Entrevista: Romina Peluffo fala de seu segundo disco, “Piel Fina”

entrevista por Leonardo Vinhas 

Romina Peluffo faz o tipo de música que, depois que você ouve mesmo que de soslaio, precisa voltar a escutar – no sentido mais literal do verbo, que pressupõe atenção dedicada, imersão no sentido. Sem fugir demais do formato clássico da canção pop, ela cria aquela somatória de ambiências, melodias e letras que consegue se comunicar com muita gente, mas que é capaz de entregar um sentido particular aos ouvintes de sensibilidade mais introspectiva e menos óbvia. E “Piel Fina” (2020), seu segundo disco, lançado há pouco em seu Uruguai natal (mas disponível para audição para todas as nacionalidades via streaming) avança muitas casas nessa entrega.

Seu antecessor, “Obsesa” (2018), foi celebrado por trazer as características descritas acima, mas era um disco mais uniforme em seu aspecto musical, como reconhece sua autora. Da capa às canções, os tons mais escuros de cinza e vermelho embalavam narrativas de separação e enfrentamento. Podia haver canções mais duras e com um pouco mais de volume (como a faixa-título e “Bring It On”) e outras mais espartanas e folk (como “La Caja de Zapatos”, que ganhou uma versão despojada para o álbum “íEstamos!”, lançado pelo selo Scream & Yell no primeiro semestre), mas o tom geral era melancólico, transitando muito em acordes menores, sons graves e vozes sem muitas variações tonais.

“Piel Fina” não abandona a sonoridade da estreia, mas a expande de uma maneira que nenhum ouvinte, fã ou não, poderia prever. O primeiro single, “Como los Caballos”, dava uma mostra discreta das novidades, ao trazer uma espécie de country & western mais aparentado com as trilhas de Angelo Badalamenti, mas ninguém esperava a velocidade e o volume punks de “No Se Va”.

“Nossas influências eram totalmente ‘noventeras’, principalmente o rock estadunidense da época. Durante a feitura do disco, falamos muito de Ramones, Nirvana e dos Beatles, que, claro, são ingleses, mas uma referência inevitável”, conta Romina, via Google Meet, ao Scream & Yell. E esse universo dos anos 90 se nota claro nas duas faixas em inglês (“Didn’t See It Coming” e “Minefield”), nos power chords de “Mis Cartas”, no baixão à frente de “Todo el Tiempo” e na quase power ballad “Canción de Otoño”.

Além delas, há a joia power pop “Nada”, chicletuda e com ares do melhor rock uruguaio, a concisão delicada e cheia de espaços de “Feliz sin Vos” e as dores evidentes de “Mamina”. Ouvidas em conjunto nesse fim de novembro, não soa nada precipitado dizer que esse conjunto de canções forma um dos discos do ano. No papo exclusivo – e sua primeira entrevista para um veículo brasileiro – Romina Peluffo traz os bastidores do disco e seu amor pela música em iguais quantidades. E fala também sobre sua evolução como musicista – algo especialmente surpreendente quando você sabe que há pouco mais de cinco anos ela ainda sequer sabia tocar um instrumento…

Você já disse em várias entrevistas que “Piel Fina” tomou um caminho mais ritmicamente bruto que “Obsesa” porque você e Santiago Peralta (produtor e guitarrista) queriam ter canções que gerassem mais energias nos shows. Mas me parece que tem a ver também com você querer explorar seu próprio lugar como cantora.
Sim. Acredito que é um passo além que nós demos. Digo no plural mesmo porque é um trabalho em equipe entre eu, Santiago e Laura Gutmán (figura-chave do rock uruguaio, ex-Buenos Muchachos e atualmente à frente de Laura y Los Brannigan), que mesmo não tendo feito parte da produção continua sendo do time. Da outra vez, fomos caminhando e descobrindo o que estávamos fazendo. Agora já sabíamos, tínhamos toda essa bagagem e começamos já em outro lugar. Tivemos mais segurança e também uma ideia mais clara do que fazer. Éramos outras pessoas e a mudança foi natural. Não queríamos fazer o que já tínhamos feito, porque isso é chato. Sempre se quer algo além do conhecido. Faço outro uso da voz, que exige mais de mim. Em todos os aspectos foi dar um passo a mais.

É um disco mais roqueiro, mas o universo lírico dele é bastante próximo do “Obsesa”. As letras parecem continuar vindo de um lugar que, se não é sombrio, ao menos é intranquilo.
Sim. Gosto que você tenha percebido isso, porque muitas das entrevistas que estou dando falam que eu mudei. De fato, o outro disco tinha canções que falavam mais de coração partido, de amor romântico, salvo duas exceções. Esse se abre para variações temáticas, mais jogos entre conteúdo e forma – tem acordes maiores, dá pra dançar, é mais “otimista” no musical, mas o que está dizendo é super triste. “Obsesa” era mais linear, desde a arte de capa até os arranjos. Esse tem mais complexidade, mas eu continuo sendo a mesma pessoa, o manancial de onde tudo sai é o mesmo. Até porque há canções que foram feitas naquela época [do primeiro disco], como “Didn’t See It Coming” e “Feliz Sin Vos”, que para mim é a que mais traz o espírito daquela época. “Mamina”, por sua vez, é bem nova, e tem bem a ver com o universo do disco passado. Então, é isso: é a mesma sensibilidade, só que agora trago uma variedade maior nessa relação de forma e conteúdo.

Até poucos anos atrás, você nunca tinha escrito uma canção tampouco tocava instrumentos. Hoje você tem dois discos, fez vários shows e participou de vários projetos. Então já não é mais o caso de “ver qual é”. Qual o papel que a música ocupa em sua vida agora?
É um papel central. É uma das atividades a que mais me dedico. A atuação já fazia parte da minha vida, é algo com que eu já vinha flertando há mais tempo, porque eu já fazia pequenos papeis em filmes, alguma participação menor em filmes de amigos, mas já era algo. Faz pouco tempo que atuar ao vivo passou a ocupar um lugar maior. Mas a música foi mais extremo mesmo: em 2015 comecei a tocar violão e a partir daí tudo se precipitou. Hoje as duas atividades ocupam bastante da minha vida, e a outra é a de locutora, que tem a ver tanto com a atuação como com o trabalho com a voz. Tenho um miniestúdio em casa, que é onde trabalho, e com o que faço aí é que pago as contas, porque a música não paga nada (risos). Mas sim, a música é minha vida, é ao que eu venho me dedicando e espero que possa continuar fazendo para sempre.

Você começou a gravar durante a pandemia, não?
Sim.

E quando vocês entraram no estúdio, já sabiam que queriam um disco mais roqueiro, com um repertório mais adequado para o show. E aí veio a Covid-19 e fechou os espaços para tocar, sem que se soubesse quando tudo voltaria ao normal. O Uruguai foi o primeiro país da América Latina a voltar a realizar shows – com lotação reduzida e normas de distanciamento – mas não havia como vocês saberem disso ao fazer o disco. Então eu queria saber como você conseguiu se manter motivada para manter a proposta artística que você queria, mesmo sem saber se ela conseguiria cumprir seu propósito maior, que era o de soar nos palcos, e tendo certeza que não daria para recuperar o dinheiro investido na produção.
Linda pergunta. Em janeiro do ano passado, eu fui até o Santiago com umas 20 canções, e ele me mandou de volta pra casa, disse que não havia um bom segundo disco ali e mandou eu trabalhar mais nas composições. Além disso, eu havia acabado de lançar “Obsesa” e tinha que trabalhar o disco. E fiz isso durante todo o ano passado. Já em janeiro deste ano, retomei algumas daquelas canções e também comecei a compor coisas novas. Em fevereiro começamos a pré-produção, e logo depois entramos no estúdio. A pandemia já tinha chegado, não sabíamos o que ia acontecer, se seria algo de dois meses ou dois anos. Por isso continuamos trabalhando, e na verdade até precipitou um pouco as coisas, porque a tecnologia hoje permite que você faça as coisas à distância. Eu ia gravando aqui em casa e mandando para o Santiago, tudo foi mais rápido. E quanto à motivação… Não tem como ser financeira, porque não fazemos música por isso. Fazemos porque não podemos deixar de fazer, e o comercial nunca vai ser a motivação. Com ou sem pandemia, sempre vai ser assim.

Com o devido respeito, você já não é adolescente…
(ri) Não mesmo!

… mas é perceptível que você é apaixonada por música e, mais que isso, que está trabalhando com seus heróis musicais, que são Santiago e Laura Gutmán. Mas tem uma frase do James Baldwin que diz que “o preço que se paga ao perseguir qualquer profissão ou chamado é um conhecimento íntimo do seu lado feio”. Como é viver essa relação humana e artística, que já leva alguns anos, com pessoas tão importantes para seu imaginário e sensibilidade!
Mas que pergunta que você fez, Leonardo! (risos) É bonito, com todas as luzes e sombras que qualquer vínculo pode ter, é sempre positivo. Eles são heróis, como você disse, e não só para mim, mas são heróis musicais, emblemas do rock uruguaio, e para mim é um privilégio. Sou amiga de Laura há muito tempo e já conhecia o Santiago, ainda que não com proximidade. E a verdade é que Laura foi quem se entusiasmou com minhas primeiras demos e colocou toda sua força para que elas se tornassem um disco, porque ela é essa pessoa que vai com tudo, que movimenta uma energia e produz coisas. Toda essa energia dela me ajudou muito a chegar a um bom porto com meu primeiro disco e era inevitável que chegássemos a esse segundo. Como haviam canções e havia essa sinergia, ia acontecer. Além disso, Laura é minha conselheira em um monte de coisas. Se não fosse por eles, nada disso teria passado. Provavelmente eu teria feito um disco, mas não seria o mesmo e nem teria acontecido tudo que aconteceu. Acredito que tive muita sorte, e às vezes digo que algo de bom eu devo ter feito para merecer tudo isso, porque eu sou muito afortunada por muitas coisas. Por exemplo, por estar em meio a essa pandemia podendo fazer o que quero e tendo trabalho. Tenho muito claro que estou num lugar privilegiado. Mas falando especificamente deles, me sinto ainda mais afortunada. Claro, o lado sombrio aparece, mas é uma coisa bonita, muito fraterna. Não faz muito, nos encontramos para celebrar e escutar o disco, e um deles me dizia que determinada canção o fez chorar, e aí eu dizia que também tinha me feito chorar quando compunha… (se emociona) É uma relação muito próxima, é algo que não tem preço! É um sonho tornado real!

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

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