Boteco: Cinco cervejarias mineiras

por Marcelo Costa

Abrindo uma série de cervejas mineiras com a Antuérpia, de Matias Barbosa, cidade próxima de Juiz de Fora que marca presença primeiro com a Tabla Brut, uma Brut IPA cuja base é uma American IPA com oito lúpulos que é fermentada com levedura de champanhe. De coloração dourada levemente turva com creme branco espesso de média formação e boa retenção, a Antuérpia Tabla Brut apresenta um aroma potencializado pelos lúpulos, que trazem impactante sensação tropical com remissões a manga, laranja e, principalmente, uva verde (muita). É possível perceber suavemente presença de cereais. Na boca, doçura de mel rápida no primeiro toque transformando-se em doçura cítrica intensa na sequencia, com traços de maracujá, laranja, manga e uva verde. O amargor é baixinho, 16 IBUs que estão ali só para dar um leve equilíbrio ao conjunto. Já a textura é suavezinha e levemente picante com menos frisância do que se espera. Dai pra frente, uma baita Brut IPA, extremamente aromática, bastante seca e cítrica. No final, picância, secura, uva verde e maracujá. No retrogosto, uva verde, maracujá e refrescancia.

A segunda da Cervejaria Antuérpia é a Tabla IPA, a base da Tabla Brut (com seus oito lúpulos), mas com levedura tradicional Ale. De coloração âmbar acobreada (bem diferente do dourado levemente turvo da Brut) e creme bege esbranquiçado de boa formação e retenção, a Antuérpia Tabla IPA apresenta um aroma bastante potente distribuindo notas cítricas (maracujá intenso) e leve herbal na base. Há, ainda, leve percepção resinosa. Na boca, percepção de resina antecipada já no primeiro toque, o que traz os 66 IBUs de amargor para frente deixando a pegada cítrica (maracujá) e herbal (pinho) em posição secundária, ou seja, uma American IPA bastante amarga com cítrico e herbal sutis. A textura é suave com picância marcante. Dai pra frente, uma Old American IPA que cumpre o que o estilo pede, mas que eu, particularmente, acho sem graça (e fico feliz pela Brut tem melhorado muito o conjunto). No final, pinho e amarguinho. No retrogosto, mais amargor, pinho e leve maracujá.

De Juiz de Fora para Nova Lima com a primeira de duas cervejas da Abadia das Gerais, com a Glimworm, uma Belgian Pale Ale de coloração âmbar clara levemente dourada e creme branco espesso de ótima formação e retenção. No nariz, doçura de mel e caramelo em destaque sobre uma base que remete a pão e biscoito e ainda traz leve sugestão de floral e de frutas amarelas. Na boca, doçura suave de mel no primeiro toque abrindo para um conjunto levemente picante que reforça sugestão de pão, biscoito, caramelo e, muito levemente, frutas amarelas. O amargor é baixinho, 30 IBUs bem suaves. Já a textura é levemente picante e cremosa. Dai pra frente, uma Belgian Pale Ale interessante, que não alcança o brilho das originais belgas, mas não desrespeita o estilo. No final, doçura e leve condimentação, que se estendem levemente ao retrogosto.

A segunda da Abadia das Gerais, a Luiaard Special Edition, é uma versão da Dubbel da casa com adição de cold brew durante a maturação. De coloração âmbar acobreada com creme bege claro beirando o gushing, mas mantendo-se na taça se colocado de forma mais cuidadosa do que o normal, a Abadia das Gerais Luiaard Special Edition apresenta um aroma com muita doçura caramelada em destaque, percepção acentuada de tosta e moderada de café. Há, ainda, sugestão de ameixa seca e damasco bem sutil. Na boca, leve percepção de cold brew logo no primeiro toque, uma surpresa agradável que segue em meio a doçura caramelada, notas de tosta e leve sugestão de frutas cristalizadas. Apesar dos 33 IBUs, não há nenhuma percepção de amargor, pelo contrário. Já a textura é cremosa e picante. Dai pra frente, uma Belgian Dubbel levemente descaracterizada pelo Cold Brew, mas, ainda assim, bastante interessante, com as notas de café sutis combinando com o caramelo, a tosta e as frutas cristalizadas. No final, cafezim. No retrogosto, café, tosta e leve picância. Bacana.

De Nova Lima para Gonçalves com as primeiras cervejas da Três Orelhas a passarem aqui. Começando com a Farmhouse Belgian Saison da casa, uma cerveja de coloração dourada discretamente turva com creme branco de média formação e retenção. No nariz, um aroma que combina notas rústicas (couro sutil), uma pancada frutada adocicada (que remete a calda de abacaxi) e sugestão intensa de doçura e de frutas cristalizadas. Na boca, doçura marcante no primeiro toque seguida tanto por frutado (abacaxi) quanto por condimentação e picância (de levedura) e mais doçura (calda de abacaxi). Esqueça amargor, a coisa aqui, se bobear, é -10 IBUs (ainda que a casa prometa +23). Já a textura é cremosa e picante. Dai pra frente, uma Farmhouse Belgian Saison que mais parece uma francesa Biere de Garde, pela doçura envolvente que contrasta com a aridez das originais belgas. Está tudo ali, juntinho, na fronteira, mas a doçura (para mim, excessiva) faz bastante diferença. No final, abacaxi. No retrogosto, doçura e abacaxi.

A segunda da 3 Orelhas é uma colaborativa com a Infected Brewing, a Belga Boogie 2, uma Belgian Strong Golden Ale fermentada com Brettanomyces Bruxellensis e levedura de Saison. De coloração amarelo palha com creme branco espesso de boa formação e retenção, a Belga Boogie 2 apresenta um aroma que combina a aridez clássica proposta pela Bretta (trazendo consigo azedume e acidez) aliada a frutado marcante (abacaxi, laranja lima e damasco) e doçura. Na boca, doçura frutada no primeiro toque seguida de potencia de Bretta juntando azedinho e acidez, ambos moderados e com impacto diminuído pela doçura do frutado (abacaxi bombando). Não há sensação de amargor (os 26 IBUs do rótulo não estavam dentro da garrafa), e a acidez é moderada a baixa. Já a textura é levemente frisante e cremosa. Dai pra frente, uma Bretta Beer bem saborosa e instigante, ainda que a sensação de doçura pudesse ser um pouco mais baixa – não enjoa, mas rouba protagonismo da Bretta. No final, azedume bem suave e leve toque rustico. No retrogosto, campo, fazenda, abacaxi e damasco.

De volta à Nova Lima com duas cervejas da badalada Koala San Brew, as duas da série Knot Book da casa. A primeira é uma American Pale Ale chamada Square Knot que valoriza o uso do lúpulo Bru-1, combinado com outros dois não revelados pela cervejaria. De coloração amarela, turva, e com creme branco de boa formação e retenção, a Koala San Brew Square Knot apresenta um aroma intensamente frutado, com sugestão caprichada e maravilhosa de abacaxi fresco em primeiro, segundo e terceiro planos, e laranja lima e leve limão suaves. Na boca, frutado cítrico no primeiro toque (abacaxi) seguida de mais frutado (mais abacaxi e laranja lima leve), refrescancia e amargor médio. A textura é leve com discreta cremosidade. Dai pra frente, uma APA de alto drinkabilty, com 4.9% de álcool, amargor médio e muita sugestão frutada cítrica, um suco de abacaxi delicioso. No final, abacaxi. No retrogosto, amargor leve, abacaxi e refrescancia.

A segunda da série Knot Book da Koala San Brew é a Clover Hitch, uma Double New England IPA que valoriza o lúpulo Warrior (num duplo dry hopping). De coloração amarela, turva, juicy tal qual um suco de laranja, com creme branco de boa formação e retenção, a Koala San Brew Clover Witch apresenta um aroma que se divide entre intensidade cítrica (manga, laranja, tangerina) e intensidade alcoólica (os 8.9% de álcool dão as caras assim que a lata é aberta, e segue acompanhando o bebedor conforme a cerveja é bebida). Na boca, doçura frutada rápida no primeiro toque (manga madura) atropelada por amargor e álcool, que varrem todo o conjunto frutado cítrico pra debaixo do tapete, e seguem em frente, imbatíveis. A textura é suave com discreta picância alcoólica. Dai pra frente, uma Double NE que parece feita às pressas, sem o acerto detalhista tradicional da cervejaria, que deixa o álcool atropelar outros atributos sensoriais. No final, calor alcoólico, amargor e frutado. No retrogosto, álcool e laranja.

De Nova Lima para a Fazenda Santa Teresinha, em Paraisópolis, Minas Gerais, com mais duas cervejas da sensacional linha Barrel Aged da Zalaz, a Ybyrá, primeiro com a Caá, um blend da mesma base belga, refermentada em barris de madeira por diferentes períodos com a microflora local da fazenda onde está localizada a cervejaria. Envasada em Agosto de 2019 e refermentada naturalmente na garrafa. De coloração dourada, levemente turva e âmbar, com creme branco de ótima formação e retenção, a Zalaz Ybyrá Caá apresenta um aroma espetacular com traços característicos de Farmhouse Ale (couro, feno, fazenda, grama molhada, terroso) aliados a um leve toque amadeirado e um incrível frutado que sugere limão, abacaxi e uva verde (com leve remissão a vinho branco). Na boca, terroso já no primeiro toque seguido de acidez, couro, doçura cítrica, vinho branco, grama e café verdes e leve azedume. A textura é levemente frisante. Dai pra frente, uma Brazilian Wild Ale incrível, saborosa, provocante, caprichada. No final, adstringência suave e café verde. No retrogosto, vinho branco, uva verde e café verde. Uou!

A segunda da Zalaz é outra da linha Ybyrá, a Yapiranga é uma base Farmhouse Ale selvagerizada por leveduras da microflora local da fazenda onde está localizada a cervejaria durante cerca de 5 meses em barricas de madeira, depois acondicionada sobre tomates silvestres com adição de açúcar de cana. De coloração âmbar alaranjada com creme branco de boa formação e retenção, a Zalaz Ybyrá Yapiranga apresenta um aroma bastante provocante juntando notas clássicas do estilo (floral, campo, couro, terroso), amadeirado de médio pra baixo mais tomate selvagem, além de percepção de acidez e leve azedume. Na boca, tomate verde logo no primeiro toque abrindo para um perfil funky incrível, com acidez moderada, um salgadinho interessante, madeira sutilemente perceptível e notas campestres. A textura é levemente adstringente com discreta frisância. Dai pra frente, uma Wild Ale sensacional, fora da casinha, com salgado elevado, frutado intenso, funky marcante e madeira sutil. No final, tomate silvestre e adstringência suave. No retrogosto, adstringência leve, couro, tomate silvestre e funky. Uou (2)

Antuérpia Tabla Brut
– Produto: Brut IPA
– Nacionalidade: Matias Barbosa, MG
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 3.65/5

Antuérpia Tabla IPA
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: Matias Barbosa, MG
– Graduação alcoólica: 6.5%
– Nota: 3.41/5

Abadia das Gerais Glimworm
– Produto: Belgian Pale Ale
– Nacionalidade: Nova Lima, MG
– Graduação alcoólica: 5.1%
– Nota: 3.03/5

Abadia das Gerais Luiaard Special Edition
– Produto: Belgian Dubbel
– Nacionalidade: Nova Lima, MG
– Graduação alcoólica: 6.8%
– Nota: 3.31/5

3 Orelhas Farmhouse Belgian Saison
– Produto: Biere de Garde
– Nacionalidade: Gonçalves, MG
– Graduação alcoólica: 6.6%
– Nota: 3.33/5

3 Orelhas Belgian Boogie 2
– Produto: Bretta Beer
– Nacionalidade: Gonçalves, MG
– Graduação alcoólica: 7.7%
– Nota: 3.45/5

Koala San Brew Square Not
– Produto: American Pale Ale
– Nacionalidade: Nova Lima, MG
– Graduação alcoólica: 4.9%
– Nota: 3.75/5

Koala San Brew Clover Hitch
– Produto: Double NE IPA
– Nacionalidade: Nova Lima, MG
– Graduação alcoólica: 8.9%
– Nota: 3.34/5

Zalaz Ybyrá Caá
– Produto: Brazilian Wild Ale
– Nacionalidade: Paraisópolis, MG
– Graduação alcoólica: 6.5%
– Nota: 4.14/5

Zalaz Ybyrá Yapiranga
– Produto: Brazilian Wild Ale
– Nacionalidade: Paraisópolis, MG
– Graduação alcoólica: 6.7%
– Nota: 4.26/5

Leia também
– Top 2001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.