Meu disco favorito de 2020: Phoebe Bridgers

MEU DISCO FAVORITO DE 2020 #3
“Punisher”, Phoebe Bridgers
escolha de Ana Clara Matta

Artista – Phoebe Bridgers
Álbum – “Punisher”
Lançamento – 18/06/2020
Selo – Dead Oceans

“Somewhere in Germany, but I can’t place it
Man, I hate this part of Texas
Close my eyes, fantasize
Three clicks, and I’m home

(…)

But I’m not gonna go down with my hometown in a tornado
I’m gonna chase it”

Em um momento do mês de abril eu pisquei os olhos e como a Dorothy citada no trecho acima eu não estava mais no meu lugar. O cotidiano de escritório, o burburinho da Av. Paulista, o ruído dos copos sendo lavados em um bar e a melodia diminuta da linha amarela foram substituídos pelo silêncio de um quarto na minha cidade natal. Tudo que conhecia foi trocado por um código binário que soletra Morte na sua tela a cada login diário. Segura no centro do tornado, em casa, enquanto o mundo girava.

Esse não é o início ideal de um texto sobre o melhor disco do ano. Mas esse não foi um ano ideal.

2020 foi o ano que nos mais forçou a pensar na morte – mas também foi o ano que mais nos forçou a redefinir totalmente o que significa ser vivo para nós. Se antes sentíamos mais vivos em viagens mirabolantes, abraçando nossos amigos ou pulando na multidão de um show, 2020 pediu uma apreciação mais platônica da vida. E nisso, a arte se tornou ainda maior na vida de alguns que buscam compreensão e conexão entregues em um fone de ouvido. Em grande parte dos últimos 365 dias eu busquei músicas que me oferecessem mais conforto ou escapismo, mas se deixei as letras e melodias de alguém destruírem meu coração em 2020, a honra foi concedida à californiana Phoebe Bridgers.

Para o ouvido atento “Punisher” não foi primeiro contato com Phoebe Bridgers. Pode-se defender até mesmo que não é o melhor trabalho dela (tendo a colocar nessa posição o EP de seu supergrupo boygenius com as outras grandes damas do “sadcore”, Lucy Dacus e Julien Baker). Mas o que a moça de roupa de esqueleto conseguiu neste ano foi capturar completamente o espírito do tempo, tanto na forma do álbum, com suas melodias monótonas e produção levemente lo-fi e abafada (ancorada em um timbre de guitarra que parece quase subaquático) que soam como o tédio de um isolamento social, tanto no conteúdo lírico, que toca sempre em tópicos solitários, tétricos e até mesmo literalmente pós-apocalípticos.

Suas melhores faixas acompanharam os fãs em cada passo e marco dessa quarentena, em infinitos plays e uma subjetivação cada vez maior. A cada vez que fugia de uma notícia sobre prazos, novos lockdowns, e curas ineficazes, meu cérebro, enquanto distribuía “unfollows” em biólogos pessimistas, re-escrevia assim um trecho da cortante “Chinese Satellite”, que conta uma história da busca desesperada pela esperança, mesmo que vinda da ilusão:

“Took a tour to see the stars
But they weren’t out tonight
So I wished hard on a Chinese Vaccine
I want to believe
Instead, I look at the sky and I feel nothing
You know I hate to be alone
I want to be wrong”

Um dos maiores desejos do escritor é a imortalidade. Alguns conseguem essa imortalidade em um âmbito global – como Elliott Smith, revisto por Phoebe em detalhes na excepcional faixa-título de “Punisher”. Outros – como a que aqui escreve – só são imortais na sua própria memória, e enquanto ouvia “Punisher” pela primeira vez, uma frase que assinei aqui mesmo, em meu texto sobre o primeiro álbum de Harry Styles, não parava de emergir: “Um hino nunca nasce como hino. Talvez o zeitgeist só possa realmente ser capturado, como um relâmpago em uma garrafa, sem consciência do ato.”

O apocalipse de Phoebe Bridgers não era o Covid. Era o niilismo de seus amigos autodestrutivos, seus ídolos mortos, seus relacionamentos terminados. Mas compondo sobre seu apocalipse pessoal, Bridgers conseguiu criar os hinos do nosso apocalipse coletivo.

Yeah, I guess the end is here.

– Ana Clara Matta (@_ana_c) é editora do  Ovo de Fantasma e escreve para o Scream & Yell desde 2016.

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