Entrevista: Emerson Dindo (Plataforma Diáspora Conecta)

entrevista por João Paulo Barreto

Emerson Dindo, produtor de cinema e diretor executivo e idealizador do Diáspora Conecta, traz para essa importante iniciativa toda uma vasta experiência como produtor e presença atuante no audiovisual baiano e brasileiro nos últimos anos. Tendo como meta a criação de pontes para produtores e roteiristas negros e negras com o mercado do audiovisual, a plataforma Diáspora Conecta chega à sua segunda edição em 2020.

Nessa entrevista para o Scream & Yell, Emerson aborda diversos aspectos do Diáspora Conecta, uma plataforma de desenvolvimento de carreiras de profissionais negros do audiovisual brasileiro, salientando que ela “tem como perspectiva essa formação, esse desenvolvimento de carreira de profissionais negros e negras no audiovisual, mas, também, para essas pessoas terem essa carreira como um horizonte”.

No papo, o produtor abordou toda sua trajetória no campo do audiovisual, salientando as dificuldades dentro de uma indústria na qual a perseverança tem que ser constante, principalmente para alguém fora de um âmbito de privilégios. Confira o papo!

Como todos os eventos culturais conscientes da necessidade do isolamento social para conter a pandemia, o Diáspora Lab Roteiro e Produção também modificou sua estrutura visando a segurança das pessoas interessadas em participar. Na função de diretor-executivo e idealizador da plataforma Diáspora Conecta, você poderia falar um pouco sobre os desafios apresentados nesse 2020 para a realização?
Com a pandemia, realizar o Diáspora Conecta esse ano foi um grande desafio por conta dessa mudança do presencial para o digital. Para nós, é muito caro esse espaço presencial. No laboratório específico, criamos uma comunidade que permanece imersa durante uma semana, de modo que as pessoas, além de trabalhar os projetos, acabam compartilhando experiências com os outros processos, com as outras pessoas. Mais do que isso, existe também um processo de transformação interna a partir dessa relação. Então, migrar para os encontros remotos foi um processo que nos custou muito. Mas depois que migramos, percebemos algumas oportunidades que, talvez, só o digital traria de fato: essa possibilidade de conexão com o mundo, que é algo que temos explorado bastante agora. Outra coisa que tivemos com relação à pandemia foi perceber que todos os projetos ficaram represados. Queríamos entender um pouco do comportamento de como seria aqui no país, e, também, lá fora. E nesse momento, por exemplo, a gente tem chamadas para seis ou sete laboratórios distintos no Brasil. A maioria desses laboratórios vai acontecer entre outubro e novembro. E eu estou falando de cinco a sete laboratórios. Tem o Diáspora Lab, o BrLab, o Novas Histórias, a Flup vai começar agora, também. O Curitiba Lab abriu inscrições; o DocSP acontece em novembro; o Panorama, aqui em Salvador, com o PanLab, acontece, também, em novembro. Então, você tem, nesse momento, todos os eventos e projetos que não puderam acontecer no primeiro semestre, mas vão acontecer em outubro e novembro. E isso por que? Bom, até setembro a gente estará vivendo esse rescaldo (da pandemia) com o platô que chegou agora. Outubro poderíamos imaginar como sendo um mês em que o país poderia estar mais tranquilo. Novembro é um mês antes do último, e em dezembro a gente não faz mais quase nada. Foram dois meses que nos restaram. Nosso desafio, agora, é tentar, diante desse cenário, criar um diálogo entre esses espaços de modo que a gente não sombreei nenhuma dessas atividades. E que cada espaço tenha o seu potencial de resistência. Que consiga fazer o seu trabalho e que as pessoas participem. Que tenham a possibilidade de fazer imersão que esses projetos precisam dentro do laboratório que, esse ano, precisa ser virtual.

Esse ano, o Diáspora Lab Roteiro e o Diáspora Lab Produção trazem nas presenças de Paula Gomes (diretora e roteirista do premiado “Jonas e o Circo Sem Lona”) e Xenia Rivery (que atuou como coordenadora da Cátedra de Roteiro e do Serviço Internacional de Consultorias da Escuela Internacional de Cine y TV, de San Antonio de los Baños, EICTV- Cuba), ambas como consultoras de roteiro. Nas consultorias de produção, Tanya Valette, que foi a sétima diretora da mesma Escuela Internacional de Cine y TV, além de Joelma Gonzaga, produtora com trabalhos constantes como os filmes dirigidos por Eryk Rocha, fecham um time excelente de profissionais. Como funcionou esse processo de seleção?
Antes de mais nada, eu sou produtor. Por entender as barreiras, as dificuldades que a gente acaba enfrentando para desenvolver, para captar recursos para nossos projetos. Também sendo um produtor negro que não está no “grande eixo brasileiro”, é preciso encontrar caminhos e possibilidades para fazer com que esses nossos projetos aconteçam. Acredito no espaço de laboratório como esse lugar. Onde você encontra uma consultora que vai estar com você “paripassu”. O laboratório é uma semana muito intensa na qual você vai conseguir trabalhar determinadas coisas. Esse ano decidimos dilatar o laboratório para possibilitar que esses projetos amadureçam com o tempo que eles precisam. Pensando nessa estrutura, concluímos que é importante que a gente tenha pessoas parceiras e que entendam essa nossa metodologia, e que, além disso, consigam aportar a infraestrutura e a atenção que esses projetos e essas pessoas precisam. Paula e Xenia são parceiras do Diáspora desde o primeiro ano do laboratório. Antes mesmo do laboratório acontecer. O Leandro [Santos Rodrigues, diretor administrativo da plataforma Diáspora Conecta] fez uma formação de roteiro em Cuba de três anos. A Xenia coordenava o curso de roteiro da escola de cinema de Cuba. Esse diálogo vem desde aí, de muito antes do laboratório acontecer. Paula é uma pessoa que, além de uma amiga, é uma produtora e diretora incrível. Desde 2014 que nós conversávamos sobre esse projeto, de como eu queria participar de alguns laboratórios para entender um pouco da dinâmica. O que pensamos ao selecionar uma consultora? É importante que essa pessoa tenha uma estrada, tenha experiência na área, mas que também exista a generosidade para sentar com a pessoa que está do outro lado, de modo que essa partilha seja real e mais horizontal do que verticalizada. Porque, aí falando um pouco dessa experiência de ter participado de laboratórios, as pessoas, quando vão para um espaço como esse, os projetos já têm muito tempo de pensamento, de escrita, de dedicação. E é um custo escrever um projeto, é um custo escrever um roteiro. Você não só precisa de tempo, mas de recursos financeiros. Quando você chega a um espaço de laboratório como esse, é muito importante que essas profissionais tenham a máxima atenção, a máxima generosidade, para fazer com que esses projetos aconteçam. Mas, também, é muito importante dizer que elas precisam ser muito diretas, objetivas e reais. “Seu projeto precisa melhorar nisso, nisso e nisso.” “Sua personagem está com essa fragilidade porque esse ponto aqui você não resolveu.” É um trabalho muito íntimo, de muita minúcia, e que precisa além de um currículo interessante da consultora, de muito apuro, muita dedicação, muita sensibilidade. Escolhemos quatro mulheres da América Latina porque a gente entendia, antes de mais nada, que elas têm esse um currículo incrível. E, além disso, que elas poderiam aportar muitas coisas para o projeto. Porque são pessoas em cujo trabalho acreditamos. São pessoas parceiras. Eu dialogo muito com a Paula e com a Xenia, consultoras de roteiro. A Tanya eu conheci mais recentemente, pelo intermédio desta nossa rede diálogo. Eu e a Joelma estamos fazendo muita coisa juntos. Então, isso acaba contando, também.

O Diáspora Conecta deste ano traz atrativos para além das preciosas consultorias, como a possibilidade de seleção para projetos participarem do MiradasDoc, na Espanha, além do prêmio de R$ 10 mil para iniciar ou dar continuidade a produções. Você pode falar um pouco desses incentivos bem como do processo de consegui-los para a plataforma?
São prêmios que, para tê-los nessa edição, fizemos uma movimentação grande. Tivemos o aporte financeiro do Fundo de Cultura da Bahia e conseguimos articular parcerias com outras instituições. Mas temos um sufocamento no Brasil dos recursos públicos para financiar projetos culturais, em especial, para o Cinema. Então, isso nos afeta muito. Temos mobilizado para encontrar caminhos dentro e fora do Brasil para financiar a plataforma, e esse me parece um caminho estratégico. É justamente nesse movimento de pensar formas sustentáveis que firmamos a parceria com o MiradasDoc, proporcionando a possibilidade de um projeto do Diáspora Lab participar do evento na Espanha, em Tenerife, no mês de fevereiro de 2021. Uma experiência muito bacana que vai contribuir muito para o desenvolvimento do projeto. Eu estive lá esse ano no mês de fevereiro como “decision maker”, representando além da plataforma Diáspora Conecta, o Nordeste Lab e a Mostra Itinerante de Cinemas Negros Mohamed Bamba – MIMB. Este é um intercâmbio que consiste na criação de um circuito de formação entre outros laboratórios. Nesta edição, por exemplo, tem um projeto que vem de lá para cá e que vai participar do Diáspora Lab, chama-se “A Bomb Of Pan Africa”, digirido pela Eva Munyiri, uma diretora queniana. Ainda que seja uma edição cheia de desafios, nós estamos nos articulando com outros espaços e eventos dentro e fora do Brasil. Estamos bem felizes de levar um projeto de documentário Diáspora Lab para participar do pitch Afrolatam, no MiradasDoc em 2021. Sem custos para o projeto selecionado, com todas as despesas cobertas, passagem aérea e hospedagem. Esse é o ano também da primeira edição do Prêmio Diáspora, que outorgará uma bolsa no valor de prêmio de R$ 10 mil para um dos projetos. É um startmoney, porque, de fato, ele ajuda. É um fôlego para quem está desenvolvendo ter grana para começar uma pesquisa filmada, para fazer pesquisa de acervo, enfim, para começar um trabalho ou dar continuidade ao de desenvolvimento do roteiro. Para a gente é muito importante que o Diáspora Lab recepcione as narrativas que as pessoas querem apresentar. Se eles querem fazer um thriller, se querem fazer um filme policial, um filme de gênero, horror, terror, ficção científica, isso independe. Queremos narrar as nossas histórias, em qualquer formato, em qualquer gênero. O que importa para a gente é que a pessoa tenha esse ambiente para produzir. Nós temos o compromisso de possibilitar que outras narrativas aconteçam. E isso de modo que possamos inserir e colocar o homem e a mulher negra na tela de uma outra perspectiva que não seja a hipersexualizada. Que não seja em situação de subalternidade, que não seja o homem violento, ou uma criança em situação de miserabilidade. Todos esses exercícios temos feito dentro de uma plataforma que tem como perspectiva essa formação, possibilitando o desenvolvimento de carreira de profissionais negros e negras no audiovisual. Mas tem, também como um horizonte, a criação de pontes de colaboração entre a indústria cinematográfica latino-americana e a africana. E uma coisa que a gente ainda não anunciou é que nessa edição teremos um diálogo mais próximo com a América Latina e com o continente africano. Muito em breve divulgaremos a segunda etapa da programação. Essas atividades serão divulgadas no mês de setembro.

Além de diretor executivo e idealizador do Diáspora Conecta, você tem uma experiente carreira como produtor, com trabalhos não somente na Bahia, como em outros estados. Você poderia trazer um pouco desse olhar dentro do mercado de produção para profissionais negros e negras?
É uma pergunta muito pertinente porque ela acaba norteando muito do que a gente acredita dentro da plataforma. Você citou sobre essa ponte São Paulo e Bahia, e eu lembrei que fui fazer uma disciplina na USP, no ano passado. Conversando com uma colega, ela me pediu para escrever um texto sobre como é ser um produtor negro no Brasil. E até hoje eu reflito sobre isso. E estou devendo esse texto para ela publicar. Acho que, antes de qualquer outra coisa, você vai ser tudo menos um produtor de cinema dentro desses moldes. Porque tem uma questão que eu acho importante falar que é como um produtor é lido no Brasil. Eu já vi coisas do tipo: “Diretor cria, produtor apaga fogo ou resolve problema.” Eu acho isso um discurso tão complexo, tão perigoso, tão mesquinho. Depois de um tempo, eu fui entender que eu tenho um modelo de trabalho que não é compatível com alguns modelos de trabalho que estão disponíveis. Nesse sentido, eu tive que criar espaços ou estruturas para que a gente pudesse trabalhar dentro de uma proposta que a gente acreditava. Onde a gente entende o papel de cada departamento. Da direção, da produção, da fotografia. Sabemos a obrigação, mas também entendemos que esses espaços são complementares. Não existe filme sem produtor; não existe filme sem roteirista, sem diretor, sem arte. Então, eu percebi que faltava um pouco de respeito ali nessa relação, e foi algo que começou a me incomodar bastante. Isso acaba norteando muito o nosso trabalho quando a gente pensa que, antes de qualquer outra coisa, quem está conosco tem de ser muito generoso nesse sentido. Tem que ter muito respeito. A comunicação tem que ser muito direta, muito aberta, de modo que a gente consiga se entender desde o início. Nós, da equipe da Diáspora Conecta, falamos muito claramente. Não prometemos nada que não consigamos entregar. A gente se esforça muito. Isso acaba direcionando muito o trabalho dentro da Diáspora Conecta devido à série de coisas que são feitas. Você pega um produtor ou uma produtora que são negros, que estão fora do eixo financeiro do Brasil. Colocam camadas sobre camadas, e essas carreiras acabam sendo podadas ou sufocadas por não encontrar espaços para se produzir. Aí você vai ter situações onde o cara para quem você apresenta o projeto fala assim: “mas o que essa mulher tem de especial? Você vai fazer um filme sobre ela? Uma mulher comum” e isso e aquilo. E na verdade, o que está por trás, é uma personagem que é negra, é uma história que se passa em uma comunidade. As histórias que nos rodeiam têm mais dificuldades de serem recebidas. Isso do ponto de vista da recepção em alguns espaços. E por ter passado por situações como essa, mas não somente isso, eu entendi que era muito importante criar uma espaço onde pudéssemos trabalhar nossas narrativas, os nossos métodos de trabalhos, com pessoas que teriam a disponibilidade, o olhar e a generosidade de ouvir e apontar caminhos possíveis.

Sobre a parceria com o MiradasDoc, como se concretizou? Como foi poder participar da edição deste ano, antes da pandemia?
No começo de 2020, eu fui para o o MiradasDoc, em Tenerife, Espanha, para participar do Fórum de Coprodução AFROLATAM, que é um fórum de documentários entre América Latina e África. A proposta foi justamente conhecer um pouco desses espaços, fazer contatos com outras pessoas e entender como os projetos da Diáspora Conecta, e tudo aquilo que a gente está pensando, conseguem dialogar em um circuito que a gente acredita. Lá, conhecemos o representante do Festival de Durban, do Festival Alternativo de Barcelona, por exemplo. Temos pensado muito nesse lugar. E não é fácil produzir dentro do modelo que a gente tem. E é muito mais complexo quando se é negro, quando se é mulher, quando não se está dentro de um determinado eixo. Porque tem uma questão, o fator geopolítico, que é uma coisa que acabamos não discutindo muito. Eu sou do interior da Bahia, de Feira de Santana. Então, o que temos: se tudo acontece na capital, os centros de discussões estão em Salvador, as secretarias estão em Salvador, a informação está neste lugar, logo é muito mais fácil você se organizar perto da informação, perto do recurso, do que estando distante dela. Esse é um ponto que a gente discute pouco: geopolítica. De como estar perto da informação faz total diferença para você ter a possibilidade de acessar ou não o recurso, de você poder ou não mover a sua máquina de produção. E também foi isso que me fez transitar por diversos espaços, sair de Feira de Santana, vir para Salvador, depois ir para a Argentina, ir para a Espanha esse ano. Ano passado, passei esse período em São Paulo. Esse pequeno circuito foi importante para começar a entender como o mundo opera. De como estar próximo da informação é importante. De como criar repertório é importante. E aí você me pergunta: “é fácil fazer isso?” Muito pelo contrário! Quando você vem de um local fora do centro, e você cruza raça, classe, sexualidade e todos esses marcadores, você vai pensar que muitas vezes você vai ter que pegar a sua própria grana, a sua rescisão de trabalho, aquele dinheiro economizado, e vai usar nisso, vai investir em você. Vai torcer para isso retornar um dia.

Você citou essas experiências pessoais relacionadas a precisar mudar de campo de atuação, de usar dinheiro de rescisões para investir nesse novo horizonte . Como se deu essa sua entrada no campo da produção de cinema?
Antes de trabalhar como produtor, eu trabalhei em outras áreas, outra empresas. Minha formação é em Administração de Empresas. Eu venho deste lugar. De trabalhar na Agroindústria, na Área de Serviços. Todas as vezes em que precisei sair para fazer o que quer que seja, para poder estudar espanhol, para fazer intercâmbio, para poder ir para um outro país, foi com o dinheiro de rescisão de trabalho. Peguei minha grana e fui de mochilão. Eu pensava: “como é que vou fazer mochilão? Eu preciso ser estratégico. Eu não herdei. Eu acabei de sair de um trabalho. O que eu vou fazer? Farei um intercâmbio, vou aprender espanhol, vou ficar fluente nesse idioma, porque isso vai me dar oportunidade de acessar outros espaços”. Tudo aconteceu muito nessa chave. De tirar a grana do bolso para apostar naquilo que se quer. Hoje, não. Hoje, depois desses anos, para mim, as coisas têm que fazer sentido. Já faz uns três anos que eu decidi deliberadamente diminuir o volume de coisas, me recolher um pouco, analisar todas as informações que eu tinha para entender e decidir para onde eu queria caminhar. Porque chegou o momento em que eu percebi que eu estava fazendo muita coisa, participando de muitas atividades, mas que, no final, isso estava me tirando muito o foco. Então, voltar algumas casas, repensar, realinhar. Eu decidi voltar para a academia, fazer um mestrado, focar na minha empresa, nos meus projetos. Foi aí, neste ponto, a partir de muita reflexão que eu decidi me recolher um pouco, repensar a minha empresa, cada passo, escrever as nossas próprias histórias, os nossos projetos. E foi quando eles (os projetos) começaram a caminhar. Foi uma série de decisões estratégicas que eu tive que tomar para fazer com que as coisas acontecessem. E uma dessas decisões foi colocar a Diáspora Conecta de pé.

Após a graduação em Administração que você decidiu seguir por outro caminho, então?
Eu entrei na graduação em 2004 e sai em 2009. Comecei no cinema em 2012/2013. Sou formado em administração, mas tenho vários amigos do curso de economia. Então, com esses amigos e amigas da economia muitas vezes a gente saía de Feira de Santana para Cachoeira, para participar de toda programação cultural da cidade. E em uma dessas vezes, fomos para o Cachoeira Doc. Eu fui para o primeiro Cachoeira Doc. Só não devo ter ido em um ou dois. De certa forma, o Cachoeira Doc me aproxima do cinema. Eu acho que nunca falei isso para Ana Rosa (Marques) e para Amaranta (Cesar, organizadoras do festival). Mas o Cachoeira Doc tem esse lugar. A cidade de Cachoeira tem esse lugar dentro da minha formação. Feira de Santana, Tanquinho, Conceição da Feira, que são cidades onde a minha família está ligada, porque minha mãe vem de Tanquinho, meu pai vem de Conceição da Feira, que é perto de Cachoeira. Esse repertório é formado desde ali. Me lembro também do projeto “Quartas Baianas”, que exibia filmes produzidos por realizadores/as da Bahia. Foi em uma desses encontros que conheci o trabalho da Paula (Gomes), da Plano 3 Filmes meninos (Haroldo, Marco e Ernesto). Eu lembro desse dia até hoje, dos filmes “Menino” e “Pornographico”. Era 2011. Tenho essa memória que carrego comigo. Mas, como disse, eu formo em 2009. Antes de me formar, já trabalhava na área, em uma grande empresa agrícola aqui na Bahia. Trabalhei em unidades de beneficiamento em fazendas; trabalhei com revenda de piscina, com livraria… Ai, Oxalá, foi coisa que eu fiz nessa vida (risos). Enfim, até que decidi que eu não queria continuar na área porque sempre gostei da arte como um todo. Meu sonho era ser arquiteto, mas não tive condições.na época Na Administração de Empresas, já tinha o estímulo de uma tia, que havia estudado isso. Outra tia que já havia trabalhado no setor administrativo de um supermercado durante muito tempo. A veia empreendedora da minha família paterna e materna me jogava para esse lugar. Até que decidi que eu não queria mais fazer isso. Cachoeira me apresentou isso. Conheci o Leandro. E comecei o trabalho com cinema nesse lugar. Assistente de Produção, diretor de Produção, produtor executivo, e, agora, produtor no sentido de pensar a obra de maneira mais ampla. Pensar a equipe que vai trabalhar comigo. De poder pensar questões relacionadas ao roteiro, aos personagens, arco narrativo, estrutura, sentar e escrever sinopse, sentar e escrever logline, defender projeto. Enfim, eu acho que é uma trajetória que ainda está acontecendo obviamente, mas que nos últimos tempos eu tenho cada vez mais me encontrado. Acho que depois de vinte, trinta projetos, você acaba se encontrando com mais nitidez. Eu acho que é um pouco isso.

Lembro-me de ter te conhecido em 2015, por ocasião do impactante curta “Sandrine”, dirigido por Elen Linth e Leandro Santos Rodrigues, e roteiro também do Leandro Rodrigues, e com sua produção. Na ocasião, você já vinha de uma estrada dentro do audiovisual. Poderia falar um pouco dessa trajetória já no campo da produção?
O primeiro curta que eu produzi como diretor de Produção foi no Rio de Janeiro para uma organização social chamada Redes da Maré. É uma organização muito conhecida não só no Rio, mas no Brasil. Ela faz um trabalho muito importante. Na época, eu saí de São Félix e fui fazer a Direção de Produção desse filme no Rio. Fiquei lá aproximadamente um mês trabalhando. Foi uma experiência incrível. Aprendi muito dentro do Complexo da Maré, Alemão, Zona Portuária, Icaraí, Irajá, Niterói e Rio… Foi uma experiência muito intensa. “Sandrine” chega em 2015. A produção é de 2014. Ele e “Muros” foram produzidos em 2014, e em 2015 a gente exibiu no Panorama. Naquele ano, a gente apresentou dois filmes: “Sandrine”, uma ficção que narra a história de uma mulher trans que é professora do ensino público e que tem um conflito com a mãe. E a gente tinha um outro documentário ensaístico do Leandro Santos Rodrigues, que era um doc performance muito no campo para pensar a transsexualidade. Então, “Sandrine” chega um pouco depois. Foi uma leva de filmes, como “Mãe d’Água”, “Sandrine”, “Muros” e “Eu, Travesti”. Também vieram “Boi na Linha”, do Arthur Dias. Também outros dois filmes do Marcelo Matos Oliveira e do Wallace Nogueira. Algumas séries, e por aí vai. Fora todos os outros trabalhos de produção local que a gente acaba fazendo também. E para produções nacionais e internacionais. Nesse processo de você se inserir nesses espaços, eu acho que hoje, em 2020, depois de tanta discussão, de tanta batalha, de pautar tanta coisa, de trabalhos, de instituições importantes, eu acho que o mercado começa a olhar para a produção feita por realizadores negros com outra perspectiva. Há 20 anos, não era tão simples. Há até cinco anos, era uma questão muito complexa. Isso é para dizer que esse avanço do tempo vem trazendo também outros olhares sobre essas nossas produções. Mais especificamente sobre as produções negras, ainda que a gente entenda que, olhando para os dados da própria Ancine, quem acaba dirigindo a maior parte dos filmes, quem acaba acessando a maior parte dos recursos, ainda é um perfil muito… (pausa) muito desenhado. São homens, são dos grandes centros, são homens brancos. Aí quando você vai olhar para as mulheres, as mulheres negras, elas ainda estão em um outro patamar de acesso de recurso.

A Plataforma Diáspora Conecta simboliza esse esforço diante de uma batalha constante pelo reconhecimento e por oportunidades iguais.
A gente recebeu aqui na Plataforma a mensagem de uma moça de um estado do Brasil na qual ela falava que o grande sonho dela era ser produtora. Que ela trabalhava em uma produtora importante, mas em outro departamento, que não era de produção. E que, por mais que ela expressasse o seu desejo, ninguém percebia isso. O grande desejo dela era saber se a gente iria oferecer algum curso de produção, porque o sonho da sua vida é ser produtora. E como essa mensagem, recebemos outras tantas. Isso para dizer que existe uma potência cinematográfica muito grande, não só na Bahia, mas no Brasil como um todo, que muita vezes é sufocada pelo fator da infraestrutura, do recurso, da materialidade, do racismo. Eu lembro que uma vez eu conversava com uma colega, e ela disse: “o precário nunca pode ser uma sentença.” É aquela coisa de: “você só vai produzir nessas condições”. Eu acho que é importante que a gente tenha a possibilidade de escolher produzir com tanto ou com tanto, com tais condições ou com essa condição, mas que nunca sejamos sentenciados a não produzir ou a produzir e criar na precariedade, com pouco recurso. O que fazemos é trabalho. Gera emprego e renda. E aí eu te falo porque colocar a Plataforma de pé e captar recurso é um trabalho árduo. Que muitas vezes, por você estar fora (mais uma vez, né?) de alguns centros de discussões, e também por todos esses marcadores que eu te falei, o diálogo acontece em uma perspectiva muito verticalizada. O cara, ou a mulher, eles não vão te olhar nos olhos. Eles vão te olhar de cima para baixo. E aí esse exercício de você tentar equalizar esse olhar, esse diálogo, é um exercício muito grande porque você tem que apresentar o seu projeto, falar o que você acredita, mostrar os números, e falar assim: “olha, eu tenho capacidade de realização. Se você colocar tanto, eu vou te entregar tanto.” E aí muitas vezes você não percebe essa barreira, essa dificuldade, com pessoas de outras características, sabe? É um trabalho hercúleo colocar um projeto desse de pé.

Você citou Feira de Santana como seu local de origem, bem como a necessidade de estar próximo a centros de discussões para ter acesso a muitas pontes dentro do aspecto profissional da produção cultural. Uma discussão importante aqui na Bahia nos últimos anos trata do aporte e incentivo financeiros para os diversos aspectos Culturais que todo o estado, e não apenas Salvador, pode oferecer como potencial gerador. Há diversas discussões relacionadas a isso, oriundas de associações e de pessoas que questionam vários aspectos dessa distribuição. Qual sua opinião sobre essa necessidade de inclusão da cultura fora do que apenas acontece na capital e centros metropolitanos?
Eu acho que a gente tem alguns caminhos. Nesse processo de reorganizar uma série de coisas internas, eu me afastei de algumas atividades. Sabe quando você pega um pouco de distância para olhar tudo com mais nitidez? Esse processo eu fiz como uma atividade interna. Eu fiz uma imersão para entender o que estava acontecendo para, a partir daí, saber como desenvolver em um cenário que tinha muita informação. E informação em excesso, além de causar ansiedade, ela também pode te distrair. Então, para mim, foi muito importante essa análise. Mas eu percebi uma coisa quando eu discutia em alguns espaços ainda. Para explicar, eu vou ter que voltar àquela questão geopolítica. A Bahia tem 417 municípios. Se você analisa, por exemplo, como era pensado e distribuído recursos para a Cultura na Bahia, e isso considerando Carnaval, São João, essas grandes festas, mais o que acontece para além disso ao longo do ano, existia uma concentração muito grande de recursos em Salvador e região metropolitana. Quando a gente em pensava em Cinema e em Audiovisual, os recursos acabavam concentrados aqui em Salvador e região metropolitana, porque se lê ou tem-se a ideia de que, aqui, estão todas as produtoras, todas as pessoas que são capazes de produzir, que tem capacidade de entrega, e por aí vai. Quando, na verdade, no interior do estado, nesses outros municípios, tem muita gente produtiva, que cria, que faz, que tira do próprio bolso. Eu ouço muito de amigos, inclusive pessoas próximas, que quando vão falar de Feira de Santana, vão dizer que a cidade não tem nada, ou que é uma cidade sem cultura, ou que é uma cidade feia, bruta, que só tem empresas, e por aí vai. E aí você faz o exercício de dizer que, talvez, eles conheçam uma Feira de Santana diferente da minha. Porque, às vezes, o modelo ou parâmetro que se tem de algo não necessariamente se aplica a outras experiências. Se você vai a Feira de Santana e ao Mercado de Arte Popular, onde, há mais de 20 anos, Mestre Cláudio faz uma roda de capoeira todos os sábados… Quiçá seja a roda de capoeira mais antiga da Bahia em atividade – não posso afirmar. Lá em Feira de Santana, você tem o Bando Anunciador (N.E. Tradicional celebração que acontece há mais de 100 anos na cidade e que anuncia a festa do Dia de Nossa Senhora Santana); você tem as festas nos distritos, você tem a Caminhada do Folclore. É em Feira que é realizado o principal festival de música alternativa do estado, o Feira Noise. Você tem a própria micareta, que começa lá e se espalha pelo Brasil, você tem os blocos do samba de roda que existem em Feira de Santana. São tantas coisas que temos lá, que eu acho uma temeridade dizer isso. Mas eu estou te dizendo porque tem um discurso que, às vezes, me preocupa. É quando vai se falar com relação à Cultura, concentração de renda, etc, que é entender de que ponto a gente está partindo. Porque se pensar que a Bahia tem mais de 400 municípios, e que mais da metade dos recursos ficam em Salvador, você tem um problema grande aí. É uma questão que a gente precisa rever com mais cuidado. Por isso que eu falo que a questão geopolítica é muito importante, porque, no frigir dos ovos, é a soma de tudo isso que forma a nossa identidade. A Bahia não é uma. A Bahia não é Salvador. A Bahia é formada por 416 municípios e mais Salvador. Mas quando a gente fala da Bahia, falamos sempre dessa perspectiva. E, às vezes, o que eu ouço é que os produtores do interior, principalmente, cobram isso. Cobram essa escuta do interior, cobram por ações no interior do estado. Eu lembro que o NordesteLab, uma vez, me chamou para fazer uma atividade em parceria com o Sebrae. Eu fui para Ilhéus para fazer uma atividade e um dos rapazes falou assim: “Eu mandei um projeto, mas não vou nem recorrer, pois sei que na verdade só quem vai ganhar é o pessoal de Salvador.” É preciso entender como essas questões refletem diretamente nas políticas públicas. E eu estou te falando tudo isso porque, às vezes, é preciso tomar cuidado sobre como essas mensagens ventilam entre nós para que a gente não repita as mesmas coisas que condenamos de outros espaços. Por exemplo, quando eu digo que o recurso financeiro fica em RJ e SP, que o centro de discussão brasileiro fica em RJ e SP, então, eu não posso chegar na Bahia e aplicar o mesmo roteiro. E achar, por exemplo, que os outros municípios não merecem ter uma reserva de mercado, uma cota do recurso, uma política pública descentralizada. Eu soube de algumas ações e audiências públicas que aconteceram. Inclusive participei de uma delas. Isso porque eu leio que no interior do estado não tem gente capacitada para fazer isso. E eu já ouvi pessoas falarem isso. Eu acho esse discurso muito perigoso, porque você repete a mesma coisa que se fala em outros lugares, sobre a reserva de 30% que a Ancine estabelece para a região do CONNE – Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Temos que pensar isso como um processo muito mais complexo.

Sobre o cenário de produção baiana, seja de longas ou de curtas metragens, eu vejo nomes importantes de uma geração nova de cineastas, como Taís Amordivino e Vinicius Eliziário para citar dois apenas. No campo da produção, você na Diáspora Conecta e na Produtora Portátil, o Marcos Alexandre, da Gran Maître Filmes, a Daiane Rosário, na Mostra Mohamed Bamba, são alguns que me vem à mente como representantes. Esquecendo por um momento esse cenário devastador, sendo um pouco otimista, queria lhe perguntar acerca de nomes que você admira dentro dessa leva de cineastas.
Eu sou sempre otimista. É um dos exercícios que a gente faz dentro da Diáspora Conecta. Estamos em um processo de elaborar uma publicação que a gente está chamando de dossiê, mas que não é dossiê (risos), enfim, mas vai ser hospedada dentro do site onde a gente aborda muito sobre isso. Tem até um texto lá no qual perguntamos: “Que tipo de futuro é possível quando o presente se despedaça mais uma vez?” Como criar imagens de futuro, como criar outras experiências onde a dor, a renúncia, não sejam uma condição, ou uma realidade primária para corpos negros e para narrativas negras? Então, esse é um exercício que a gente está fazendo agora. Eu convidei dois artistas queridos em suas áreas para me ajudar a pensar sobre isso. Estamos elaborando alguma coisa que queremos apresentar em meados de novembro justamente para pensarmos sobre que mundo queremos. Que real é esse que a gente deseja onde viver e existir sejam possibilidades livres de tanta dor? Sobre cineastas e projetos recentes, eu gosto muito de “Motriz” (N.E. Filme de Taís Amordivino). Foi um filme que me emocionou muito quando assisti. Eu o acho muito bonito. Outro filme que não é baiano, mas eu vou citar, é o “Chico”, dos Irmãos Carvalho. Foi um filme que mexeu muito comigo quando vi. Eu estava no Festival de Brasília naquele ano. Foi o ano de “Café com Canela”, de “Vazante”. Foi uma discussão muito bonita. Mas também tem pessoas que eu acompanho muito, assim, com um olhar de produtor, com um olhar de espectador. Um deles é o Juan Rodrigues, de Alagoinhas. Ele é egresso da UFRB e fez a Trilogia com “O Arco do Medo”, “Arco do Tempo” e “O Arco da Liberdade” (N.E. A trilogia dirigida por Juan Rodrigues foi batizada de “Trilogia da Bicha Preta”). Tem um rapaz que eu acompanho e que gosto muito do que ele faz é o Marvin Pereira, lá de Cachoeira. Eu o acho muito criativo. É um cara que faz muita coisa, que realiza muita coisa. E que não tem medo: utiliza cromakey, produz videoclipe, produz documentário, produz uma série de coisas. Eu gosto muito do trabalho do Ulisses. A Juh Almeida, uma querida amiga, tem um trabalho muito bacana. Está em São Paulo agora, contratada por uma grande empresa de conteúdo chamada Pródigo Filmes. Juh tem um trabalho incrível não só na fotografia estática, mas também na direção de fotografia e na direção de cinema. Então, assim, eu sou muito otimista, de fato. Eu acho que tem muita gente produzindo. No mestrado, eu estudo narrativas em primeira pessoa. Esse é um conflito que eu estou tendo agora. Principalmente, por trabalhar com pessoas que não têm uma recepção respeitosa de suas vozes. Estou fazendo um mestrado porque quando eu fui fazer “Kakawa”, um filme que eu estou fazendo, eu ouvia muito assim: “mas, essa mulher, o que ela tem para te dizer? Ela não tem uma história interessante. Mais interessante que a história dela é a da prima dela, que foi secretária de Educação do Estado da Bahia, ou do bisavô dela que veio para cá na década de 1850, e foi escravizado…” Só que a minha personagem é uma personagem incrível, assim: tem um vozeirão. É muito direta, muito objetiva. Com uma história de vida incrível. Meu exercício, no mestrado, não é provar para mim, se é que eu precise provar algo, mas para os outros de que o que ela narra é tão potente, tão potente, que merece virar um livro. E o exercício que eu estou fazendo no mestrado agora é escrever sobre a vida dessa mulher. Então, essas narrativas me interessam muito. Como criador, como produtor, nesse lugar que cada vez eu me identifico mais, que é pensar a obra como um todo, que é pensar a narrativa, que é discutir roteiro, que é discutir direção de arte… Falando assim: “olha, para esse filme específico, talvez o melhor diretor seja esse. Para esse projeto específico, talvez o melhor roteirista seja esse”. Sabe? Então, eu sou muito otimista. Eu acho que a Bahia sempre deu régua e compasso. Vai continuar dando. E essa não é uma fala essencialista, purista. Não é! Mas é porque, de fato, a gente tem um pólo criativo muito grande. E o que nos falta, na maioria das vezes, é infraestrutura para que a gente aconteça. Para que a gente não precise sair da Bahia, como sempre acontece, para começar uma carreira fora e voltar para a Bahia em outro patamar porque, aqui, não temos, às vezes, infraestrutura. Não estou sendo pessimista, e também não quero dizer que a gente não tem coisas bacanas. Muito pelo contrário! Mas eu acho que a gente precisa de um olhar um pouco mais estratégico para a potência da nossa Cultura e do nosso Cinema no estado, de fato.

Essa migração entre a continuidade da vida acadêmica e o mestrado, juntamente a tocar para frente os vários projetos, tem funcionado bem?
Uma coisa que eu tenho tentado fazer, e por isso voltei para a academia, é entender como essa investigação dentro da própria universidade pode, de alguma forma, estar muito próxima do que a gente produz, como produtor, como criador, como artista, e como empreendedor de uma produtora de audiovisual. Cada vez mais, eu tenho percebido que isso é possível. De como é possível transladar essa experiência do audiovisual para academia, da academia para o audiovisual, sem engessar nenhum dos processos. E uma coisa que a gente tem apostado muito dentro da produtora, na Portátil, são essas colaborações em menor proporção. Há vezes que funcionam melhor em grupos menores do que em grupos muito grandes, muito volumosos. Nossos processos e nossas produções são menores. Nosso raio de atuação e de produção é mais enxuto, mas com mais fôlego. Eu acho que foi uma coisa que a gente teve que aprender nesses últimos três anos. E é uma coisa que a gente tem tentado levar para a plataforma, que, nesse modelo digital, também possibilitou isso. Ter uma programação mais enxuta, mas com mais fôlego, e com a entrega um pouco mais densa, de modo que quem está participando das atividades tenha possibilidade de dizer: “eu saí daqui e realmente consegui prender isso aqui na minha memória.” Às vezes a gente vai participar de uma série de atividades, e no final, pensa: “o que está faltando? Não entendi”. Então, é fazer menos coisas, mas tentar possibilitar uma entrega mais densa.

Futuros projetos?
Estamos fazendo uma co-produção agora entre Brasil – Moçambique – Espanha. É um filme que se passa entre três países, Moçambique, Brasil e Portugal. O filme é uma co-direção entre Everlane Moraes, brasileira, e Lara Sousa, moçambicana. A duas são também personagens e ao longo de alguns meses farão uma viagem cruzada para pensar sobre as identidades de mulheres negras, na diáspora e na África, a partir de um diário de viagem audiovisual. Este é um longa metragem de documentário que pretendemos produzir em breve, mas que depende de captação de recurso. Bem, acho que ainda vamos falar sobre isso, pois trata-se justamente dessa experiência de produtor, de entender que, aqui, a gente pode realizar várias coisas, mas que o mundo é vasto. Que tem produtoras muito parecidas com a energia que você vibra. E que é possível produzir cinema com múltiplos braços e além dos processos que fazemos internamente, assim. Esta é uma coprodução entre a La Selva (Espanha), Mozik (Moçambique), Portátil (Brasil) e Laranjeiras Filmes (Brasil). O filme vai se chamar “O Navio e o Mar”.

– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual. A foto que abre o texto é de Leandro Santos Rodrigues, 2014, Buenos Aires (AR).

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