Três livros: “Através do Vazio”, “Sobre Os Ossos Dos Mortos”, “Slumberland”

Resenhas por Adriano Mello Costa

“Através do Vazio”, S.K. Vaughn (Editora Suma)
Então é natal. Natal de 2067. É nesse ponto que começa “Através do Vazio” (“Across The Void”, no original) que a editora Suma publicou em 2019 aqui com 376 páginas e tradução de Renato Marques. O livro de S.K. Vaughn (na verdade um pseudônimo do escritor e roteirista americano Shane Kuhn) é ambientado em um futuro onde a humanidade definitivamente alcançou as estrelas com toda pompa e os interesses privados e públicos (além dos pessoais) continuam conflitantes e interferindo na vida das pessoas em troca de benefícios e vantagens. Nada de novo, convenhamos. O livro começa com a comandante May Knox acordando dentro de uma nave perto de Júpiter sem memória e companhia quase nenhuma buscando entender o que aconteceu. Na ponta do outro lado – na Terra – está o marido Stephen Knox, cientista brilhante responsável pela tecnologia que fez a NASA investir milhões e mais milhões na missão em uma das luas do gigante gasoso. “Através do Vazio” é, no seu âmago, sobretudo uma história de sobrevivência no meio do espaço sideral sem muita ajuda e contra várias adversidades sejam elas naturais ou não. Se assim fosse mantida durante as páginas seria uma obra bem mais interessante do que se tornou, pois quando o autor opta em dividir o palco com um drama romântico com características de novelão mexicano (no pior sentido) reduz bastante a qualidade do trabalho. Isso faz com que o livro se situe naquele limiar entre não seduzir o leitor completamente, como também não desagradar na totalidade.

Nota: 5

“Sobre Os Ossos Dos Mortos”, de Olga Tokarczuk (Todavia Livros)
Uma professora aposentada é chamada por um vizinho que avisa que outro habitante da localidade morreu. Quando chegam lá percebem que o falecimento foi porque ele se engasgou com um osso. Depois que a polícia aparece e começa os procedimentos no meio da neve que cai nessa região isolada da Polônia, a senhora – que não tinha o finado em alta conta – entende que isso se trata de uma vingança dos animais que eram caçados por ele. “Sobre Os Ossos Dos Mortos” (“Prowad? Swój P?ug Przez Ko?ci Umar?ych”, no original) foi publicado em 2009 e ganhou edição brasileira dez anos depois pela editora Todavia, com tradução de Olga Baginska-Shinzato e 256 páginas. Na essência um suspense que busca desvendar os assassinatos que aparecem na sequência da morte descrita acima, a obra da vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2018 caminha em várias outras ruas e atalhos. A escritora polonesa Olga Tokarczuk cria uma protagonista fascinante, que além de não ser afeita a pessoas, se dedica com afinco a astrologia, não come carne, não gosta dos caçadores da região (sejam ilegais ou não) e os sabota quando pode, carrega várias efemérides e no meio disso ainda produz argutas reflexões em relação a vida e principalmente a morte. “Sobre Os Ossos Dos Mortos” é um livro que disserta sobre a crueldade com os animais e os direitos desses em troca de uma “tradição”. É estranho, carrega um humor meio macabro nas bordas, faz pensar um pouco e enfeitiça o leitor.

Nota: 8

“Slumberland”, de Paul Beatty (Todavia Livros)
“O Vendido”, lançado aqui em 2017 e vencedor do aclamado Man Booker Price de 2016 na Inglaterra, foi o primeiro livro do americano Paul Beatty publicado no Brasil. Em 2019 a Todavia Livros lançou também dele “Slumberland”, originalmente de 2008 nos EUA, mas que carrega a mesma vivacidade, apesar de ser anterior. O tom ácido, satírico e mordaz que causa incômodo ao leitor desavisado está lá presente, ainda que em menor proporção e não tão bem desenvolvido como seria posteriormente. O protagonista é o DJ Darky, nome artístico de Ferguson W. Sowell, morador de Los Angeles que após compor uma batida que todos julgam como perfeita se manda para a Berlim do final dos anos 80 a fim de encontrar um jazzista genial e ao mesmo tempo excêntrico que sumiu faz muito, muito tempo. O intuito é que ele adicione uma frase original a essa batida, deixando assim inegavelmente perfeita essa criação. Na busca por Charles Stone – o jazzista em questão – DJ Darky deságua no bar que empresta o nome ao livro como sommelier de jukebox (sim, é isso mesmo), que é frequentado na maioria por negros imigrantes e onde o autor no meio da Guerra Fria insere as colocações impertinentes e corrosivas que lhe são peculiares. Trazendo a paixão pela música como grande timoneira da obra, Paul Beatty fala sobre racismo de um jeito que tem o intuito claro de provocar – ainda mais vindo de um autor negro – e embala esses acintes com canções, canções e mais canções.

Nota: 7

– Adriano Mello Costa assina o blog de cultura Coisa Pop ( http://coisapop.blogspot.com.br ) e colabora com o Scream & Yell desde 2009.

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