MEU DISCO FAVORITO DE 2020 #17
“Miss Anthropocene”, Grimes
escolha de Bruno Leonel
Artista – Grimes
Álbum – “Miss Anthropocene”
Lançamento – 21/02/2020
Gravadora – 4AD
Até que se prove o contrário, 2020 potencialmente seguirá por muitas décadas como o ano campeão de votos na categoria “anos mais difíceis da vida” de muita gente (para não dizer o pior ano da vida de muita gente, como comentou Wilson Farina em outro texto aqui no S&Y). Não por acaso, é interessante notar como algumas trilhas sonoras deste ano, por bem ou por mal, parecem fornecer exatamente o fundo musical catalisador de tudo o que ocorreu nos últimos 12 meses: perdas, medo, caos, distanciamento, euforia, lives e muitas incertezas, resultando em uma trilha que nunca irá nos deixar esquecer esses tempos. Para falar de “Miss Anthropocene”, da Grimes, um dos grandes discos de 2020 e, disparado, uma das trilhas mais debatidas, caóticas e também “ressonantes” com o contexto do ano, vale lembrar do começo de tudo. Ou ainda, de como as coisas eram quando o disco saiu, antes do “novo normal” ser empurrado para todos disfarçando como um cruel eufemismo para uma tentativa de contenção de danos brutal.
O mundo era ainda um pouco diferente quando Claire Boucher lançou este seu 5º álbum de estúdio lá em fevereiro de 2020, quando a tal pandemia do novo coronavírus era ainda só uma preocupação. Produzido desde 2017, o álbum ganhou os streamings no começo do ano, há muito tempo atrás… tempo o suficiente para que já tivéssemos nos esquecido de como era o mundo antes da pandemia, embora, ele pareça até dar “palpites” sobre o que viria a seguir.
Seu título é uma brincadeira em inglês com as palavras “misantropia” (comportamento de aversão às pessoas em geral) e “antropoceno” – relativo ao período geológico da terra, caracterizado por um crescimento significativo do impacto humano nos ecossistemas do planeta. Ok! Coincidência? Presságio de caos? Ironia pós-moderna? Todas as alternativas anteriores? Escolhe aí.
O disco abre com a versão “art mix” da etérea e introspectiva “So Heavy I Fell Through the Earth” de clima arrastado e batidas eletrônicas que até cativa ao longo de seus seis min, mas que oferece um falso “cartão de visitas” do que veremos a seguir. (2020, é você?). “Darkseid” carrega um batidão austero, clima industrial e vocais truncados com um mantra de pseudo refrão: “A inquietação está na alma, não movemos mais nossos corpos”…. O clima é escuro, claustrofóbico, e o fôlego quase acaba. Quase, mas volta a respirar na faixa seguinte, a orgânica e quase folk “Delete Forever”, inspirada pela perda de alguns amigos da cantora que sofreram overdoses (segundo a própria, a faixa foi escrita na mesma noite em que o rapper Lil Peel morreu, em 2017), em um mundo ideal esse som poderia ter sido um hit (aprende Taylor Swift).
Chegamos mais à frente na melhor faixa do disco “4ÆM”, introdução climática, e um crescendo que vira um grande tecnopop lá no refrão. A faixa que reúne o maior número de autores do trabalho (cinco compositores ao todo) resume em 4:30 alguns dos melhores momentos que Grimes produz em estúdio, seja pelas colagens sonoras inusitadas, pela produção peculiar ou pela habilidade em criar grandes climas mesmo com, aparentemente, poucos recursos.
A variedade de abordagem se mostra inclusive em diferentes versões para as mesmas faixas disponibilizadas na versão “deluxe” do disco – a primeira track tem também uma versão “Algorithm mix” que deixa a coisa toda ainda mais esparsa e com quase metade do tempo, “IDORU” e “My Name Is Dark” (que traz referências ao Smashing Pumpkins) também ganham mixagens alternativas, quase como um registro de uma obra ainda ativa e em constante transformação.
Transformação, aliás, que parece ser um ponto chave de “Miss Anthropocene”. Em dezembro, quase 10 meses após o lançamento, o álbum teve sua capa alterada em todos os veículos de streaming (assinada pelo artista Rupid Leejm). O mundo mudou bastante em 10 meses e, certamente, o entendimento do próprio autor sobre um trabalho pode mudar também. “Já que o streaming nos permite atualizar tudo, por que não?”, deve ter pensado a cantora seguindo a linha “Kayne West” de realizar mudanças em um trabalho mesmo após seu lançamento.
Com uma fragmentação típica da artista e uma certa tensão que oscila os climas do álbum, Grimes cravou neste 5º álbum um de seus melhores trabalhos, ainda que, uma limada em alguns excessos pudessem ter sido feitos para garantir mais “coesão” ao trabalho. faixas como a “Before the fever” pouco somam ao conjunto no balanço final do álbum.
Junto de outros artistas muito prolíficos ligados à música eletrônica e ao pop de “vanguarda” como Gazelle Twin e Loraine James, Grimes parece trilhar um caminho muito interessante dentro do gênero sobretudo, mais pela quebra de expectativas do que pelo cumprimento de “promessas” que eventualmente o público espera de seu trabalho. Como um disco que se integra muito, direta ou indiretamente, ao clima e aos traumas de 2020, “Miss Anthropocene” é o perfeito pop do caos para este ano. Em um futuro próximo, depois que a crise passar, resta saber se o seu conteúdo ainda terá fôlego para ser lembrado à parte do que foi este terrível 2020, nós achamos que sim, mas, o tempo sempre surpreende.
– Bruno Leonel (fb/silva.leonel.900) é blogueiro e integra a banda Crappy Jazz.
um ótimo álbum, mas que não faz meu estilo.
queria que fosse parecido com o single do ano passado We Appreciate Power do qual gostei muito, mas ela preferiu não flertar mais com o rock industrial, infelizmente.
Sensa!