Especial: Ringo Starr 80 anos, por João Barone

entrevista por João Paulo Barreto

Richard Starkey nasceu em Liverpool em 07 de julho de 1940. Cresceu enfrentando várias doenças que o deixaram anos hospitalizado, isso em um período de conflito bélico mundial, em uma cidade sendo bombardeada. Ainda assim, Ringo perseverou e se tornou alguém que ajudou a construir o Rock and Roll como uma expressão cultural do século XX. Hoje, Ringo chega aos 80 e, sim, continua por aqui, lançando discos e tocando sua bateria. Ainda bem.

Ringo entrou nos Beatles em 14 de agosto de 1960 e logo conquistou seu espaço na banda utilizando o que tanto João Barone (Paralamas do Sucesso) quanto Charles Gavin (ex-Titãs) reconhecem como um jeito bastante pessoal de tocar bateria, sem ser espalhafatoso (como muitos bateristas da época), trabalhando para a canção, para a banda. “Ele tem uma energia tremenda e sempre nos ajudou a acertar o ritmo certo para uma música e deu esse apoio – essa batida sólida – que tornou a gravação de todas as músicas dos Beatles muito mais fácil”, observou certa vez o produtor George Martin.

Para João Barone, que começou a ouvir os Beatles através dos irmãos mais velhos, e precisou comprar toda a coleção dos Fab Four quando eles saíram de casa levando seus vinis, Ringo Starr era seu beatle favorito. “Ele era o cara que mais parecia que estava se divertindo ali. De todo mundo, ele parecia o que mais se divertia (risos)”, observa Barone. “Ringo sempre foi uma referência como baterista de banda de rock que tinha para mim essa importância, essa primazia. Porque dava sempre essa impressão de que ele foi um pioneiro nisso tudo. Um cara que estava mostrando para todo mundo como era legal tocar bateria”, completa.

Mais importante ainda, pontua João Barone na conversa abaixo, “quando o Ringo entrou para a banda, os Beatles deram certo. Começaram a ganhar a reputação deles. Porque foi a partir desse momento que a banda se projetou para virar o fenômeno que eles viraram. E isso só atesta a sua importância. Porque, muitas vezes, já tem outros casos de bandas que acabaram porque o baterista saiu, ou perderam a importância porque entrou outro no lugar. E o Ringo foi aquele cara que teve esse papel importantíssimo na amalgama do fenômeno beatle”. Em comemoração aos 80 anos de Ringo Starr, João Barone fala sobre seu legado e influência no rock!

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João Barone, baterista d’Os Paralamas do Sucesso

Lembro de ler no livreto que acompanha a lata “Pólvora”, lançada nos anos 1990 com a discografia até então dos Paralamas do Sucesso, um belo texto da Ana Maria Bahiana no qual, em certo momento, ela cita como um show da banda semente dos Paralamas (ainda com Vital na bateria) “encheu os olhos e ouvidos de um João Barone cuja banda tinha uma certa predileção obsessiva pelos Beatles”. Você poderia falar um pouco desse começo de sua relação com a banda e com Ringo?
Pois é, isso realmente é parte dessa minha narrativa. Eu, enquanto filho mais novo de uma família com quatro irmãos, eu ouvia muita música já na minha infância. O meu pai gostava muito de Jazz, de Big Bands, de música brasileira da época. E os meus irmãos já foram para o lado do Rock. Ouviram muito Rock. Principalmente Beatles nessa primeira fase. E isso foi determinante na minha formação. Ouvindo músicas de muitas fontes. Mas os Beatles tinham uma importância muito grande porque era uma unanimidade. Era um negócio obrigatório no meio dos anos 1960. Aqui no Brasil, chegava tudo com certo atraso, mas me lembro dos meus irmãos chegando em casa com compactos dos Beatles, com os álbuns, os LPs e tudo o mais. E quando eles foram embora de casa, levaram os discos com eles (risos). Fui obrigado a usar minha mesada, depois, para comprar os LPs dos Beatles na época em que relançaram a discografia oficial, no meio dos anos 1970. Foi quando a discografia inglesa foi lançada oficialmente no Brasil, e eu fui comprando todos os álbuns novamente. Eu tinha um encantamento muito grande pelo Ringo e pela bateria. O Ringo era o meu beatle favorito. Ele era o cara que mais parecia que estava se divertindo ali. De todo mundo, ele parecia o que mais se divertia (risos).

Sim. Aquela sinergia de Ringo acompanhado por seu carisma eram elementos que atraíram muitos jovens para o instrumento.
Sim. A bateria tem um apelo muito forte para a criançada. Porque é um instrumento muito lúdico. É um instrumento que dá a impressão de que você não precisa ter aquele aprendizado formal para fazer alguma coisa, que nem é com o violão ou a guitarra, o piano, o violino (risos). Aí vem todo aquele cabedal de piadas sobre o baterista ser um cara que anda com músicos (risos). Eu, desde sempre, gostei muito de bateria, e o Ringo sempre foi um cara que me despertou esse interesse ingênuo com a música. Eu tenho uma pré-história antes de virar baterista dos Paralamas, porque eu gostava muito de bateria. Sempre gostei. Isso ficava claro nas conversas de recreio (risos), nas horas em que a gente estava falando sobre música durante o jogo de futebol. E meus amigos, naquela época, estavam começando a aprender a tocar violão com professor. E aí viraram aquelas brincadeiras: “Ah, quando a gente for formar uma banda, vamos te chamar para ser o baterista”. Porque eu já falava muito que gostava de bateria, mas nem tinha uma. E nessa pré-história dos Paralamas, eu acabei tendo uma experiência muito explicita com tocar o instrumento. Porque o pai de um amigo meu arranjou uma bateria velha, e eu fiquei incumbido de restaurar a bateria para a gente poder tocar e ensaiar na nossa pretensa banda de rock. Quando vi, eu estava tocando bateria com os amigos. Tinha um baterista de uma banda de baile no meu bairro que foi o meu primeiro professor. Primeiro e único professor de bateria. As aulas, vamos dizer, não eram nada mais do que você ficar tirando músicas em um toca-discos. Esse toca-discos do professor tinha uma velocidade reduzida na rotação, para você tocar devagar e depois tocar na velocidade normal, acompanhando o disco. Nessa, muitas músicas dos Beatles serviram de aula. Antes de eu ter a bateria, eu me lembro que tocava em almofadas. Tocava com baquetas de bambu que eu fazia. Ficava acompanhando os discos tocando em almofadas. E o Ringo sempre foi uma referência como baterista de banda de rock que tinha para mim essa importância, essa primazia. Porque dava sempre essa impressão de que ele foi um pioneiro nisso tudo. Um cara que estava mostrando para todo mundo como era legal tocar bateria.

Sim. Ele conseguia unir aquela técnica pioneira a uma empatia genuína com o público e com o instrumento.
Há outra história que eu costumo reputar ao Ringo. Acho que a gente está saltando várias perguntas que você pretendia fazer (risos), mas a empolgação em falar do Ringo é grande. Tem uma coisa que eu sempre falo sobre ele e que mostra a sua importância dentro do contexto dos Beatles. Quando o Ringo entrou para a banda, os Beatles deram certo. Os Beatles começaram a ganhar a reputação deles. Porque foi a partir do momento que ele entrou que a banda se projetou para virar o fenômeno que eles viraram. E isso só atesta a sua importância. Porque, muitas vezes, já tem outros casos de bandas que acabaram porque o baterista saiu, ou perderam a importância porque entrou outro baterista no lugar. E o Ringo foi aquele cara que teve esse papel importantíssimo na amalgama do fenômeno beatle. Saltando um pouco algumas décadas, essa minha impressão do Ringo ficou comprovada quando eu li o livro sobre bateria (N.E. – “The Big Beat: Conversations with Rock’s Greatest Drummers”) do Max Weinberg, que é o baterista do Bruce Springsteen. Ele escreveu esse livro nos anos 1980 falando sobre o instrumento e os seus mais amplos aspectos. E ele conta uma história muito interessante sobre o Ringo e da importância dele. Porque existe uma polêmica que as pessoas repetem de que o Ringo era “o cara mais sortudo do mundo porque ele entrou para os Beatles” e “ele nem era esse baterista todo, pois tinha outros bateristas muito mais espalhafatosos do que ele e o caramba”. Mas, o Max Weinberg escreveu no livro dele um aspecto que pouca gente tinha prestado atenção até aquele momento que foi o seguinte: o dia que os Beatles apareceram na TV dos EUA, naquele fevereiro de 1964. Aquilo foi alguns meses depois do assassinato do Kennedy. Naquele dia, o Ringo apareceu com os Beatles no programa do Ed Sullivan e, no dia seguinte, foram vendidas todas as baterias que tinham nas lojas de instrumentos dos EUA. Ou seja, ele foi um dos caras que ajudou a popularizar o instrumento como poucos bateristas até então tinham feito. Ele tem essa importância. Eu acho que esses dois episódios marcam profundamente a importância dele dentro da formação dos Beatles.

Há noções de tempo precisas na técnica de Ringo que permitiram a John, Paul e George uma consistência exata no resultado final de suas composições. Imaginar os Beatles sem tal precisão é imaginá-los sem suas principais canções pilares.
Sim. Um dos grandes atributos do Ringo era essa noção de tempo muito sólida. E ele era um cara que, talvez, exemplificasse melhor, durante toda a trajetória dos Beatles, a ideia de pensar na música mais do que qualquer coisa. Ele estava ali para somar. Ele estava ali para complementar. E acho que isso, por si só, explica muita coisa de como ele era importante nesse contexto. Porque, se não tivesse o Ringo, não teria Beatles. Acho que a gente pode simplificar isso sem medo. Porque não haveria nada parecido se tivesse um baterista de personalidade diferente no lugar do Ringo. Não tem como você botar, por exemplo, o batera do Jimmy Hendrix, o Mitch Mitchel, no lugar do Ringo ou qualquer outro baterista. Esse lugar não existe. É uma hipótese totalmente falível. E acho que ele demonstrou ao longo das obras primas dos Beatles a sua capacidade de pensar em cada uma das músicas. Em fazer com que as coisas funcionassem dentro dos somatórios. Isso é uma virtude. O músico em si tem uma ideia musical de quando ele está construindo. Ele tem uma percepção musical do que ele está ouvindo. Mas o público em geral não tem muito isso. Uma pessoa que tem uma certa instrução, uma certa referência musical, é capaz de entender a música pelo seu somatório. Cada uma das partes, se você for desmembrar, você vai ter determinadas sensações e percepções. Mas o público em geral fica meio sujeito a uma visão mais superficial da música, do efeito causador. Então, muitas vezes equivocadamente, as pessoas são levadas a achar que Ringo era um baterista limitado. E talvez, ele realmente tivesse algumas limitações, afinal, todos nós temos as nossas limitações. Mas, no caso dele, ele trabalhava muito bem as próprias limitações. Ele não era um cara que gostava de solar, ele não era um cara muito espalhafatoso. Mas teve momentos em que ele foi espalhafatoso. Principalmente nos primeiros dois álbuns dos Beatles. Principalmente o “With The Beatles”, você vê como a bateria tem um poder ali na coisa das levadas, da importância do ritmo. Algo exacerbado ali. Em algumas horas, o Ringo, não tem muitas viradas, mas você vê que ele está tocando com um contratempo aberto, que é um efeito de dar uma espécie de uma tela, uma espécie de uma cortina para todo mundo aparecer na frente. O contratempo aberto dá aquela sensação de preenchimento da música. E, ao mesmo tempo, certa agressividade. E eu acho que o Ringo fez esse papel magistralmente. Para a nossa sorte, eu acho que a grande parte do público reconhece isso do Ringo, dentro do contexto dos Beatles. E tem um ou outro que acaba querendo aparecer mais ao afirmar que o Ringo era um cara medíocre. Sempre vai haver um hater. Ao longo desses anos, sempre houve, mas, hoje em dia, está mais identificável a imagem do hater por conta das mídias sociais, mas eu acho que é um equívoco você menosprezar o trabalho do Ringo, e é uma demonstração de falta de entendimento. É uma certa ignorância minimizar a importância dele dentro do contexto dos Beatles. Mesmo tendo caras geniais como eram Lennon. McCartney e o Harrison. Mas o Ringo teve o seu trunfo todo aí durante o fenômeno beatle.

As inovações que ele trouxe naquele momento do começo dos anos 1960, influenciaram diversos outros músicos. A sua pegada diferente nas baquetas, que seguiam uma forma alternativa ao “traditional grip” do Jazz, é um exemplo.
Você falou algo aí que muita gente não se atenta, que é o fato dele usar uma pegada que se tornou uma pegada do rock na bateria. A maneira de segurar as baquetas. Todo mundo segurava como se fosse o jazzista, que é o grip tradicional. Pegada tradicional na mão esquerda, com a baqueta entre o polegar e o indicador ali no apoio dos dedos e tal. Então, o Ringo, realmente, tem um monte de atributos que a gente pode sintetizar muito bem, como você falou, que a bateria se divide em dois momentos. Antes e depois do Ringo. Mesmo que a gente respeite a importância da bateria no Jazz. O som da bateria vem do Jazz, mesmo, e de repente ela entrou de forma contundente no contexto da música jovem, da música pop, e do Rock, da invenção do Rock. A bateria disputa muito com a guitarra elétrica a primazia do Rock. E o Ringo está com esse peso, esse trunfo, a favor dele. Ele é um cara que mostrou para todo mundo como era divertido tocar bateria, como era legal, e acabou, ao mesmo tempo, mostrando a importância disso no contexto da música moderna. Tem outra síntese que a gente pode usar em favor dos bateristas que é o seguinte: já que a gente é tão motivo de piada, a verdade às vezes vem por outros canais. Tem uma máxima no meio da música, do mundo pop principalmente, que diz o seguinte: se uma banda não tiver um baterista bom, ela não vai a lugar nenhum. Era uma máxima falada durante muito tempo a partir dos anos 1960/70 e reafirma a importância do baterista em uma banda, em uma formação. No momento em que a presença do baterista seja essencial, seja necessária. E é do contexto. Mas é uma afirmação que tem muito a ver com o papel do Ringo nos Beatles. Mesmo que ele não seja um cara que se deva comparar com os bateristas mais espalhafatosos, como a gente falou aqui, no caso do Keith Moon ou do John Bonham, mesmo porque eles são muito diferentes. O Ringo, mesmo assim, ele conseguia imprimir a personalidade dele no instrumento, ele tinha sonoridade, ele tinha estilo, ele tinha pegada.

O fato dele, também, desde o início dos Beatles já ser um baterista que canta. Isso é algo notável, também.
O Ringo era surpreendente. Como ele conseguia trazer um elemento surpresa para uma apresentação dos Beatles. E não foram poucas músicas que ele cantava. Nos sets, ele sempre tinha uma presença. Mas dentro dessa frequência dele cantando, foram muitas músicas diferentes nas apresentações na TV inglesa. Lembro de uma apresentação dele com “Can´t Take My Eyes of You”, do Frank Valli. Ele realmente chamava para si, mesmo. Acho que a música dele é “Boys” e, depois, “I Wanna Be Your Man”. Quando ele aparece naquele disco ao vivo do Hollywood Bowl, a galera vem abaixo (risos). Dizem que o Ringo recebia mais cartas do que o Paul e o John, dos fãs. É uma história meio curiosa, não sei se ele estava fazendo o marketing dele, mas dizem que ele recebia mais cartas do que os outros três beatles.

Curioso observar o contexto em que Ringo viveu, como uma garoto que cresceu passando por diversas doenças que o deixaram anos hospitalizado. Os cinco primeiros anos de vida bem no meio de um conflito bélico mundial, em uma cidade como Liverpool, sendo bombardeada. E, ainda assim, perseverar e se tornar alguém que ajudou a construir o Rock and Roll como uma expressão cultural do século XX.
Eu tenho uma teoria meio louca que diz que o Rock é filho da Segunda Guerra Mundial. Porque gosto dos dois assuntos tão intensamente que, às vezes, tento fazer algum tipo de correlação entre eles. Existem alguns aspectos que explicam o Rock como uma decorrência do que o mundo se transformou depois da Segunda Guerra Mundial. E a gente sabe que, na Europa, que já sofreu muitas guerras, as pessoas têm uma mentalidade muito diferente da nossa. Porque, lá, as pessoas têm que guardar comida para o inverno, os dias de verão são três ou quatro durante a estação invernal. Então, eles têm uma visão do mundo muito mais austera do que a gente. Os momentos onde acontece uma coisa mais esfuziante, assim como foi o nascimento do Rock, eles são muito profundos. Porque eles colocam todo mundo que tem essa mentalidade muito severa, como a gente vê na sociedade européia e tudo, como algo que vem para iluminar muito as vidas das pessoas. E eu acho que essa minha teoria pode ter algum sentido, porque a gente entende as terríveis situações pelas quais as pessoas passaram durante a Segunda Guerra Mundial, e logo as sequências disso tudo na reconstrução da sociedade, das cidades, da vida. Dos avanços, das beneficies que vieram por conta dessa necessidade de reconstrução, de retomada da vida das pessoas depois de tantos percalços. E eu acho que a gente sabe, também, das dificuldades que o John teve na família. O Paul perdeu a mãe muito cedo. George teve uma vida familiar muito menos traumática do que o John e o Ringo, por exemplo. E isso tudo refletiu enormemente na persona de cada um deles. Na maneira de ver o mundo, na maneira de reagir às coisas. Os Beatles são um retrato de um momento impar na História. Quando o rock estava virando uma linguagem comum para toda aquela juventude ali que, pela primeira vez na História, não estava indo para uma guerra. Uma guerra mundial, no caso. A gente viu outros conflitos regionais aconteceram. Vietnam, por exemplo. Mas, teve uma geração ali, no pessoal do pós-guerra, que, pela primeira vez em muitos anos ali, naquela hora do século XX, não foi necessariamente jogada em uma guerra. Não teve que pegar em um fuzil. E eu acho que os Beatles tinham essa importância, mesmo. Por tudo que eles simbolizaram naquele momento e todas as diferenças pelas quais eles passaram nesse curto espaço aí.

Sim. Em apenas oito anos, entre 1962, com a gravação do “Please Please Me”. e 1970, com o lançamento do “Let it Be”, as mudanças que eles trouxeram para um espaço de tempo tão curto é algo que impressiona.
Hoje em dia a gente acha que é curto, mas, na época, parecia que o tempo ainda não era tão rápido como hoje (risos). Aquelas duas coletâneas, “Azul” e ‘Vermelha”, por exemplo, em que eles aparecem fazendo uma foto no mesmo lugar em que fizeram a foto do “Please Please Me”, define bem. Eles saíram daquela peruquinha, daquele cabelinho, para os cabeludos dos anos 1968, 1969. Então, eles saíram dos terninhos para as roupas psicodélicas. E isso atribui essa visão que eles tinham à dinâmica que eles buscavam na composição, na coisa musical. Ela evoluiu enormemente de um disco para o outro. Eles realmente foram muito ousados, foram muito criativos nessa trajetória que, a gente olhando hoje, parece que foi muito curta, muito efêmera, mas, na época, representava muita ousadia, muita força e criatividade. E é uma lição. A gente está até hoje aqui falando de Beatles. E parece muito óbvio falar dos Beatles, da importância que eles têm dentro dessa lição de criatividade musical que eles deram. E eu mesmo lembro assim, eu era um beatlemaníaco daqueles que sabia tudo. Datas e lugares do que eles estavam fazendo. Depois vieram muitos outros livros que entregavam isso para muita gente, essas coisas de “o que os Beatles estavam fazendo nessa data em 1967?” (risos) Eu era um desses. Hoje, para a nossa sorte, temos a internet. Qualquer coisa a gente vai lá e olha. Mas eu era um daqueles que podia ir em um programa de perguntas e respostas sobre a vida dos Beatles. Mas, aos poucos, eu fui deixando isso um pouco de lado. Até teve uma vez em que eu discuti com o Renato Russo. Ele não se lembrava a data. Ele achava que o aniversário do Ringo era em um dia, e eu corrigia, “não, Renato, é no dia 07 de julho.” Aí ele disse: “Ah, eu acho que não”. Aí ele pegou um livro, a gente estava na casa do Dado, e aí ele falou: “Ih, João, você está certo. É no dia 07 de Julho, mesmo.” Isso é algo que eu me orgulho (risos). Corrigi o Renato Russo quanto ao aniversário do Ringo.

Sim. Eu tenho uma identificação de vida muito forte com os Beatles nesse sentido de relacionar os momentos da minha trajetória com algo ligado a eles. Ainda não era nascido quando John foi assassinado, mas lembro-me como se fosse ontem daquele 29 de novembro de 2001, quando George sucumbiu ao câncer.
Sim. Teve esse trauma muito forte com a perda do John. Eu me lembro que eu larguei a mão, assim. “Não, pô, todo esse amor, toda essa entrega, essa paixão, e, de repente, chegar nesse momento tão triste, tão sombrio?” Então, passei muito tempo meio que com uma espécie de um luto muito grande. Isso, também, serviu um pouco para eu olhar para outras coisas, porque acabei descobrindo o Police, também (risos). E acho que era uma necessidade de ir atrás de outras coisas, também musicalmente interessantes e abrir um pouco mais o espectro musical. Mas, aí, quando você vê, você lembra dessa importância toda, desse peso específico todo. O conjunto da obra dos Beatles é um negócio que todo mundo precisa reconhecer. E sobre o George, eu também lamentei muito essa maneira precoce como ele partiu. Mas ao menos foi uma coisa mais aceitável, do que uma morte estúpida como foi a do John. Realmente, não deixa de ser terrível quando alguém que a gente preza tanto e que a gente acompanhou a vida inteira, de repente não está mais. É fogo!

Você conseguiria elencar as canções dos Beatles cuja presença de Ringo mais te marcou?
Às vezes eu tento e não consigo (risos) fazer essas listas. Mas tem uma música dos Beatles que eu gosto muito que o Ringo toca maravilhosamente bem que é a faixa “Birthday”, do “Álbum Branco”. Eu adoro essa música. “Birthday” é uma música que eu me lembro que era uma das que eu ficava tocando em travesseiro. (risos) Nela, ele está matando a pau. E também é uma música que é uma síntese do Rock and Roll. Super legal. Um riff de guitarra e uma bateria pujante. Gosto muito dessa música. Em “Here Comes The Sun” ele tá bem pra caramba. Ele já contou como foi complicado para ele fazer aquela música com os diferentes tempos que ela tem. São algumas das pérolas do Ringo. Eu gosto muito da maneira como ele parecia que estava tocando bolero em ”P.S. I love You”. Muito interessante a maneira meio latina como ele a toca.

– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e com o Scream & Yell desde 2005

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