Faixa a faixa: “Se Chover”, de Lucas Gonçalves

introdução por Bruno Lisboa
Faixa a faixa por Lucas Gonçalves

Natural de Minas Gerais, Lucas Gonçalves é baixista da Maglore desde 2017, mas muito se engana quem acha que a sua carreira no meio musical é deste período. Afinal, antes mesmo de fazer parte da banda baiana, o compositor já tocava com o Vitreaux, grupo paulistano formado em 2013 o qual permanece como integrante até hoje. Mas agora em 2020 o músico decidiu por alçar aquele que seria o mais audacioso de seus voos: lançar um disco em formato solo.

Lançado pelo selo Pequeno Imprevisto, em “Se Chover” (2020) Lucas coloca em evidência influências musicais setentistas para resgatar, de forma saudosista, o seu passado, mas com um olhar para o futuro. No disco, Lucas problematiza a turbulência da atualidade, em faixas como “Basta”, mas consegue ainda sim encontrar beleza no mundo, tendo a natureza como cumplice, tal como na ótima “Sol e chuva”.

Produzido pelo próprio em parceria Luciano Tuncuduva, Lucas contou com uma série de parceiros musicais que ajudaram a formatar o resultado final, tendo Bruno Bruni (Pessoas Estranhas) e Beto Mejia (ex-Móveis Colonais de Acaju) entre eles. Nesta faixa a faixa exclusivo para o Scream & Yell, Lucas Gonçalves esmiúça o processo de gravação do disco, joga luz nas contribuições dos músicos de apoio, traduzindo em minúcias um dos discos mais belos deste triste 2020.

FAIXA A FAIXA
“Se Chover”, por Lucas Gonçalves

Se Chover
Foi a música guia para o restante do disco, um caleidoscópio de lembranças vívidas ou idealizadas de um romance que eu idealizei ou vivi há alguns anos. O violão e a bateria foram gravados ao vivo, e em algum momento eu e Pedrinho (Pedro Lacerda) saímos do metrônomo juntos e conseguimos contornar, evitando de ter que gravar outro take & ganhando horas naquele domingo. Convidamos Beto Mejia para a flauta e Mali Sampaio para o baixo acústico.

Na Bagagem
Pensando nos meus sonhos e querendo estar neles acordado eu escrevi essa canção. Eu acho que não se pode viver bem sem sonhar e queria dizer isso com leveza e simplicidade. Eu já tinha gravado ela em um disco que acabei abandonando, em 2015. Mas com essa roupagem mais acústica, com flautas e bandolim ela mereceu estar no começo do disco. “Acústica” até o tema final, onde gravei três guitarras sob efeito de fuzz.

Precisa Algo Acontecer
Nos fins de rolê aqui em casa, eu sempre embarcava nessa história de conversar sobre esses tempos sombrios que estão demorando a passar. Uma coisa eu sei: que está tudo ao contrário e que precisa algo acontecer. Eu fiquei rodando com essa música, cheguei a mostrar pra um amigo ou outro a fim de parcerias e nada. Acabei terminando ela em Juiz de Fora, no violão da Carime. O Tuca (Luciano Tucunduva, um dos produtores do disco) sugeriu da gente convidar o Filipe Castro para a percussão. E acertamos muito nesse convite, ele invocou a música com congas e castanholas. Tuca também me lembrou de um detalhe imprevisível sobre a mixagem dessa faixa, a única do disco em que o meu violão foi todo para o lado direito, trocando de lugar com a bateria.

Sol e Chuva
Um música que eu fiquei tentando muitos caminhos antes de finalizar. Tem alguns bordões que eu fui juntando, de Minas, de São Paulo, ou fatos sobre Belém. “Nosso amor não é de açúcar”, um amigo esses dias comentou comigo, comemorando que essa frase finalmente fora apanhada, mas que ela deveria estar rondando a cabeça dos compositores por alguns anos. Eu me lembro do meu pai quando canto isso, talvez pela palavra açúcar… Uma canção sobre a permanência do amor em toda a sua força e resistência. Gravei uma guitarra com fuzz nessa também dobrando o arranjo com bandolim.

Basta
Na mesma onda de “Precisa Algo Acontecer” essa música tem esse desespero também. Se deixarmos para trás a conivência e a passividade, o futuro pode ser menos assustador. Escrevi em Passa Quatro, olhando pela janela, em um domingo de muita chuva. Para o piano convidei Bruno Bruni, que chegou improvisando e despretensiosamente criou os arranjos que dobraríamos com a flauta do Beto mais tarde. No final da faixa se pode ouvir o piano fechando, dando um basta nas próprias frequências.

Temos Nós
Em 2016, com os caminhos se fechando, muita chuva e um inverno rigoroso, essa ideia me ocorreu depois de assistir a alguns shows na Funarte, durante a ocupação que vigorava por lá. Me senti pintando um quadro nessa música, um amigo meu vive relacionando a pintura com a composição musical, eu concordo, embora não me ocorra tanto esse sentimento. Nessa música, o Bruno gravou um piano elétrico muito charmoso, o Diogo Valentino gravou o baixo elétrico e Filipe Castro também pinta com as suas congas no refrão.

Prece
O disco já estava sendo mixado quando eu fiz essa música. Ela foi gravada na minha casa por Renato Medeiros em uma tarde de domingo. Enviamos ao Tuca no dia seguinte. Uma autoficção sobre a morte com reflexos do catolicismo mineiro. Gravei violão, baixo, percussão e tambores enquanto Renato assumiu o mellotron e a engenharia de gravação.

Baixa a Poeira
Existem três paisagens nesta canção. Uma tenta rememorar uma casa antiga em que eu cresci, em Passa Quatro. Alguns momentos da minha mãe recolhendo as roupas do varal enquanto começava cair uma chuva de verão. No segundo momento escrevo sobre o meu pai, dos nossos passeios matinais, das histórias que ele me contava da sua adolescência e de quando eu insistia pra ele não exagerar no açúcar. E depois falo do meu encontro com a Carime Elmor, no momento em que eu era obrigado a me despedir do meu pai. Ela foi muito presente durante esse momento e eu tenho muita gratidão e sorte por nossas vidas terem se cruzado. No final da música, todos os instrumentos reaparecem celebrando uma grande folia em Lá maior.

Se Chover II
Essa música também trata da morte, como se fosse um carta de despedida. Os arranjos de cordas foram compostos por Fabricio Gambogi, da banda Dingo Bells e foram gravados por um super trio que eu adoro: Michele Melo na viola, Paulo Costa no violino e Raphael Evangelista no violoncello.

O Sol Vai Nascer Outra Vez
Uma canção mais antiga, 2010 ou 2011, que eu gosto muito. Não deixa de ser uma celebração, uma conciliação entre passado e presente e um olhar solar e otimista para o futuro. Adoro a célula rítmica que o Pedro criou na bateria, aliás, esta com bumbo leguero substituindo o surdo. Ao final da música, no tema criado em conjunto com Mali e Pedro, aparece o Flugelhorn gravado por Kezo Nogueira, da banda Vitrola Sintética. Se é para ser solar, nada melhor do que uma melodia alegre brilhando dentro e fora de um instrumento metálico.

– Bruno Lisboa  é redator/colunista do O Poder do Resumão. Escreve no Scream & Yell desde 2014.

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