Zona para Respiradores: Temos todo o tempo do mundo

Zona para Respiradores #10, por L. Lyra
Temos todo o tempo do mundo
(uma playlist inspirada na coluna / leia as colunas anteriores)

“Somos tão jooooovens”, berrava Renato Russo, imitando a coreografia esquisita do Morrissey no clipe de “Tempo Perdido”. Foi na Casa dos Artistas que o Supla disse ser esta a sua canção preferida da Legião Urbana?

Esta semana estava passeando pelo canal do Rick Beato no Youtube. Ele é produtor musical, professor e faz vídeos longuíssimos tentando explicar o que torna uma canção especial. Entretanto, muitas vezes seus vídeos são bloqueados por questões relativas a direitos autorais. Já está quase na marca da centena desta playlist (minha dica é procurar pelas canções grunge, ele tem grandes insights e explicações técnicas para o mérito da turma de Seattle), mas um dos vídeos dele que me chamou a atenção foi este:

Para resumir o argumento do Beato: antigamente, quando a música não era feita no computador – e pelo computador (e para robôs) – havia mais espaço para o erro, para imperfeições, para aquele toque de estranheza que conferia o caráter único duma canção. Podia ser a entrada atrasada do Al Kooper em ‘Like a Rolling Stone”, podia ser o acaso que resultou numa joia do soul como “You And Me”, de Penny & The Quarters, podia ser a magia do Jason Molina conduzindo uma jam em “Farewell Transmission” e ordenando calmamente “listen.. .listen… listen” para a banda encerrar duma vez (o que demora uma vida pra acontecer), e tantos outros exemplos – você certamente tem uma história para acrescentar aqui.

Há uma entrevista bastante divertida do David Rawlings, parceiro da Gillian Welch, na qual ele fala sobre dissonâncias:

Que alguém possa confundir uma dissonância com desafinação demonstra a vitória do padrão: a sequência banal dos quatro acordes, a batida bombando, uma letra que não oferece mistério. Por isso quando uma coisa estranha dessas entra no ouvido, logo prestamos atenção:

Aliás, esta semana a dupla lançou um álbum de covers chamado “All The Good Times Are Past and Gone”. É para tanto? Quando ouço a versão produzida da Caroline Polachek não tenho a menor vontade de descobrir que a Caroline Polachek sabe tocar lindas melodias ao piano. Fica o destaque para “Abandoned Love”, uma das mais belas canções que o Bob Dylan jamais gravou, apenas tocou num barzinho pros amigos. É da fase “Blood on The Tracks” – Sara Lownds.

Sim, se você começar a procurar o ponto original onde o rock morreu… você vai acabar igual o Nick Tosches, que já via a decadência do gênero no Elvis Presley. Nós que nascemos bastante depois podemos ter nostalgia:

A menos que você seja o Tony Soprano e considere nostalgia coisa de perdedor. Aí só resta mesmo o Johnny Thunders:

Digamos, no entanto, que o Tony Soprano não é a melhor referência quando se trata de ser sutil. Tempo tempo mano velho, tempo rei, time is on my side. Tudo muito bom, nada chega aos pés do Tom Waits – time is just memory mixed with desire:

Memória misturada ao desejo. Você quer? Queria. O tempo já passou. Com este raciocínio, Clarice Lispector escreveu “Água Viva”, lido mais de cem vezes pelo Cazuza (que inclusive musicou alguns trechos em “Que o Deus Venha”). Mas memória e desejo também são aquelas canções que nos recordam alguém, uma situação, um instante. Tente esquecer em que ano estamos:

“Peça meu livro, querendo te empresto” não é um dos decassílabos mais belos da língua? Caso você tenha alguma canção que não pode mais ouvir porque te remete a algum amor antigo, o Nick Cave criou um ritual mágico pra te liberar das emoções ruins associadas à canção e torná-la tua novamente.

Há um poema do Lawrence Ferlinghetti sobre cuecas e calcinhas que tem quase os mesmos versos de “Tempo Perdido”. Renato Russo também leu aquela coletânea da Brasiliense nos anos 80? Em todo o caso não somos ainda jovens e ociosos? não grite:

(uma playlist inspirada na coluna / leia as colunas anteriores)

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