Taylor Swift e o caleidoscópio da juventude em “folklore”

Texto por Ana Clara Matta

“I knew you
Tried to change the ending
Peter losing Wendy, I
I knew you
Leavin’ like a father
Running like water, I
And when you are young, they assume you know nothing”

Acreditar que existem apenas, de maneira absoluta, o certo e o errado é típico da mente do jovem. Afinal, durante a sua infância, todo o esforço educacional aponta para esses absolutos, que ainda possuem uma função civilizatória. Estabelecer limites. Absorver noções morais. Tudo é ensinado por histórias de príncipes galantes, princesas puras e bruxas más. Contos de fada. Mitos. Lendas. Folclore. Antes de passar por essa educação toda, a criança pode até pensar além das dicotomias. Um pensamento mais capaz de perceber nuances.

Em “folklore”(2020), Taylor Swift pede a nós que imaginemos ela aos 7 anos, no meio do mato, antes de ser “civilizada”. Ela nos convida a isso pois foi exatamente esse exercício que, durante seu último ciclo criativo bem representado no documentário “Miss Americana” (2020, de Lana Wilson, a libertou das amarras da opinião pública e a permitiu superar alguns vícios de sua escrita e de sua vida, os vícios da vingança, da busca por aprovação, e do medo de opinar ou deixar transparecer sua essência. Em seu novo disco, a compositora de 30 anos segue nos passos que ela trilhava aos 7 e é capaz de ver novamente o mundo em tons diferentes de cinza, não dividido entre haters e lovers, inimigos mortais e traições imperdoáveis.

Quando você é jovem você pode até saber bastante, sobre técnicas de escrita, produção, composição, arranjo, relações públicas. E em todos esses campos, Taylor Swift foi a melhor aluna da classe por anos. Mas falta ao jovem, e faltava à precoce compositora da Pennsylvania, talvez a peça mais importante para a sabedoria: o autoconhecimento.

“I’ve never been a natural, all I do is try, try, try
I’m still on that trapeze
I’m still trying everything to keep you looking at me”

Um dos maiores encantos de “folklore” é a virada de chave de uma Taylor que vendia em “Shake It Off” (do álbum “1989”, de 2014) a ideia de que perante seus haters ela era capaz de ignorar e superar, para a admissão de uma personalidade bem mais complexa, forte porém quebradiça, no coração do novo disco – a balada dream pop “Mirrorball”. Ouvir essas duas canções em sequência é fascinante – uma janela para o efeito que 6 anos podem ter na autoconsciência, e até mesmo na autocrítica, de uma compositora. A sinceridade que vem com a maturidade em “Mirrorball” torna gritante o verniz de relações públicas calculadas que cobria até mesmo alguns dos melhores trabalhos de Taylor.

Mas enquanto Taylor Swift abandona essa visão absoluta e atinge um novo nível de crescimento, seu disco se torna uma armadilha para revelar o maniqueísmo do fã imaturo. “folklore” é mais que um disco que prova amadurecimento – é um disco em que o amadurecimento é o tema central. Quando se evolui para além dos absolutos, uma das variações que se abre entre certo e errado é o “certo, porém com a justificativa errada”. Assim que “folklore” saiu, em 24 de junho, muitos fãs e críticos apontaram imediatamente o disco como uma “evolução” relativa aos trabalhos anteriores, o que está correto, mas parte da justificativa para isso era a mudança de um gênero “massificado” como o pop para as veredas mais “refinadas” do indie. Mas o catálogo pop de Taylor, em um ponto de vista melódico, é extremamente complexo e rico – por vezes, mais vibrante e intrigante do que as cores mutadas e vibrações amortecidas de sua incursão no mundo indie. Tal visão só mostra como o pop ainda é tratado como um gênero inferior, aquém às habilidades de um compositor experiente – e a presença dessa dicotomia na história de Taylor apenas reforça a proximidade da compositora com seu paralelo histórico mais óbvio, Carole King, que não ganhou riqueza melódica ao passar de hits como “The Loco-Motion” e “I’m Into Something Good” para sua obra prima “Tapestry” (1971). O que Carole ganhou (e Taylor ganha agora) é refinamento como letrista e autoralidade.

A mudança de gêneros musicais nunca foi, no universo de Taylor Swift, apenas uma escolha. Como ela diz em “My Tears Ricochet”, ela pode ir para qualquer lugar, menos para casa. A casa em questão é Nashville, o Country, e, mais especificamente, a Big Machine Records, gravadora de seus primeiros discos com a qual rompeu laços e trava uma batalha jurídica pelos seus direitos autorais. A compositora pula de gênero em gênero desde “1989”, cada vez explorando uma nova faceta musical de seu globo de espelhos – dessa vez, buscando uma abordagem que se aproxima mais do alt-country do Wilco em “Sky Blue Sky” e dos momentos mais pop de Ryan Adams em “Gold”. Aaron “The National” Dessner (combinado com um surpreendentemente sutil Jack Antonoff, que soltou um pouco o gated reverb) despe as baladas de Taylor da explosão bombástica de instrumentos gravados em hi-fi que Nashville imprimia nos três primeiros discos, mas as duas produções eram apropriadas aos momentos musicais e ao conteúdo que a compositora traçava em diferentes discos. A produção de Dessner é tão em “caixa baixa” como o título “folklore” – enquanto o grito de um disco chamado “Speak Now” pedia pela instrumentação parruda que ele recebeu nas mãos de Nathan Chapman.

A primeira metade do álbum supera a subsequente em todos os quesitos, mas tanto o lado A quanto o lado B possuem um destaque bem delimitado. Curiosamente, esses dois destaques estão em diálogo direto – dois pontos de vista sobre a mesma história. “Cardigan” é um dos melhores trabalhos da carreira de Swift, uma melodia redonda e irresistível pontuada por acordes pesados de piano. “Betty” é sua “Thunder Road”, um conto de garotos em cidades pequenas dos EUA saído do coração do songbook Springsteeniano. A mesma experiência traumática do passado, digerida pela vítima e pelo vilão. Enquanto “Cardigan” é nostalgia em preto e branco, solene, angustiada, “Betty” é nostalgia em sépia, dourada, saudosa. A capacidade de Taylor de, enfim, escrever um disco de maneira quase literária, criando personagens que vão além de sua experiência própria (ou a expandem), torna a sensação de analisar o tecido narrativo de “folklore” mais agradável do que a busca constante por dicas, pistas e indiretas de seu catálogo. O momento em que o rancor do passado é requentado e referências abundam, “Mad Woman” se destaca negativamente como canção mais fraca do disco. É como se “All Too Well”, a obra prima narrativa Swiftiana, tivesse finalmente deixado na gaveta o cachecol vermelho e novos signos foram inventados ao invés de replicados de vida real.

Talvez a maior declaração de maturidade de Taylor Swift em “folklore” seja a sua aceitação da função que a imaturidade exerceu em alguns momentos de sua vida. Olhar para a sua juventude com amor ao invés de vergonha é um marco, e ela reforça isso, em versos desde “I had a marvelous time ruining everything” de “The Last Great American Dynasty” até o “I didn’t have it in myself to go with grace” de “My Tears Ricochet”. Crescer é construir e destruir mil mitos, e Taylor Swift o fez diante de uma cobertura midiática gigantesca e com o retrato claro de uma discografia inteira. Peter Pan teve que perder Wendy, pois Wendy precisava sair da terra do nunca e explorar novos territórios musicais. Este é um disco que celebra o processo e não o resultado, a somatória de memórias que constroem um folclore pessoal sem heróis e vilões, o caminho que não nos leva para a indiferença que esperávamos da vida adulta, e sim de volta para a floresta em que gritamos aos 7 anos – com o recém adquirido poder de ver por trás das árvores e não esperar monstros.

– Ana Clara Matta (@_ana_c) é editora do  Ovo de Fantasma e escreve para o Scream & Yell desde 2016

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