Faixa a faixa: “SoulSambaRock”, por Hyldon

 Introdução por Marcelo Costa

Por conta do imenso e eterno sucesso do seu primeiro disco, “Na Rua, na Chuva, na Fazenda” (1975), um clássico da música brasileira, Hyldon acabou se tornando conhecido como um compositor de doces e tranquilas melodias soul. Mas uma rápida pesquisa em sua discografia mostra que sua guitarra também pode tocar alto quando necessário. Essa é uma das tantas características de “SoulSambaRock”, 16º disco da carreira do cantor e compositor, que chega às plataformas de streaming nessa sexta-feira (15), com distribuição ONErpm.

É um disco bem conectado aos tempos atuais tanto na forma em que foi produzido – com os músicos, cada um em seu home studio, sendo dirigidos por Hyldon – quanto nas variantes dos temas das composições. Da crítica à política e a certas ditaduras praticadas na América Latina numa levada com tons caribenhos (em “República das Bananas”), passando por “Boletos”, quase uma atualização de “Taxman”, dos Beatles, para esses tempos de pandemia, inclusive no formato, um rock clássico com participação dos cariocas do Trio Frito.

O rap, gênero diretamente influenciado por Hyldon e sua música, aparece com bastante relevância no disco. Enquanto “Um Luau Pra Você” tem produção pop e parceria com Rappin’ Hood, “A Lenda do Clube dos 27” surge mostrando um Hyldon cronista, antenado aos problemas e questões sociais das nossas periferias – e tudo isso com beats do produtor Papatinho. Em outra música bastante forte em sua mensagem, Hyldon apela para suas próprias origens baianas no batuque-soul “50 Tons de Preto”.

Há, claro, baladas no disco. “Vida Que Segue” (feita num fim de semana para o disco da Gal Costa, “A Pele do Futuro”, de 2018, e com guitarras e violões de Romero Lubambo, brasileiro que mora em New Jersey, que já gravou com Leny Andrade, César Camargo Mariano e Dizzy Gillespie, entre tantos outros) e pelas blueseiras “Ninguém Merece Viver Só” e “Cada Um Na Sua Casa”, parceria com Arnaldo Antunes, que acabam criando um diálogo involuntário com seus títulos e letras quando o distanciamento social é o mais responsável a se fazer.

No faixa a faixa abaixo, Hyldon mergulha no álbum contando detalhes da produção: “Todo álbum meu tem um conceito”, avisa logo de cara. E o conceito de “SoulSambaRock” foi gravar tudo separado, cada um no seu canto (isso antes da pandemia!). “E isso não tirou o conjunro da coisa”, opina Hyldon, que cita como influência artistas visuais (como Van Gogh, Basquiat, Rembrandt, Maxwell Alexandre e Kandinsky), cidades (São Paulo, Nova York, Niterói, Salvador e Amsterdam) e, claro, músicos. Abaixo ele conta tudo sobre “SoulSambaRock”.

Faixa a faixa: “SoulSambaRock”, por Hyldon Souza

Todo álbum meu tem um conceito. Eu vejo o álbum como se fosse um livro e cada música é um capítulo. Além disso, também tenho influências visuais muito fortes de nomes como Van Gogh, Basquiat, Rembrandt, Maxwell Alexandre e Kandinsky. Aproveitando toda essa onda do digital, a minha intenção foi fazer o disco em separado – baterista num lugar, baixista no outro. Mas acho que isso não tirou o conjunto da coisa. Isso se deve ao fato de eu ser produtor, arranjador e trabalhar com as pessoas certas – fora o trabalho final, feito pelo Márcio Pombo na masterização e mixagem. Eu demoro muito pra mixar, sou perfeccionista… cada música tem várias versões, seis, sete, até atingir o ponto desejado. Aqui, falo um pouco sobre cada faixa:

01. República das Bananas (Hyldon)
Morei dois anos com o Chacal, um dos maiores percussionistas do Brasil, que tocou com Paul Simon, Elis Regina, Tim Maia, Wilson Simonal, e ele me introduziu a salsa, música cubana, reggae. Essa música é uma mistura rítmica dessas influências todas. Quis fazer uma crítica a certos governos ditatoriais que ainda – infelizmente – existem no nosso continente. Musicalmente, ficou uma mistura de baião, salsa, reggae… enfim, essa é a minha República das Bananas.

02. A Lenda do Clube dos 27 (Hyldon)
Essa música tem influência direta de “Sintonia” (série do KondZilla), “Irmandade” (estrelada por Seu Jorge), “Cidade de Deus” (que tinha “Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda na trilha), a Brasilândia (onde gravei um clipe usando o cenário do filme “Antônia”, de Tata Amaral, com Thaíde e Negra Li, em São Paulo), e Capão Redondo (pra onde fui levado por Mano Brown para cantar num sarau de poesia). Esse é o ambiente em que se passa a história. O personagem principal está prestes a completar 27 anos e, num dos versos, fala com a namorada sobre a paranoia de morrer com a idade do “clube” – e eu mesmo cheguei a ter essa cisma de que ia morrer aos 27.

03. SoulSambaRock, Sou (Hyldon e Marlon Sette)
Evitei usar instrumentos de sopro (que marcaram o disco anterior), mas, nessa faixa, foi necessário, pois é uma das características do samba rock. Estava botando pilha no Marlon Sette, trombonista, pra lançar um disco solo dele e começamos com essa música – assim nasceu seu lindo álbum “Fogo na Caldeira” (2019). O resultado ficou tão bom que peguei o arranjo original e botei uma letra para homenagear os amigos que são do samba rock – Branca Di Neve, Jorge Ben Jor, Luiz Vagner, Bebeto, Trio Mocotó, Originais do Samba. O samba rock de São Paulo tem sua dança, quase como a gafieira do Rio. Acho que essa música vai agradar em cheio a galera do samba rock de São Paulo.

04. Um Luau Pra Você (com Rappin’ Hood) (Hyldon, Rappin’ Hood e DJ CamarãoSP)
Eu gosto muito dessa turma que é do comecinho do hip hop de São Paulo. Rappin’ Hood é um deles. Eu estava em São Paulo e marcamos um estúdio. Coloquei voz em uma base que ele tinha, ele entrou com o rap e eu com o refrão. Aqui no Rio, coloquei a galera que toca comigo pra trabalhar e esse é o resultado. Ficou linda!

05. Vida Que Segue (Hyldon)
Eu sou fã da Gal Costa desde o tempo da Tropicália. Quando eu tinha uns 22 anos, ela foi ver um show da Wanderleia e eu estava tocando guitarra. Depois do show, recebi um convite da Gal pra tocar com ela. Como eu estava focado no meu primeiro disco, declinei do convite. Mas sempre quis gravar com ela. Ano retrasado, me ligou Marcus Preto, diretor artístico da Gal, dizendo que estava fazendo um disco com Pupillo, produtor, ex-Nação Zumbi, e que precisava de uma música. Eu não tinha nenhuma música nova, inédita, na mão, mas ele meu deu uns dias. Precisei de um final de semana sozinho, sem minha esposa (mas com total apoio dela, claro) e consegui fazer essa música com o eu-lírico feminino. Assisti tudo o que tinha da Gal na internet e fui entrando na mente dela, imaginando o que ela escreveria, falaria etc. Segunda de manhã, mandei a música. Todo mundo amou, gravaram no mesmo dia e ela está no disco “A Pele do Futuro” (2018). Nessa minha regravação, tem a participação de Romero Lubambo (Leny Andrade, César Camargo Mariano, Dizzy Gillespie), que participou via internet da sua casa em New Jersey.

06. Boletos (com Trio Frito) (Hyldon)
Sempre toquei rock and roll. Nos bailes, tocava Rolling Stones, as mais pesadas dos Beatles (tipo “Day Tripper”), Eric Clapton e meu guitarrista preferido é Jimi Hendrix. Fui ver um show num pub aqui no Rio, perto de casa, a convite da minha filha, e os caras tocavam bem, gostei muito. Era o Trio Frito. Tocaram muito Led Zeppelin e Hendrix, “Voodoo Child” ficou na minha cabeça. Voltei pra casa e fui ouvir Hendrix no meu home studio, tranquilo. No dia seguinte, minha esposa me aparece cheia de boleto na mão. Segurei os boletos e tive a ideia de fazer uma música sobre eles. Chamei essa galera pra gravar – acabamos ganhando um clipe da produtora do Marcos Frota, que está no ar. É a única faixa do disco que tem todo mundo no estúdio tocando junto. Ela também é uma homenagem ao velho vinil e cita Mutantes, Jimi Hendrix e Elis Regina.

07. 50 Tons de Preto (Hyldon)
A pior coisa do mundo é o preconceito, por qualquer motivação. Eu sofro preconceito, ainda hoje. Sou uma mistura de português, índios pataxós e negros. Já vi gente segurando bolsa e cordão perto de mim no shopping. Mesmo comigo aparecendo na mídia de vez em quando, fazendo um programa ou outro. Se eu saio à vontade, do jeito que eu gosto, de bermuda, chinelo de dedo… se eu estiver com uma barbinha, então, rolam os olhares. Fiz essa música pensando nisso. Fui ver uma exposição esses dias em que o artista fez todas as obras em papel pardo, pra fazer esse questionamento de cor. “De que cor eu sou?”. Já sofri preconceito por parte de negros também, por ser “mulato”. Enfim, foi um jeito de contar um pouco da história dos negros no Brasil.

08. Ninguém Merece Viver Só (Hyldon e João Viana)
Essa eu fiz com o João Viana, que foi muito responsável por eu ter começado esse disco. A gente joga futebol juntos no campo do Politheama e ele me convidou pra ir ao estúdio dele fazer uma música. E eu não posso ver estúdio que já quero fazer mil coisas. Dali ia sair uma demo, mas já saiu como a primeira música desse disco. Depois chamei o Arthur de Palla pro baixo, que tocava comigo, mas foi agora pra banda do Djavan, e o Luiz Otávio, pianista que é deficiente visual – até brinco dizendo que gosto dele porque ele não lê música, assim como eu. É um dos maiores músicos que eu já conheci.

09. Cada Um Na Sua Casa (Hyldon e Arnaldo Antunes)
Arnaldo Antunes é um capítulo especial na minha vida. Ficamos amigos ainda na época da MTV. Já fizemos algumas parcerias (com a Céu como trinca, até). A afinidade é muito grande com o Arnaldo e, quando comecei a fazer esse disco, não tinha nada de Coronavírus ainda. Em casa, com a minha esposa, dormimos em quartos separados porque nossos horários são malucos – eu gosto de trabalhar de madrugada, ela dorme cedo etc. E aí mandei essa ideia pro Arnaldo, de fazer uma música que fala sobre essa independência que você tem quando mora em casas separadas. Acabou que a música tem tudo a ver com os tempos atuais também, com o lance da pandemia. E muito a ver com o disco, que foi feito todo solto, cada um no seu estúdio. O guitarrista dessa faixa é o André Neto, que gravou de Nova York – e, por acaso, o apelido dele é “Jimi Hendrix”.

10. Zondag In Amsterdam (Hyldon)
“Zondag” é “domingo” em holandês. Apesar de ser a última faixa, foi a primeira música que eu fiz nessa safra. Estava querendo comprar um violão de aço e achei um Fender azul em Amsterdam, numa loja do subúrbio. Pus na cabeça que ia buscar. Minha esposa é artista plástica e ama a cena cultural de lá. Nós dois somos fãs do Van Gogh e do Rembrandt. Falei pra ela e armamos essa viagem. No segundo dia, fui até essa loja e comprei o violão. Cada cidade tem seu jeito, seu cheiro, sua arquitetura e amei Amsterdam. Andamos muito por lá, ficamos 10 dias. Comecei o refrão dessa música lá, mas, na volta, a música não andava. Botei na cabeça que tinha que voltar à Amsterdam pra terminar. Voltei um ano depois já pra fazer o clipe também, com uma brasileira fotógrafa que conheci lá – Luciana Sposito. Enfim… São Paulo, Nova York, Niterói, Salvador e Amsterdam são protagonistas desse álbum.

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