por Renan Guerra
“Boni Bonita”, de Daniel Barosa, acompanha, em quatro atos, a estranha relação de Beatriz e Rogério. Ela tem 16 anos e mudou-se para o Brasil após a morte de sua mãe; por aqui ela vive uma relação estranha com um pai sobre o qual sempre ouvimos falar em tom negativo. Rogério é um músico de 30 e tantos anos, as voltas com sua carreira musical que não parece decolar e sempre à sombra de um avó que foi uma espécie de lenda da MPB. Os dois se conhecem em um show de Rogério e está formada essa receita um tanto quanto caótica.
A partir disso, somos emaranhados nesse relacionamento que parece sem futuro de duas pessoas que parecem efetivamente se autodestruir, seja de forma conjunta ou individual. Beatriz, vivida pela argentina Aílin Salas (de “XXY”), parece uma jovem meio perdida em suas perspectivas: seus anseios são aqueles da adolescência, mas ela parece ter alguma dor mais escondida e isso se reflete em seu conflituoso cuidado para com Rogério e em cenas um tanto quanto não bem resolvidas de automutilação.
Ele, interpretado por Caco Ciocler, não é lá muito diferente dela: com uma vida teoricamente mais bem desenhada, ele ainda parece um tanto quanto preso aos mesmos anseios quase juvenis. É preciso ser claro: os dois não são personagens simples e cativantes e isso talvez seja o maior problema de “Boni Bonita”. É difícil se envolver com Beatriz e Rogério, eles não nos inspiram compaixão ou carinho e isso pode, de diferentes maneiras, nos distanciar do filme.
“Boni” foi filmado com três câmeras: 16mm antiga, S16mm e digital. Essa escolha estética traz um ar distinto ao filme, como uma espécie de videoclipe – uma das possíveis relações do longa com a música. Além do óbvio – a profissão de Rogério –, as outras relações podem ser encontradas nas participações especiais de Otto e Ney Matogrosso e na complexa trilha criada por Apeles para os personagens.
Aqui no Scream & Yell, Apeles contou um pouco sobre essa produção e são essas composições que dão um tom ainda mais angustiante ao longa. A sinopse do filme traz uma interessante definição: “Boni Bonita” é “conduzido como as composições de Rogério: dando voltas na busca da forma perfeita, mas a cada volta, tornando-se mais deformada”. Nesse sentido, a cada ato do filme e a cada reencontro do casal de protagonistas, a sensação é de mais desolação, de menos compreensão entre eles.
O diretor e roteirista Daniel Barosa consegue criar aqui uma estranha história de amor, pois é curioso como essa autodestruição dos dois vai se tornando, de certo modo, cuidado, afeto e atenção de um com o outro. Pode ser um afeto meio torto, mas é interessante ver esse desenvolver dos personagens – nem sempre eles nos agradam, mas é também sobre isso, é sobre vermos esses personagens, detestarmos eles e, de algum modo, tentarmos compreender a forma como nos relacionamos com o outro.
Caco Ciocler e Aílin Salas criam uma boa dualidade em seu casal e isso fica mais latente quando entra em cena, por um breve período, o ator Ghilherme Lobo (de “Hoje eu quero voltar sozinho”), que surge para tensionar essa relação. Enfim, com um ótimo elenco e com uma ambiência muito bem estabelecida, “Boni Bonita” ainda assim parece ter algo de estranho, como a falta de alguma pecinha a mais que nos desse algum alento em meio a essas questões quebradiças sobre a qual ele navega.
“Boni Bonita” é essencialmente uma experiência de imersão nesse universo criado por Barosa, mas aí fica a questão final de se essa é uma imersão que realmente nos modifica ou nos toca. É como se a forma fosse muito boa, mas ainda assim nos sentíssemos afastados dos personagens e, ao subir dos créditos, o que fica é uma sensação gélida não lá muito agradável.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz.
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