Meu disco favorito de 2020: The War and Treaty

MEU DISCO FAVORITO DE 2020 #15
“Hearts Town”, The War and Treaty
escolha de Tatiana Pereira

Artista – The War and Treaty
Álbum – “Hearts Town”
Lançamento – 25/09/2020
Gravadora – Rounder Records

No dia 30 de outubro de 2019 recebi uma mensagem no WhatsApp dizendo assim:

“A gente precisa escrever um filme para colocar uma cena que tenha essa trilha”

Não sei vocês, mas tenho a sorte de ter amigos que são curadores do que há de mais bonito nessa vida e essa mensagem terminava com o link que me levou ao casal Michael Trotter e Tanya Blount. Com referências do folk, country, blues e gospel eles são mundialmente conhecidos como The War and Treaty. E falar sobre guerras e tratados não é uma mera licença poética: Trotter esteve no Iraque e como costuma acontecer com ex-combatentes de guerra, ao voltar para casa teve de lidar com transtorno de estresse pós-traumático. Concomitantemente, estava com problemas financeiros e considerou que o suicídio poderia dar o fim na dor que sentia e ajudar a família com seu seguro de vida. Tanya, percebendo o que estava acontecendo e as intenções de Trotter, pediu que ele lhe desse apenas cinco minutos para ela provar que o amor seria um motivo suficiente para ele não se matasse.

[corta para setembro de 2020, meses de pandemia, caos, pouca boniteza na vida]:

“Hearts Town” é o segundo álbum deles e fala sobre o amor. O amor com toda sua potência, o amor frágil, o amor dolorido, o amor que ecoa alguma divindade, o amor como catarse. “Hearts Town” prolonga os cinco minutos que Tanya pediu para Trotter naquele dia difícil – “Eu preciso de mais cinco minutos para amar. Cinco minutos mais” – e que ele responde com a faixa “Five More Minutes”: foram exatamente esses cinco minutos que fizeram Trotter estar aqui agora. Não à toa, fizeram do amor um lugar. Uma cidade para fazer morada, logo, “Hearts Town” acaba sendo um convite honesto e possível para colocar o amor como prioridade, seja na luta contra uma pandemia, contra injustiças sociais, raciais, de gênero, contra pequenas e grandes guerras. “Hearts Town” é sobre Trotter e Tanya, mas também é sobre nós.

O caminho para chegar à cidade dos corações é elegantemente compassado em “Yearning”. A primeira faixa do álbum parece ditar o ritmo dos passos com versos e acordes que vão crescendo harmonicamente ao longo da canção como quem diz que a caminhada é longa, mas pode ser bonita. Daí você chega na cidade justamente quando os acordes de piano junto da bateria dão o ritmo cardíaco na faixa título do álbum. Enquanto “Jubilee” é a exaltação desse encontro: da cidade, dos corações, do amor irradiando luz pelo vocal, “Hey Pretty Moon” é um jazz lounge que brilha na calada da noite iluminando os diferentes caminhos e formas de amor que são trabalhadas nas faixas seguintes. “Hearts Town” termina com “Take Me In” que poderia ser uma oração, um tratado sobre a esperança, um compromisso para que nunca falte amor. E falando em amor, ele é a resposta – agora sintam-se à vontade para fazer as perguntas.

[Ei, você que me mandou aquela mensagem do dia 30 de outubro de 2019: vamos escrever um filme sobre a cidade dos corações?!]

Tatiana Pereira é escritora. Sommelière de palavras, cervejas, cafés, literatura, trilha sonora, lugares e de gente. Dona de um olhar crítico beirando à delicadeza. Escreve no De Analgésicos & Opioides, que deu origem ao livro, de mesmo nome, lançado em 2018

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