Boteco: Cinco cervejarias nacionais, Dez cervejas

por Marcelo Costa

Começando mais uma série, dessa vez por São Paulo, desta vez com duas receitas da Cervejaria Satélite, que produz suas cervejas nas dependências da Cervejaria Cigana, em Jaboticabal, no interior do estado. A primeira é a AustraliSat P.02, segundo rótulo da Orbit Series, uma Australian Pale Ale feita apenas com lúpulos australianos (Vic Secrets e Topaz). De coloração dourada com traços de âmbar e creme branco espesso de boa formação e retenção, a Satélite AustraliSat P.02 apresenta um aroma com frutado em destaque sugerindo mamão em primeiro plano e leve percepção de manga, além de maracujá. Há ainda doçura e resina leves na base, mas facilmente perceptíveis. Na boca, doçura herbal no primeiro toque seguido de frutado (maracujá salta a frente, delicadamente), mel, caramelo leve e amargor refrescante de IPA (30 IBUs caprichados). A textura é leve e, dai pra frente, uma Pale Ale com bastante de India Pale Ale, amarguinha, levemente resinosa, cítrica, herbal e refrescancia. No final, amarguinho herbal e resina. No retrogosto, mentoladinho, maracujá e refrescancia. Equilibradíssima e uma delicia.

A segunda é uma colab da Cervejaria Satelite com a Cervejaria Cigana: trata-se da Mystic Space, uma Red Ale com adição de abóbora, coco tostado e especiarias (cravo, canela e noz moscada). De coloração âmbar escura, com tons abobora, e creme bege clarinho de boa formação e retenção, a Mystic Space apresenta um aroma com presença assertiva de abobora e leve percepção de cravo sobre uma base de caramelo que não remete diretamente a Red Ale, e nada de coco tostado ou canela, dois ingredientes que saltam pra fora quando bem adicionados. Na boca, abóbora no primeiro toque, sutil, trazendo consigo leve doçura e também condimentação, discreta. O cravo aparece um pouco mais do que no aroma, e tanto o coco tostado quanto a canela continuam se escondendo. O amargor é baixo (20 IBUs que passam imperceptíveis) e a textura, leve. Dai pra frente, uma Pumpkin Ale que parece não aproveitar todo o potencial dos itens adicionados, ficando uma sensação de que falta algo que amarre o conjunto de maneira satisfatória. No final, abóbora. No retrogosto, abóbora e leve doçura.

Seguimos com duas receitas de David Michelsohn, mestre cervejeiro da paulistana Júpiter, produzidas na Cervejaria Curitiba sob encomenda do Clube do Malte para seus associados. A primeira delas é a Lake Balboa, uma West Coast IPA de coloração dourada levemente puxada para o âmbar com creme branco de boa formação e retenção. No nariz, frutado puxado para o cítrico com sugestão de toranja mais leve doçura caramelada na base, e um herbalzinho bem discreto. Na boca, a sugestão de toranja aparece no primeiro toque seguida de leve doçura caramelada e um amargor bastante suave para os 55 IBUs antecipados pela casa (pra mim, fica na casa dos 35, ainda assim bastante acima da média popular nacional). A textura é leve e, dai pra frente, um equilíbrio interessante entre doçura de malte e a sugestão de toranja aplicada pela lupulagem. No final, amarguinho leve, toranja e doçura que se estende até o retrogosto, delicado. Gostosinha.

A segunda da Júpiter especial para o Clube do Malte é a Alt is Cool, uma Altbier (estilo antigo alemão da cidade de Dülsseldorf) de coloração âmbar translucida e creme bege de boa formação e retenção. No nariz, domínio completo do malte tostado, que traz sugestões de toffee, casca de pão doce, biscoito e de caramelo. Na boca, sugestão de casca de pão doce no primeiro toque seguida de toffee, que domina o percurso com leves remissões a biscoito e caramelo. O amargor é baixinho, 36 IBUs que deixam a doçura caramelada brilhar, sem vergonha. Já a textura é de leve para médio suave. Dai pra frente, uma Altbier que representa o estilo, mas não se destaca, não brilha, não conquista, soando uma receita sem muita graça ou carisma. Serve para apresentar o estilo, mas o Brasil já produziu Altbiers bem melhores. No final, carameladinho. No retrogosto, amargor discreto e, depois, caramelo.

Do bairro da Pompéia, local em que a Cervejaria Kinke mantém um ótimo brewpub, com envase na Cervejaria Lapa, no próprio bairro, surge a Kinke Should I Stay Shoud I Go, uma New England IPA de coloração amarela, turva e levemente oxidada, de creme branco de boa formação e retenção. No nariz, muitas frutas tropicais amarelas surgindo de maneira deliciosa (manga, laranja lima, abacaxi) com leve doçura que remete a trigo. Na boca, doçura de frutas amarelas deliciosa no primeiro toque seguida de remissão a laranja lima primeiramente, depois manga e abacaxi. O amargor de 40 IBUs é bastante leve, como o estilo pede, enquanto a textura é mais leve do que o estilo dita. Dai pra frente, uma New England IPA simples, mas saborosa, que parece necessitar de pequenos ajustes, mas está bastante agradável do jeito que se apresenta. No final, doçura de suco de laranja. No retrogosto, mais laranja.

A segunda da Cervejaria Kinke é a London Calling (sim, as duas dessa série NE homenageiam canções do The Clash), outra New England IPA, essa com quatro lúpulos diferentes (contra três da anterior). De coloração amarela turva levemente escura (fico na dúvida se há um começo de oxidação ou se a cerveja é dessa cor mesmo) com creme branco espesso de boa formação e retenção, a Kinke London Calling combina notas herbais e frutadas em medidas equivalentes (com leve predomínio da primeira) com doçura maltada sutil na base, mas mais escondida do que na anterior. Na boca, doçura maltada no primeiro toque, bem leve e trazendo consigo algo de herbal que segue em frente. Ainda é possível perceber leve sugestão frutada enquanto o amargor, de 40 IBUs, segue o modelo de leveza da irmã anterior – o mesmo replica-se a textura, que não é aveludada como as NE tradicionais. Dai pra frente, uma NE mais herbal e mais provocante do que a anterior, que segue o padrão frutado mais comum. No final, doçura maltada e herbal. No retrogosto, herbal e refrescancia.

Da capital para Ribeirão Preto com duas IPA da Invicta. A primeira delas, a Starlord, é uma Rye IPA feita em colaboração com a Satélite cuja receita combina centeio e os lúpulos Columbus, Simcoe, Cascade e Mosaic. De coloração âmbar alaranjada turva com creme branco espesso de boa formação e retenção, a Starlord apresenta um aroma que combina notas maltadas com sugestão frutada (toranja) e herbal (pinho). Na boca, doçura caramelada leve no primeiro toque atropelada na sequencia pela combinação de pinho e toranja além do amargor potente, 50 IBUs que parecem 70, e caprichado. Já a textura, devido a adição de centeio, traz certa suavidade – também é perceptível picância de lúpulo. Dai pra frente, uma Rye IPA redondinha, marcante, amarga e bastante saborosa. No final, amargor marcante. No retrogosto, amargor, caramelo, toranja, herbal e alegria numa bela Rye IPA.

A segunda da Invicta é a 007dh, uma American IPA que aposta na potência do lúpulo Idaho7. De coloração dourada com traços levemente âmbar e creme branco de excelente forma e retenção, a Invicta 007dh apresenta um aroma frutadíssimo, com muita sugestão cítrico remetendo a toranja, laranja e damasco sobre uma base bastante discreta de malte caramelo. Há, ainda, leves traços de notas herbais remetendo a pinho. Na boca, doçura cítrica deliciosa no primeiro toque trazendo ainda traços de amargor, que irão participar de todo o conjunto junto a pegada cítrica (sugestão de toranja destacada) e ao herbal, que parece ganhar mais potência no paladar (pinho). O amargor é potente, 70 IBUs para quem realmente curte o estilo (Old) American IPA. A textura é suave com discreta picância. Dai pra frente, uma American IPA lupuladissima que traz frutado cítrico marcante (toranja) e herbal querendo destaque (pinho). No final, amargor prolongado. No retrogosto, cítrico, herbal e amargor. Baita!

Fechando essa série paulista no bairro da Pompéia, em São Paulo, casa da Cervejaria Trilha, que retorna ao site com a Lilith, uma Dark Sour com adição de groselha e amora, receita criada pelo time feminino da cervejaria. De coloração âmbar escura com leve toque avermelhado e creme bege avermelhado de ótima formação e retenção, a Trilha Lilith apresenta um aroma intensamente frutado, como se Chapeuzinho Vermelho tivesse acabado de chegar do bosque com amora, groselha, framboesa, uva vermelha e morangos. Há, ainda, sensação de vinho e sugestão de merengue no nariz. Na boca, groselha, muita groselha desde o primeiro toque, mas trazendo consigo acidez moderada e deliciosa, um dulçor que só está aqui para dar uma leve equilibrada na contenda, e muitas frutas vermelhas (além de reforço da sensação de vinho). Não há amargor, mas a acidez faz a festa de maneira incrível. Já a textura sobre a língua é levemente frisante, suave e picante. Dai pra frente, uma Dark Sour para se tirar o chapéu, que consegue valorizar as frutas (<3 groselha) sem abdicar do perfil arisco. No final, adstringência suave, azedume leve e groselha. No retrogosto, mais groselha e leve acidez. Uou!

Mantendo o nível nas alturas, a Trilha Triple Mango EAP 2020 é a terceira edição dessa Triple IPA de 11% de álcool que recebe adição de manga e que homenageia o Empório Alto dos Pinheiros, um dos principais templos cervejeiros do país (se não for o principal). De coloração amarela, turva e juicy tal qual um suco de manga, com creme branco de média formação e retenção, a Trilha Triple Mango EAP 2020 apresenta um aroma que é um soco de manga no nariz, difícil perceber qualquer outra coisa na paleta aromática (nem a cacetada de álcool). Na boca, manga, muito manga desde o primeiro toque. Na sequencia, mais manga, maciez, álcool surpreendentemente comportado e amargor marcante (entre 80 e 90 IBUs), mas não exagerado, rasgando a garganta. A textura é suave, aveludada e picante. Dai pra frente, uma Triple IPA incrível, que não entrega os 11% de álcool no aroma nem no paladar, e oferece muita manga ao bebedor. Absolutamente incrível. No final, manga e leve percepção álcool. No retrogosto, manga, leve álcool e bochechas rosadas. Excelente.

Satélite AustraliSat P.02
– Produto: Australian Pale Ale
– Nacionalidade: São Paulo, SP
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3.29/5

Satélite & Cigana Mystic Space Pumpkin
– Produto: Pumpkin Ale
– Nacionalidade: São Paulo, SP
– Graduação alcoólica: 6%
– Nota: 2.98/5

Júpiter Lake Balboa
– Produto: West Coast IPA
– Nacionalidade: São Paulo, SP
– Graduação alcoólica: 6.5%
– Nota: 3.24/5

Júpiter Alt is Cool
– Produto: Altbier
– Nacionalidade: São Paulo, SP
– Graduação alcoólica: 5.2%
– Nota: 2.96/5

Kinke Should I Stay Should I Go
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: São Paulo, SP
– Graduação alcoólica: 6.3%
– Nota: 3.25/5

Kinke London Calling
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: São Paulo, SP
– Graduação alcoólica: 6.2%
– Nota: 3.25/5

Invicta & Satélite Starlord
– Produto: Rye IPA
– Nacionalidade: Ribeirão Preto, SP
– Graduação alcoólica: 6.5%
– Nota: 3.61/5

Invicta 007dh
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: Ribeirão Preto, SP
– Graduação alcoólica: 7.5%
– Nota: 3.80/5

Trilha Lilith
– Produto: Dark Sour
– Nacionalidade: São Paulo, SP
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 4.05/5

Trilha Triple Mango EAP 2020
– Produto: Triple IPA
– Nacionalidade: São Paulo, SP
– Graduação alcoólica: 11%
– Nota: 4.11/5

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– Top 2001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
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