Quando chegamos ao final é como se fôssemos irradiados pela beleza que há em “A Sun”, pois essa é uma história sobre tragédias e sofrimento, mas também é uma história sobre reconstrução, sobre cuidado e sobre respeito. Cinema da melhor qualidade!

Nota: 9

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz.

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