por Renan Guerra
Fernanda Torres, Wagner Moura, Alexandre Nero, Carolina Dieckmann, Eduardo Moscovis, Mateus Solano e Sophie Charlotte se reúnem para uma tarde de domingo no apartamento de Maria Ribeiro. Com bebidas espalhadas pela casa, todos bem vestidos em looks pretos e com uma equipe pequena instalada na sala, o diretor Domingos Oliveira faz um espécie de experimento: 8 atores, com seus egos e seus medos, reunidos papeando, fazendo leituras e jogando com o espectador: sabemos exatamente em que momentos eles estão sendo sinceros ou em que momentos estão apenas atuando para a câmera?
“Os 8 Magníficos” é ó último longa de Domingos Oliveira, falecido em março de 2019, e que chega agora aos cinemas brasileiros, depois de uma carreira longa em festivais desde 2017, quando foi lançado no Festival do Rio. Em 2020, o filme já havia sido exibido, de forma on-line, na Mostra Internacional de Cinema de SP. O experimento que deu corpo ao filme foi ideia de Maria Ribeiro e Domingos mergulhou de forma profunda, já que ele nunca tinha se aventurado pelo universo do documentário. O longa tem assistência de direção da atriz Priscilla Rozenbaum (esposa e parceira de trabalho de Domingos nos últimos 30 anos) e o diretor Matheus Souza (“Apenas o Fim”).
Essencialmente, o longa não tem um ponto de partida e nem se pretende ter um ponto final, é como se realmente passássemos a tarde com esse grupo de atores em discussões sobre a arte, a atuação e o jogo de cena. “Resultaram 12 horas de material filmado, bastante caótico, mas sempre charmoso”, explicou Domingos em relato. “Eu não sabia onde aquilo ia dar, mas pretendia alto: um longa-metragem para o Festival do Rio. No calor da edição, fomos surpreendidos. Quando vimos, o editor (Victor) e eu, tínhamos 50 minutos montados. Tinha momentos de uma inesperada emoção. Editei como se eu fosse Godard, livre na liberdade”.
Essa liberdade do longa é seu maior charme: letreiros transpassam a tela; atores fazem leituras de peças e piadas; eles encenam personagens de forma livre e displicente; fazem pequenos jogos de palavras. Nesse experimento, é óbvio que alguns nomes se sobressaem. Fernanda Torres, por exemplo, é a estrela do filme, pois consegue navegar de forma inteligente e engraçada pelas conversas, sem nunca soar prepotente em suas referências, nem frívola em suas discussões.
Wagner Moura e Maria Ribeiro trazem um humor especial ao longa, quando conseguem se mostrar leves, sem amarras, realmente entregues a proposta do experimento. Maria, aliás, é aquela que sempre nos tensiona a questão da realidade, inclusive quando ela afirma que nem sempre está sendo totalmente verdadeira frente à câmera, já que a câmera ligada é essencialmente um dispositivo de atuação para ela. Poderia isso ser expandido para o resto do elenco? Não sabemos.
Alguns atores conseguem ser interessantes em seus poucos momentos de tela, como Eduardo Moscovis e Sophie Charlotte. Essa última, por exemplo, encena momento de delicada beleza ao cantar diretamente para Domingos, já bastante debilitado na cadeira de rodas. Mateus Solano e Carolina Dieckmann, por sua vez, soam esquecíveis, com raras inserções e nos causam pouco interesse quando surgem, uma vez que, talvez pela logística do jogo, tenham se sentido intimidados ou sobrepujados pelos colegas – pode ser também apenas uma questão da edição, que preferiu determinados momentos em detrimento de outros e nisso eles foram diminuídos.
Por fim, Alexandre Nero é o personagem destoante: suas inserções iniciais não são interessantes, sua participação é confusa e ele parece essencialmente desconfortável em grande parte do longa. Essa sensação é confirmada quando, em determinado momento, ele se despede do grupo e acaba indo embora, se dizendo desconfortável com o experimento. Ele ainda diz “se isso que estamos fazendo hoje fosse o ofício de ator, eu não conseguiria fazer”.
De todo modo, o desconforto de Nero é um ponto fora da curva, já que “Os 8 Magníficos” é essencialmente um filme-festa, uma ode de amor ao teatro, ao cinema, à profissão de ator e ninguém melhor que Domingos para filmar isso. O cinema de Oliveira era essa ode quase frívola à felicidade, a uma entrega intensa ao amor e aos sentimentos mais fortes da vida e é isso que ele faz até o último momento.
Com voz fraca e de difícil compreensão, Domingos ainda seguia dando suas lições maravilhosas e “Os 8 Magníficos” é como essa última carta de amor dele. Domingos faz falta demais, mas ainda assim temos esses momentos de arte e lucidez para lembrar que apesar dos horrores do mundo, ainda temos muita beleza nessa vida!
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz.